Um ano depois da eleição presidencial polarizada entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), os movimentos políticos mostram que as disputas municipais de 2024 seguirão a tendência de embates entre apoiadores do atual presidente e do ex-chefe do Poder Executivo federal. Duas cidades brasileiras, porém, estão distantes das discussões envolvendo apoiadores e militantes de diferentes partidos e pensamentos. Nesses lugares, o apoio a um dos dois é quase um consenso.
Em Guaribas (PI), por exemplo, 93,86% dos eleitores votaram em Lula na eleição de 2022. A cidade no interior do Piauí detém o título de mais lulista do País. Enquanto isso, em Nova Pádua (RS) 89,99% dos votantes escolheram Jair Bolsonaro, e a cidade se tornou a mais bolsonarista do Brasil.
Na pacata cidade interiorana piauiense, a agropecuária familiar é um dos braços da economia local. A cidade é jovem. Conseguiu ser desmembrada em 1994, ano de fundação, sendo oficializada como município em janeiro de 1995, por meio da Lei 4.680. De acordo com dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Guaribas tem 4.276 moradores, sendo 4.206 eleitores na eleição presidencial do ano passado.
O número expressivo de votos ao presidente Lula se explica pela melhoria de vida dos moradores da cidade por meio de programas e incentivos, como o Bolsa Família. Em 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Guaribas era de 0,204, o que já representava uma melhoria em comparação com os índices da região em 1991, que estavam em 0,141. Já em 2010, os números chegaram a 0,508. Ainda, no entanto, há muito a se fazer no local, como melhorias de estradas e fornecimento de água - principalmente para um município que depende de maneira quase exclusiva do setor agrícola.
Já a também pequena Nova Pádua, reduto mais bolsonarista do País, fica no Rio Grande do Sul. A cidade também é jovem e foi fundada em março de 1992. O município é chamado de “pequeno paraíso italiano”. O nome é uma homenagem a Pádua (Padova, em italiano), uma das principais localidades da região do Vêneto, no Norte da Itália.
São, de acordo com o IBGE, 2.343 paduenses, com 2.401 eleitores na eleição do ano passado. O local também depende de agricultura, mas o turismo é uma atração, com cultivo das origens do Norte da Itália. Há, inclusive, desfiles típicos que se tornaram tradição na cidade, como homenagem aos colonos. Nova Pádua tem localização privilegiada e está a 32 km de Caxias do Sul, segundo maior município do Estado.
A aproximação com Bolsonaro está no conservadorismo da maioria dos moradores. Em Nova Pádua, por exemplo, os paduenses mantêm a tradição da língua “talian”, um dialeto da imigração do Vêneto na virada do século 19 para o 20.
Entre capitais, Boa Vista e Salvador ficaram distantes da polarização
Duas capitais de regiões diferentes foram as mais se aproximaram de um dos polos no último pleito. Boa Vista (RR) e Salvador (BA), respectivamente, representam o maior eleitorado de Bolsonaro e Lula.
O historiador Eduardo Lima, mestre em história social pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirmou que as relações entre voto e ideologia não se destacam em primeiro plano. Assim, não seria possível dizer que as cidades bolsonaristas são as mais de direita do Brasil, nem que as lulistas seriam as mais à esquerda. Segundo ele, a rejeição a um determinado governo é o primeiro ponto para inflar candidaturas de oposição.
“Não podemos descartar a política de base, de pé no chão. Em Boa Vista, converso com pessoas de lá, que dizem que os governos do PT deixaram Roraima de lado. Então, há uma rejeição pelo eleitor achar que não está sendo atendido, além de toda questão da migração envolvendo a Venezuela. Muito mais que campanha midiática, ainda tem campanha pé no chão, onde a rejeição parece funcionar de um jeito maior que a aprovação”, disse o historiador. “Em Salvador, tem o (hoje ministro) Rui Costa (PT), que foi governador. E lá tem muito movimento social. A política do governo estadual e os repasses dos governos Lula e Dilma foram importantes. Ali, é um polo político do Nordeste, centro político do PT no Nordeste.”
Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que Bolsonaro teve 79,74% dos votos na capital roraimense. Em Salvador, Lula chegou a 70,73%.
Entre paulistas, cidades com menos divisão ficam na divisa com MS e na região de Piracicaba
A pequena cidade de Itapura é a mais próxima do encontro entre os rios Tietê e Paraná, na divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. Com 3.979 moradores, a cidade tem como ponto turístico as águas limpas do Tietê. No local, segundo IBGE, a média salarial dos ocupados é de 1,6 salários mínimos.
Sem muitas opções industriais e distante de grandes centros – a maior cidade próxima de Itapura é Ilha Solteira, a 34 km de distância –, o município é dependente de repasses públicos. Um exemplo: só o custo da Câmara de Itapura foi de R$ 1,2 milhão, enquanto o valor arrecadado de receita própria foi de R$ 2,8 milhões, o que dá um custo per capita de R$ 315 apenas para manter o Poder Legislativo, segundo dados de maio deste ano do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP). No município, Lula foi o mais votado com 72,31%.
A 594 km de distância de Itapura está Saltinho, município com localização mais próxima de cidades referências para atividades econômicas. Da cidade até Piracicaba são apenas 13 km. Até Campinas são 83 km.
A cidade, de acordo com o IBGE, tem os setores de agropecuária, serviços e indústrias como puxadores econômicos que ajudam os 8.161 moradores. Os indicadores de IDH também são altos. Entre 645 municípios paulistas, Saltinho aparece em 33º lugar, com 0,791, índice considerado alto. Por lá, Bolsonaro registrou 81,21% dos votos em 2022.
Fora do Brasil, Havana está com Lula, enquanto Caracas fechou com Bolsonaro
No entanto, é fora do Brasil que a polarização é mais extrema. De acordo com dados do TSE, entre capitais no exterior, Lula recebeu 100% dos votos em Havana (Cuba), enquanto Bolsonaro 100% dos votos em Caracas (Venezuela). Em números absolutos, 32 votos lulistas entre brasileiros em Cuba e 6 votos bolsonaristas na capital venezuelana.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.