Em 2024, o Dia do Trabalhador completará cem anos de existência como feriado nacional no Brasil. O 1º de Maio é a única data não religiosa com abrangência global, sendo celebrado em mais de 150 países. A origem do feriado remonta a um grupo de grevistas que se tornou símbolo da luta dos trabalhadores pela redução das jornadas diárias.
No Brasil, o caráter político do 1º de Maio começou no século XIX e chegou ao auge durante o Estado Novo (1937-1945), a ditadura de Getúlio Vargas. O decreto de 1924 também é considerado um marco na instituição de direitos trabalhistas no País.
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Origem do 1º de Maio
Durante o século XIX, a principal causa dos trabalhadores era a redução das jornadas diárias, que, na época, variavam de 12 a 16 horas. Os operários, em contrapartida, propunham oito horas de trabalho. Essa era a pauta de uma onda de protestos que tomou a cidade de Chicago, nos Estados Unidos, a partir de 1º de maio de 1886.
“Os protestos exigiam passar de 13 horas diárias de trabalho para oito horas”, disse o historiador Wesley Santana, professor do Centro de Educação, Filosofia e Teologia (CEFT) da Universidade Mackenzie. “Sem um acordo, teve início uma greve geral que paralisou a cidade de Chicago, travando a produção e o consumo.”
Segundo o professor, o conflito se agravou pelas circunstâncias sociais do momento, como a concentração de renda e a penúria dos trabalhadores da cidade. O auge da repressão ocorreu em 4 de maio, durante um ato na praça Haymarket. A reação foi violenta e quatro manifestantes que participaram da passeata foram condenados ao enforcamento.
Três anos depois do “Massacre de Chicago”, em 1889, um congresso de socialistas em Paris, na França, passou a difundir o 1º de Maio como uma data em memória aos grevistas reprimidos em Chicago. O dia passou a ser um símbolo da luta pelas causas trabalhistas, sobretudo a redução da jornada de trabalho.
1º de Maio no Brasil
Por aqui, há registros de protestos de operários desde o século XIX. “O Dia do Trabalhador começou a ser lembrado no Brasil não como um dia de festas, mas como um dia de lutas pelos direitos dos trabalhadores”, disse Paulo Rezzutti, pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Nos primórdios, a iniciativa partia de trabalhadores identificados com o socialismo e não era organizada no primeiro dia do mês de maio, e sim a 14 de julho. A ideia era retomar o simbolismo da Queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, e incorporá-lo às reivindicações por melhores condições de trabalho.
Pouco a pouco, o 1º de Maio foi ocupando o espaço das celebrações que ocorriam em 14 de julho. Mesmo se consolidando entre os operários, ainda não estava claro quais seriam suas características: se seria um dia de greve geral, reservado para celebrações religiosas ou se estaria ligado a uma corrente ideológica específica, como o anarquismo ou o socialismo.
Por outro lado, a data foi estabelecendo um vínculo com a causa das oito horas diárias. Outras reivindicações trabalhistas foram complementando a pauta do movimento, que crescia com o aumento do contingente de operários, decorrente do avanço da industrialização no País.
“O movimento se consolidou mesmo na década de 1910, com o aumento da industrialização. Esse fortalecimento levou a uma série de greves, culminando com a greve geral de 1917. Desse período em diante, o 1º de Maio começou a ser marcado por protestos pedindo melhores condições de trabalho”, disse Rezzutti. Foi nesse contexto que o Dia do Trabalhador se tornou, em 1924, um feriado nacional, por força de lei.
Quem decretou 1º de Maio como feriado nacional?
O 1º de Maio foi instituído como feriado nacional em 1924, por decreto do presidente Artur Bernardes.
É considerado feriado nacional o dia 1º de maio, consagrado à confraternidade universal das classes operárias e à comemoração dos mártires do trabalho; revogadas as disposições em contrário
Decreto nº 4.859, de 26 de setembro de 1924
Entre anarquistas, socialistas, sindicalistas e republicanos, o 1º de Maio era motivo de uma disputa simbólica. “Bernardes justificou a transformação da data em feriado devido às modificações pelas quais ela teria passado”, disse Isabel Bilhão, professora e pesquisadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Na época, a cada início de ano, o Congresso inaugurava seus trabalhos em uma sessão que contava com uma mensagem enviada pelo presidente da República. No texto enviado em 1925, Bernardes comentou sobre a criação do feriado no ano anterior e fez questão de dizer que o 1º de Maio estava blindado de quaisquer “projetos subversivos”. Ele estaria destinado, segundo o presidente, à “glorificação do trabalho ordeiro e útil”.
A oficialização do feriado se soma a outros avanços na questão trabalhista que ocorreram durante o mandato de Bernardes. O tema estava presente na agenda do mandatário desde a campanha presidencial e, durante sua gestão, foram oficializadas algumas das demandas que o movimento trabalhista reivindicou ao longo dos anos 1910, como a Lei Elói Chaves, de pensões a ferroviários, descrita por Paulo Rezzutti como um “ancestral do sistema previdenciário”.
Também houve a proibição ao trabalho aos menores de 12 anos, a instituição de férias remuneradas para trabalhadores de comércio e indústria e a criação do Conselho Nacional do Trabalho, para a discussão dos direitos da categoria.
Ainda assim, todos esses avanços, inclusive a adoção do feriado como memória aos “mártires”, devem ser vistos com ressalvas, pois o governo de Artur Bernardes reprimiu greves e outros atos do movimento operário. “Ele mantinha uma relação ambígua com os movimentos de trabalhadores”, disse Rezzutti. Para Isabel Bilhão, a postura de Bernardes é oscilante, pois apesar da “repressão brutal” aos movimentos sociais, começou a se formar um arcabouço jurídico dos direitos dos trabalhadores.
O uso político do 1º de Maio
Durante o Estado Novo, o governo ditatorial de Getúlio Vargas, a data passou a ser um marco para anúncios de reforma na legislação trabalhista. Foi assim com o decreto do salário mínimo, em 1940, com a criação da Justiça do Trabalho, em 1941, e com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.
“O 1º de Maio se tornou um trunfo político”, afirmou Wesley Santana, relembrando que o rádio cumpriu um papel importante como meio de divulgação dos novos termos trabalhistas. Para Isabel Bilhão, o feriado pode ser considerado como o auge do “culto personalista” à imagem de Getúlio Vargas, com desfiles e atos públicos organizados pelo governo.
Dia do Trabalhador ou Dia do Trabalho?
Apesar dos novos marcos na legislação trabalhista do País, a concessão de direitos durante a Era Vargas foi concebida sob a ótica do corporativismo, uma doutrina segundo a qual o Estado assume o papel de benfeitor da classe de trabalhadores. “As concessões de direitos trabalhistas tinham a função de controlar os trabalhadores e de esvaziar o movimento operário, tirando dele o caráter revolucionário e de protesto”, disse Paulo Rezzutti.
Segundo o pesquisador, isso também foi feito no plano simbólico: não havia denominação oficial para o feriado no decreto de 1924. O governo Vargas, por meio do aparato de propaganda estatal, passou a difundir o 1º de Maio como o “Dia do Trabalho”, e não “do Trabalhador”. A mudança é sutil, mas tem como efeito tornar a data mais abstrata, o que descaracteriza o passado ligado às reivindicações e greves do movimento operário.
De Vargas em diante
O 1º de Maio saiu da tutela estatal com o fim do Estado Novo, mas nunca deixou de ser disputado politicamente. Durante a ditadura militar (1964-1985), por exemplo, a perseguição aos sindicatos mudou o caráter dos atos públicos organizados durante o feriado: saiu de cena o tom de protesto, predominando uma noção mais festiva.
Por outro lado, o tom político retornou nas greves que tomaram a região do Grande ABC na virada dos anos 1970. “Voltaram a acontecer grandes concentrações de trabalhadores em estádios de futebol, não mais para ouvir as autoridades e o discurso do presidente da República, e sim representantes do novo sindicalismo que então vinha se organizando no País”, disse Isabel Bilhão. E, ainda hoje, o 1º de Maio é celebrado com conotação política, sendo utilizado por centrais sindicais e movimentos sociais como data de reflexão e marco para a organização de atos públicos.
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