BRASÍLIA - Com o conhecimento de sua direção, a Volkswagen entregou para a polícia durante o regime militar nomes de seus funcionários, enquanto seus próprios seguranças agiam como espiões dentro da empresa. Essas são algumas das conclusões preliminares que o historiador contratado pela empresa alemã, Christopher Kopper, faz sobre o passado da companhia no Brasil. Em entrevista ao Estado, ele confirmou que a multinacional colaborou com os órgãos de repressão do País. Mais de cem pessoas foram prejudicadas diretamente pela ação da multinacional, seja por conta da tortura ou simplesmente perdendo o emprego.
O Estado antecipou em reportagem de 2015 que a Volkswagen era a primeira empresa a negociar uma reparação judicialmente por ter financiado ou participado ativamente da repressão à oposição política e ao movimento operário durante a ditadura militar no Brasil.
Em 2016, Kopper foi chamado para realizar a investigação sobre a empresa e determinar seu houve algum papel e responsabilidade da cúpula da montadora e a ditadura brasileira. Sua constatação final é de que a colaboração ocorria de forma "regular" e que a cúpula sabia. "O departamento de segurança atuou como um braço da polícia política dentro da fábrica da Volkswagen", apontou Kopper, que é pesquisador da Universidade de Bielefeld.
No último fim de semana, jornais alemães como o "Süddeutsche Zeitung" e as emissoras "NDR" e "SWR" revelaram detalhes do papel da empresa no regime militar. De acordo como investigador, que esteve nos arquivos da empresa e mesmo no DOPs, seu informe contém 125 paginas de documentos mostrando justamente essa relação. A Volkswagen ainda não tem data para a publicação do documento, que deve ganhar traduções em português e inglês, além do original em alemão.
"Encontrei informes dos seguranças da Volks nos arquivos do Dops", contou o pesquisador. "São informações de 1969, 1971, 1972 e também do final dos anos 70", disse. "Na maioria das vezes, são informes sobre incidentes dentro das fábricas em São Bernardo do Campo", explicou.
Um dos casos, segundo ele, revela como os seguranças privados da empresa encontraram materiais com conteúdo comunista nos banheiros da empresa. "Isso foi enviado ao DOPs", disse. "Os relatórios eram frequentes e podemos concluir que, mesmo sem obrigações legais, a empresa estava ajudando a dar informações sobre seus funcionários", explicou.
"Podemos dizer que havia uma atividade de espionar os funcionários. Seus armários eram monitorados para ver se encontravam material subversivo", contou.
Outro caso foi a de um grupo de comunistas liderados por Anita Prestes, filha de Luis Carlos Prestes. Em 1972, 32 pessoas que pertenciam a esse grupo foram detidas. Mas, para o historiador, a Volkswagen pode ter tido um papel importante nessa operação. "Seis dos 32 detidos eram funcionários da empresa", disse. "Ao passar informações, os seguranças corporativos da empresa podem ter contribuído para a prisão", constatou.
Os arquivos também revelam, segundo ele, que os seguranças privados da empresa estavam presentes ainda quando as forças de segurança do estado fizeram detenções em locais da multinacional. Além disso, o pesquisador constata que a empresa autorizou que detenções fossem realizadas dentro da fábrica. "Eles autorizaram as prisões", disse.
Para o historiador, existem "indícios claros" de que a cúpula da empresa sabia da atuação de seus agentes de segurança. "Em 1972, por exemplo, quando se sabia que o DOPs torturava quem chegava la, os informes dos seguranças privados da empresa que eram enviados às forças eram também enviados em cópia à direção de Recursos Humanos da empresa", disse. "Os mesmos informes que iam para o DOPs iam também para a direção. Isso é um sinal de que havia um tácito apoio dos executivos", insistiu.
Demissões Mas não foram apenas aqueles torturados que sofreram por conta da política da empresa. De acordo com Kopper, listas circulavam pelo ABC no início dos anos 80 com o nome de funcionários que tinham sido demitidos por terem feito parte de greves em alguma das empresas da região. "Eram espécies de listas negras e quem estava ali dificilmente encontrava emprego", disse.
A Volks, segundo ele, ainda demitiu funcionários que tinha sido detidos, mesmo por algumas horas. As demissões ocorriam sem que os motivos fossem esclarecidos.
De acordo com Kopper, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também aparece nos informes. Entre 1979 e 1980, documentos da Volkswagen enviados ao regime militar falava sobre os discursos de Lula como sindicalista na porta da fábrica da multinacional. "Muitos daqueles que faziam parte do movimento sindicalista trabalhavam na empresa e seguiam a liderança de Lula", contou. "Eventos como esses, portanto, eram relatados ao DOPs pela e citavam Lula", disse.
Medidas O historiador estima que entre sete e dez trabalhadores foram detidos, julgados e sentenciados pelo regime militar graças à cooperação direta da Volkswagen. Mas mais de cem outros ainda perderam seus empregos e foram prejudicados pela empresa por terem feito parte de manifestações e greves. "O número de pessoas afetada é alto", disse.
Sua recomendação é de que a empresa lide com esse passado e que não enterre apenas o caso nos arquivos. A sugestão do historiador é de que um acordo financeiro seja estabelecido entre a empresa e aqueles que ainda estão vivos para compensá-los pelos prejuízos que sofreram na década de 70 e 80. "Acordos precisam ser estabelecidos", propôs.
No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade já havia apontado para o envolvimento da Volkswagen na doação de 200 veículos aos militares que seriam, posteriormente, usados pelos serviços policiais de repressão. Alguns de seus galpões ainda seriam cedidos aos militares e usados como locais de tortura.
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