‘Vou pensar duas vezes se faria de novo’, diz bolsonarista preso com mulher, filho e nora

Metalúrgico catarinense foi detido no dia 9 de janeiro junto com mulher, filho e nora; eles foram liberados nesta quarta-feira com tornozeleira eletrônica; outro homem solto hoje vai colocar uma capinha do Brasil para encobrir o equipamento

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Foto do author Tácio Lorran
Atualização:

BRASÍLIA - Passaram-se 53 dias desde que o metalúrgico de Santa Catarina chegou em Brasília com familiares para participar do movimento golpista do dia 8 de janeiro. O ato acabou em depredação da Praça dos Três Poderes e levou o catarinense de 52 anos, a mulher, o filho e uma nora para cadeia. Nesta quarta-feira, a família ganhou tornozeleiras eletrônicas e deu sinais de algum arrependimento. Foram soltos por conta de decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que concedeu alvará a 170 pessoas acusadas de participar de ações extremistas em Brasília.

“Hoje, eu vou pensar duas vezes se eu faria isso de novo”, diz o homem, que só aceitou falar com o Estadão se não tivesse o nome identificado. Além da família golpista catarinense, cerca de 60 pessoas foram liberadas nesta quarta sob condição de usar a tornozeleira, ficar fora das redes sociais nem portar armas de fogo. A maioria evitou falar sobre o mês no cárcere.

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro presos por atos golpistas foram após receber tornozeleira eletrônica  Foto: Wilton Junior / Estadão

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O metalúrgico se apresentou como inocente. Alegou que no 8 de janeiro ficou sentado com os parentes no gramado em frente ao Congresso enquanto o prédio era invadido e depredado. Da destruição do plenário do STF nada viu. Ele e a família foram presos no dia seguinte aos atos golpistas. Estavam acampados no QG do Exército. O ato na Esplanada, contudo, tinha uma convocação clara: tomar a sede dos Três Poderes. Ou, como resumiu uma bolsonarista: “colapsar o sistema”. E assim foi feito naquela dia.

Para o catarinense, a prisão não é um lugar feito para gente como ele. A comida ruim e até com aspecto de estragada, contou, é “coisa para bandido”. O metalúrgico diz que passou por situações constrangedoras. “Somos todos pais de famílias, que nunca tiveram uma ocorrência. Naquele momento em que você é despido, ali o meu mundo caiu”, relata o denunciado. “Eu achava que tinha um preparo psicológico, mas não aguentei. Pedi atendimento psicológico, lá. Chorar, meu filho, é fichinha. É desespero mesmo. Não tem quem não chore lá dentro. Não vi um pai de família que não chorou”.

Extremistas solto usando tornozeleira eletrônica a abraçado por policial penal Foto: Wilton Junior / Estadão

Ele calcula ter perdido uns seis quilos no período em que esteve preso. “Alguns dias vinha comida azeda. Era basicamente feijão, arroz e carne de soja. Às vezes vinha um frango, uma carne de porco ou uma linguiça. A linguiça era horrível, não dava para comer de tanta pimenta que vinha”.

O planejamento do golpe foi feito nas portas de quarteis por todo o País. Os “pais de família e idosos” passaram meses morando na rua na tentativa de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se contestou o tratamento recebido na prisão, não pode reclamar da recepção que recebeu após sair do Centro Integrado de Monitoração Eletrônica (Cime), em Brasília, o último local onde os denunciados passam antes de deixar a prisão. Após ter sido instalada a tornozeleira eletrônica, foi recebido na tarde desta quarta-feira por um grupo de bolsonaristas e advogados que têm acompanhado a soltura dos suspeitos. Na terça-feira, 48 foram soltos. Nesta quarta, mais cerca de 60. A demora na liberação de quem já tem alvará de soltura expedido é por conta do processo de registro e ativação na tornozeleira: dura uma hora para cada preso.

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Com a saída dos extremistas que já foram denunciados pelo Ministério Público, o grupo de recepção oferece banana, uva, maçã, água, café e refrigerante, além de biscoitos e doces. Já a marmita é composta por arroz, carne, salada, farofa e macarrão. Perguntam o nome, dão abraços, gritam e aplaudem de felicidade e se ajoelham em oração. “Aqui vocês vão ser tratados da devida maneira”, disse uma mulher ao receber um dos denunciados. Também são oferecidos serviços advocatícios para os bolsonaristas e pagamento de passagens para outros estados. “Tiro do meu próprio bolso”, alegou uma dessas pessoas que disse ao Estadão que paga as passagens.

Muitos dos presos choram ao rever familiares e ganhar abraços. “Pode chorar”, disse uma mulher. Apesar do tratamento, o mesmo grupo hostilizou profissionais da imprensa momentos antes. A equipe do Estadão estava no local e foi chamada pelos extremistas de “traste”, “lixo”, “covarde” e “cambada de mentiroso”, além de dizer que o jornalismo se trata de uma “profissão do diabo”. Eles também tentaram impedir o trabalho dos profissionais ao entrar na frente das câmeras que registravam a chegada dos presos no Centro Integrado onde receberiam as tornozeleiras antes da soltura.

Presbítero da Igreja Assembleia de Deus, outro catarinense de 30 anos também foi solto nesta quarta-feira. Ele chorou ao rever a sogra. A esposa dele, que também foi presa pelos atos golpistas, só deve ser liberada, contudo, nesta quinta, 2. Os familiares já planejaram até mesmo uma capinha para a tornozeleira eletrônica do casal, com bandeiras do Brasil e símbolos patriotas. O religioso relembra o que indica ter sido o pior momento da sua vida. “A gente parecia bandido lá dentro”, conta ele. “Eu cheguei a passar mal. Me deu um negócio na perna, minha vista ficou escura. Comecei a chorar lembrando da minha esposa, da minha família. Depois voltei, eles falaram que ia me levar para enfermaria, mas não me levaram até hoje”, acrescenta.

Ao menos três ônibus estacionaram ao longo de hoje no local para deixar os bolsonaristas que estavam presos. O primeiro veículo chegou por volta de 9h20. O procedimento dura cerca de uma hora até que eles sejam definitivamente liberados. Homens e mulheres estavam majoritariamente vestidos com camiseta branca – é a veste que ganham ao chegar na Papuda, em caso de sexo masculino, ou na Colméia, para sexo feminino. Alguns deles, contudo, vestiam trajes verde-amarelo. O primeiro a ser posto em liberdade nesta quarta-feira era um deles. O homem foi recepcionado por uma mulher que, minutos antes, disse para o repórter fotográfico do Estadão “parar de registrar a desgraça dos outros”. O bolsonarista foi abraçado por um policial penal e, em seguida, saiu com a bandeira do Brasil sobre o rosto, para que não fosse identificado.

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