Ao assumir a Prefeitura de São Paulo em 1985, Jânio Quadros consumava um feito inédito: pela primeira vez, a capital paulista seria comandada por um ex-presidente da República. Quinze anos depois, a façanha poderia ter sido repetida por Fernando Collor de Mello, chefe do Executivo federal entre 1990 e 1992. Após um período fora do País, o alagoano tentava retornar à cena política se candidatando à Prefeitura paulistana pelo PRTB. Seu candidato a vice era Levy Fidelix, fundador da sigla. Nas eleições de 2024, o PRTB comporta a candidatura a prefeito do empresário e ex-coach Pablo Marçal.
Ao longo da campanha, porém, Collor, que parecia mais interessado em discutir sua própria Presidência do que os problemas da cidade, não apresentou bons índices nas pesquisas de intenção de voto. À baixa popularidade, somou-se um problema jurídico: por mais que alegasse estar apto a concorrer, o ex-presidente, em verdade, ainda estava inelegível, decorrência do processo de impeachment que sofreu em 1992. A pena, imposta em dezembro daquele ano, só expiraria no final de 2000, após a campanha a prefeito. Ao cabo, o registro de candidatura de Collor foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Esse episódio faz parte da série especial do Estadão de curiosidades sobre as eleições de São Paulo. Ao longo desta semana, serão publicadas reportagens sobre momentos que marcaram as disputas para a Prefeitura desde o primeiro pleito realizado após o fim da ditadura militar, em 1985.
Pré-candidato pelo PRTB
A pré-candidatura de Collor foi anunciada no início de junho de 2000. Mesmo impedido de concorrer a cargos eletivos, não havia proibição para que o ex-presidente mantivesse ativa uma vida partidária. Assim, ele estava permitido a se filiar a partidos políticos e até se lançar como pré-candidato. Obter o registro da candidatura na Justiça Eleitoral, contudo, era alvo de controvérsia jurídica.
O alagoano argumentava que era possível: a tese defendida por Collor era que a inelegibilidade se encerraria em dezembro de 2000. Como a eventual posse do cargo de prefeito estava marcada para o dia 1º de janeiro de 2001, não haveria impeditivo legal para assumir o mandato no ano seguinte.
‘Presidência passada a limpo’
O ex-presidente pretendia usar a campanha para se reabilitar na vida pública do País, da qual estava afastado desde a renúncia, em dezembro de 1992. O retorno ao noticiário político, segundo o próprio Collor, seria “a Presidência passada a limpo”.
O mote de revisitar o mandato no governo federal, contudo, tornava a plataforma de campanha estranha ao contexto local. Além disso, Collor não resguardava conexão alguma com a capital paulista. Natural de Maceió, o ex-presidente, ao longo da vida, já havia morado em Brasília e no Rio de Janeiro, em função da carreira política do pai, o ex-senador Arnon de Mello. Quanto a São Paulo, entretanto, nenhuma relação de destaque.
Questionado sobre temas mais específicos à cidade, o ex-presidente não demonstrava conhecimento suficiente. Durante a convenção do PRTB que o oficializou como candidato à Prefeitura, por exemplo, Collor foi questionado sobre quais regiões da periferia ele já havia visitado. O ex-presidente citou visitas “ao Jardim São Luís, Moema e Mooca”, embaralhando na resposta dois bairros tipicamente conhecidos como redutos de classe média.
Imbróglio jurídico
Oficializado pela sigla, restava a Collor o registro da candidatura na Justiça. Ao solicitá-lo na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, porém, o pedido foi contestado pelo PPB, partido do ex-prefeito e candidato Paulo Maluf, pelo PSTU e pela coligação do então vice-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que também concorria no pleito.
O alagoano apresentou sua defesa, insistindo na tese de que a inelegibilidade se encerrava antes de uma eventual posse na Prefeitura. O pedido foi negado na primeira instância e Collor permaneceu fora da disputa durante o mês de julho. Ele recorreu da decisão e, em meados de agosto, ganhou sobrevida na campanha ao obter uma decisão favorável no Tribunal Regional Eleitoral paulista (TRE-SP), por quatro votos a três.
‘Fale qualquer coisa aí’
Em outra vitória no TRE-SP, Collor obteve, de última hora, um mandado de segurança que obrigou sua participação no debate entre candidatos à Prefeitura da TV Bandeirantes.
Foi nesta ocasião que ele protagonizou um embate histórico com Enéas Carneiro (Prona), abrindo mão da pergunta ao candidato. “Fale qualquer coisa aí”, disse Collor a Eneás, irritando o ex-presidenciável, que o criticou por não ter nada a dizer. Na réplica, o ex-presidente dobrou a aposta: “Pode continuar, abro mão do comentário”.
A estratégia foi repetida nesta eleição por Pablo Marçal. Durante um debate organizado pela revista Veja, o empresário abriu mão de fazer uma pergunta para a economista Marina Helena, candidata do Novo. “Marina, fale o que você quiser no seu tempo”, disse o influenciador. Ao contrário de Enéas Carneiro, Marina não se irritou com a situação.
O sonho terminou
Em 26 de setembro, já no fim da campanha, o TSE decidiu, por quatro votos a dois, cassar a candidatura de Fernando Collor.
A Corte entendeu que, por mais que o ex-presidente argumentasse que não estaria inelegível no dia 1º de janeiro de 2001, em uma eventual posse, a perda dos direitos políticos contemplava também a época do pleito, pois envolvia o direito de votar e ser votado. Compreendendo o período eleitoral, portanto, Collor estava inelegível.
O impeachment e a renúncia
A controvérsia, em verdade, se arrastava desde o dia 29 de dezembro de 1992, data em que Collor renunciou à Presidência. Naquela manhã, às 9h13, o Senado se reuniu para realizar o julgamento do impeachment de Collor. O alagoano já estava afastado do cargo desde outubro daquele ano, mas restava a consumação definitiva do impedimento.
Além de tornar o impeachment definitivo, o julgamento poderia acarretar na perda dos direitos políticos do presidente afastado. Tentando se antecipar ao jugo do Congresso, Collor renunciou às 9h43, com a sessão já em andamento.
Não havia consenso se, extinta a pena principal, o impeachment, extinguia-se também a pena acessória, a perda dos direitos políticos. A solução adotada pelos senadores foi a promulgação de uma resolução em que a renúncia extinguia a pena da perda do mandato, mas não a da perda dos direitos políticos.
Os advogados de Collor solicitaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) um mandado de segurança contra a resolução do Senado. Se obtivesse uma decisão favorável do Supremo, o ex-presidente restituiria seus direitos políticos. O mérito, de tão controverso, terminou empatado em quatro a quatro. O desempate foi resolvido pela convocação de três ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que selaram um placar de sete a três em desfavor de Collor.
Retorno à vida política
O retorno de Collor à cena pública só ocorreria dois anos depois, em 2002, quando, sem impeditivos legais, se lançou como candidato ao governo de Alagoas pelo PRTB. Obteve 419.741 votos, 40,17% do eleitorado. Contudo, perdeu o pleito para Ronaldo Lessa, do PSB, que obteve 553.035 votos.
Em 2006, foi eleito senador por Alagoas, Estado pelo qual emendaria três mandatos consecutivos no Senado. Neste ínterim, tentou o governo alagoano mais uma vez, em 2010. Obteve 389.337 votos no primeiro turno, 28,8% do eleitorado, perdendo por margem estreita uma vaga na segunda etapa da eleição, que ficou com o ex-governador Lessa, com 394.155 votos.
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