Era quinta-feira à noite, 7 de fevereiro de 1957. O deputado estadual José Marques da Silva (UDN) caminhava para casa em Arapiraca, no interior de Alagoas, quando foi alvejado por dois tiros no peito. Após os disparos, o parlamentar cambaleou por alguns metros e caiu morto próximo a sua residência. Já insatisfeitos com o governo de Sebastião Marinho Muniz Falcão (PSP), os udenistas usaram a morte do correligionário como pretexto para pedir o impeachment do então governador, acusando-o – entre outras coisas – de promover um ambiente de violência política no Estado.
Todo o processo de impeachment de Muniz Falcão foi marcado por cenas de violência, culminando em um intenso tiroteio no Palácio Tavares Bastos, sede da Assembleia Legislativa do Estado, no dia 13 de setembro de 1957. O confronto entre governistas e oposição resultou na morte de um deputado e deixou oito pessoas feridas. Embora o episódio tenha chocado o País na época, a violência política não era nenhuma novidade em Alagoas. Durante o governo de Arnon de Mello (1951-1956), antecessor de Muniz Falcão, foram registrados 861 assassinatos políticos, conta o jornalista Mario Sergio Conti, no livro “Notícias do Planalto - a imprensa e Fernando Collor” (Cia. das Letras, 1999). Antes disso, na gestão de Silvestre Péricles Góis Monteiro (1947-1951), 712 lideranças políticas foram mortas.
O forasteiro
A eleição de Muniz Falcão ao Palácio dos Martírios, sede da administração alagoana, surpreendeu parte da oligarquia regional, vinculada à UDN. Nascido em Pernambuco, Muniz Falcão recebeu de seus adversários a pecha de “forasteiro”. Apesar disso, tornou-se popular no Estado atuando como delegado regional do Trabalho. Ele também foi próximo do ex-governador Silvestre Péricles, do qual se afastou após a vitória nas urnas, se consolidando como um líder populista ligado ao trabalhismo.
No governo, entrou em confronto com a elite alagoana, representada pelos usineiros, e com a UDN, de Arnon de Mello. Por meses, os grupos políticos de Muniz Falcão e Arnon de Mello trocaram ameaças, inclusive da tribuna. Foi nesse contexto de tensão que Marques da Silva foi morto a tiros. Dois meses antes de ser assassinado, o deputado enviou uma carta ao presidente nacional da UDN, Juracy Magalhães, relatando que elementos governistas estavam planejando a sua morte.
“Prefiro morrer com honra a viver sem ela. Não deixarei meu estado, nem abandonarei minha família e o povo que me elegeu para que, amanhã, meus filhos tenham vergonha de ouvirem falar do meu nome”, disse Marques da Silva na carta. Os deputados governistas, por seu lado, negaram a trama, e nada foi feito para proteger o deputado oposicionista. Quatro dias após a morte de Marques da Silva, o deputado estadual Oséas Cardoso (PTN) apresentou o pedido de impeachment contra Muniz Falcão.
Oséas Cardoso acusava o governador de ser culpado pela morte de Marques da Silva, uma vez que o chefe do Executivo estadual não tomou providências para impedir que o crime ocorresse. O pesquisador Douglas Apratto Tenório, no entanto, argumenta no livro “A tragédia do populismo - o impeachment de Muniz Falcão” (Edufal, 1995) que a insatisfação dos usineiros com a criação de um imposto de 2% sobre a produção de cana-de-açúcar foi o verdadeiro fato político que possibilitou a instalação do processo de impeachment contra Muniz Falcão.
O impeachment que acabou em tragédia
Na véspera da votação do impeachment, o entra e sai no Palácio Tavares Bastos era constante. Deputados da oposição levantaram barricadas com sacos de areia e esconderam armas de cano longo no plenário da assembleia. O confronto armado já não era segredo para ninguém, com Maceió se transformando em uma praça de guerra. Líder do governo e sogro do governador, o deputado estadual Humberto Mendes já havia anunciado que atiraria contra a primeira pessoa que votasse a favor do impeachment.
Dias antes da votação, o presidente da UDN, Juracy Magalhães, chegou a Maceió para apoiar seus correligionários. Muniz Falcão, por outro lado, aconselhou seus aliados a não comparecerem à sessão, na esperança de evitar o conflito. No entanto, os deputados Humberto Mendes, Claudenor Lima e Abraão Moura recusaram-se a seguir a orientação do governador. Segundo rumores da época, Humberto Mendes teria até mesmo encomendado 22 caixões, um para cada deputado da oposição.
Por volta das 14h30, do dia 13 de setembro de 1957, os deputados Humberto Mendes, Claudenor Lima, Luiz Gaia e Aderval Tenório, além do filho de Humberto, Walter Mendes, chegaram à Assembleia Legislativa vestidos com pesadas capas de chuva, que escondiam metralhadoras da Polícia Militar de Alagoas. Dentro da assembleia, só havia parlamentares, jornalistas e alguns funcionários. O presidente da Casa, Lamenha Filho, dispensou o serviço de taquigrafia. Substituiu-o por gravadores.
O grupo governista passou pelo cordão da PM, entrando no edifício por três portas diferentes. Segundo o enviado especial do Correio da Manhã, Márcio Moreira Alves (1936-2009), então com 21 anos, eles tiraram metralhadoras dos sobretudos e varreram o plenário com rajadas. A oposição, que também estava armada, reagiu à bala. A troca de tiros durou pelo menos dez minutos. O deputado Humberto Mendes foi atingido no confronto e morreu, além disso oito pessoas ficaram feridas. O próprio jornalista acabou também ferido com um tiro mas, mesmo no hospital, escreveu o texto de 17 linhas sobre o episódio publicado no jornal. Com isso, acabou ganhando o prêmio Esso de Jornalismo.
Após o episódio, o presidente Juscelino Kubitschek decretou intervenção em Alagoas, que foi ocupado pelo Exército. Sem os deputados governistas, a oposição se reuniu sozinha e aprovou o impeachment de Muniz Falcão. O governador se afastou, mas recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte considerou a decisão ilegal, por não ter tido a participação dos governistas, e a anulou.
Além disso, houve nova sessão, com os dois lados. Mais uma vez, o governador foi afastado. Foi julgado por um tribunal misto de parlamentares e desembargadores, que não aprovou a acusação de crime de responsabilidade. Voltou ao cargo em 1958 e concluiu o mandato em 1961. Muniz Falcão morreu em 1966, aos 51 anos, de causa natural. O episódio do impeachment traumático foi recentemente relembrado em documentário da Assembleia Legislativa de Alagoas.
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