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Curiosidades do mundo da Política

Há 40 anos, ato na Praça da Sé se tornava divisor de águas na luta por eleições diretas no Brasil

Ato que marcou campanha pelas Diretas Já teve presença de artistas, discursos políticos, aplausos e vaias e até um trágico falecimento

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Foto do author Monica  Gugliano
Atualização:

Um, dois, três! Quatro, cinco mil! Queremos eleger o presidente do Brasil! Um, dois, três! Quatro, cinco mil! Queremos eleger o presidente do Brasil”. Ao lado da Catedral da Sé, no centro de São Paulo muita gente se espremia em todos os espaços, espalhando-se pelas ruas transversais, lotando a Praça, carregando faixas, cartazes, e, por todos os cantos, entoando os versos acima e as palavras de ordem: “Diretas Já”.

Foi há 40 anos que, depois de um grande comício em Curitiba, lideranças políticas decidiram promover outro ato em defesa do direito de eleger o presidente pela via direta. Naquela data, 25 de janeiro de 1984, a ditadura militar estava prestes a completar 20 anos, e o regime dava sinais de exaustão. Não cumprira suas promessas. Há muito tempo acabara o milagre brasileiro, que chegou a permitir um crescimento do PIB de mais de 10% ao ano. O que se via era desemprego, recessão, má distribuição de renda. A inflação engolia os salários e o poder de compra. “Os generais entregaram um País destroçado e os comícios foram uma desmoralização para as Forças Armadas”, diz a professora Maria Celina D’Araújo, do Departamento de Ciências Sociais Puc-Rio, doutora em Ciência Política.

Vista aérea da Praça da Sé tomada por milhares de pessoas durante o Comício das Diretas Já, em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984 Foto: Rolando de Feitas/Estadão

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“O comício da Sé foi um divisor de águas”, observa o jornalista e escritor Oscar Pilagallo autor do livro “O girassol que nos tinge” (Fósforo editora) sobre as Diretas já. “O consenso em torno da campanha das Diretas Já resultou de uma complexa construção política, social e midiática que teve no comício da praça da Sé, em 25 de janeiro daquele ano, um trampolim que projetou o país no ar ainda rarefeito da democracia”, explica em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.

De fato, até o comício da Sé muito se falava na volta da democracia. Mas os partidos de oposição divergiam na forma de atingir esse objetivo. Além do receio do recrudescimento da ditadura - que não era algo impossível naquele momento. Os militares temiam aquilo que chamavam de “Efeito Alfonsín”. O nome era uma alusão ao então presidente da Argentina, Raul Alfonsín (1927-2009), eleito quando o país vizinho começava o processo de redemocratização, enfrentando severas crises com as Forças Armadas que não aceitavam a “Lei do Ponto Final” que punia aqueles que haviam praticado crimes contra a humanidade durante o governo de exceção. No Brasil, entretanto, já fora aprovada a Lei da Anistia em 1979.

Mas, no Brasil, a ideia central da oposição era a de fazer uma Assembleia Constituinte que incluísse a eleição direta para presidente e desse um fim no “entulho autoritário” de anos de ditadura. E isso embora já existisse a emenda Dante de Oliveira (1952-2006), um deputado do PMDB de Mato Grosso que estreava na Câmara em 1983, propondo diretas, mas que mal ganhou alguma repercussão até então.

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Capa do Estadão em 26 de janeiro de 1984 noticiando o ao pelas Diretas na Praça da Sé Foto: Reprodução/Acervo Estadão

“Havia vários caminhos. Mas os comícios, começando pela Sé, mostraram que não haveria nada com mais força do que as massas nas ruas”, recorda o ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, à época líder do Governo na Assembleia Legislativa de São Paulo. “Em São Paulo foi uma ousadia do Montoro (Franco Montoro - 1916-1999, governador eleito em 1982), que apostou no apelo popular da causa”, diz Ferreira.

A ousadia surpreendeu aqueles que foram ao comício. Mas, principalmente os organizadores. “A sociedade estava desesperada. Não se via nada parecido desde os comícios do presidente João Goulart (1919-1976) ou a Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, lembra a professora D’Araújo.

Os que participaram não seguram a emoção quando lembram. Às 15 horas, a Praça estava praticamente lotada. À época, os números sobre a quantidade de pessoas que ali estiveram divergiam entre si. Observadores da Polícia Militar e da Polícia Civil calcularam em 120 mil pessoas. Os mais empolgados, como o locutor esportivo, Osmar Santos, que virou uma espécie de mestre de cerimônias desse e de todos os comícios que se sucederam, em um momento de euforia, chegou a dizer que havia 400 mil pessoas.

“O comício pôs as manifestações em outro patamar”, diz Nunes Ferreira. Por ser o dia do aniversário de São Paulo - muitos veículos de comunicação trataram o evento como se fosse alusivo à data - Almino Affonso, secretário de Negócios Metropolitanos e, anos antes, deputado cassado pela ditadura, liberou as catracas das linhas do metrô. “Foi um momento de otimismo, de fé”, acrescenta ele. “Havia um clima de descontentamento com a ditadura, um clima de insatisfação, e o ato de Curitiba foi o precursor de tudo”, diz o ex-governador Roberto Requião.

Páginas do Estadão em 26 de janeiro de 1984 cotaram como foi o comício por eleições diretas Foto: Reprodução/Acervo Estadão

Se na rua não havia uma única brecha, no palanque muito menos. Estavam ali políticos, intelectuais, artistas, sindicalistas. Muitos cantaram, outros só engrossaram o coro pedindo “Diretas Já”. De Luiz Inácio Lula da Silva, então líder sindical e fundador do PT, a Leonel Brizola, ex-governador que estivera exilado, passando por Ulysses Guimarães. De Fernando Henrique Cardoso, presidente regional do MDB à época, a Mário Covas. Muitos governadores, parlamentares, estrelas da MPB, como Chico Buarque. Todos disputando um instante para falar, mesmo que sob vaias, como foi o caso do governador Montoro, ou ovacionados, como foi Lula que pediu aplausos para Montoro. “Há pouco me perguntavam: 300 mil, 400 mil? A resposta é outra. Aqui estão 130 milhões de brasileiros, falando por você, falando essa linguagem que sai do fundo da alma do povo brasileiro”, discursou Montoro.

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As páginas do Estadão no dia seguinte daquele comício contaram um pouco do que se viu. Discursos, bandas com instrumentos, exibição de capoeira e até um enterro simbólico das eleições indiretas compuseram o ato. Em meio à euforia da luta pelo voto direto, até uma tragédia foi registrada. João Cândido Alves, assessor do governador Íris Rezende, de Goiás, morreu durante o comício, por um “mal cardíaco súbito”.

Esse e os demais comícios, no entanto, tinham uma marca. E ela não era a de algum político. Era a de uma jovem cantora de 27 anos: Fafá de Belém, cuja voz cantando Menestrel das Alagoas, em homenagem ao senador Teotônio Vilela (1917-1983) que morrera menos de um ano antes. Teotônio fora um dos primeiros a erguer a bandeira pela redemocratização e também percorrera o País pregando a anistia.

Fafá de Belém tornou-se símbolo dos comícios por Diretas Já que ocorreram em diversas datas ao longo do ano de 1984. Na foto, ela se apresenta em ato no ABC Paulista Foto: Clóvis Cranchi/Estadão

A canção de Fernando Brant e Milton Nascimento dizia em algumas de suas estrofes: (...)”De quem essa ira santa/Essa saúde civil/Que tocando a ferida/Redescobre o Brasil?/Quem é esse peregrino/Que caminha sem parar?/Quem é esse meu poeta/Que ninguém pode calar?/Quem é esse?”. “Ali estavam Miguel Arraes, que era muito importante, Fernando Henrique, Dr. Ulysses. Conheci Henfil. E resolvemos que, como fazia Teotônio, depois da canção, soltaríamos uma pomba branca e assim fizemos”, diz Fafá.

Rindo, lembra que ela mesma comprava a pomba no guichê 32 do mercado de Pinheiros e que, de acordo com o lugar, muitas vezes a ave viajava de avião até o local do comício. “Estive em 25 comícios pelas diretas e, depois, outros 12, na campanha de Tancredo Neves, que seria eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. Foi a última eleição indireta”, diz. Com a emenda tendo sido derrotada em 1984, os brasileiros passaram a votar diretamente para presidente apenas em 1989.

Depois do Menestrel e já no final do comício, Fafá puxava o Hino Nacional, que era cantado em uníssono por multidões em todo o País. E foi assim, com o Hino e uma chuva fina, que acabou o ato da Praça da Sé que, como todos dizem, foi um marco na construção da democracia no Brasil.

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