Mesmo no governo, populistas nunca saem do palanque (ou do cercadinho). Lula até aqui não se desviou do método que consagrou.
Ocorre que, entre os palanques de 20 anos atrás e o atual, Lula passou 580 dias na prisão. Período especialmente amargo para alguém, como ele, que se julga vítima de uma gigantesca injustiça.
Relatos de pessoas que tiveram com o presidente algum tipo de convivência política e institucional nas últimas décadas e com ele interagem agora convergem num ponto: Lula alimenta (compreensíveis) ressentimentos. Tornou-se emocionalmente mais suscetível a mudanças acentuadas de humor, e chora em público com frequência inédita para os próprios padrões.
Sua confiança está confinada hoje a restrito grupo de pessoas que o acompanhou de perto no período do cárcere. O número é pequeno e inclui, acima de todos, a própria mulher, dois advogados, um ex-carcereiro e uma exígua facção da velhíssima guarda do PT – que ele fez questão de homenagear em público na festa de 43 anos do partido.
Lula dá a sensação de marchar com velhos companheiros em direção a um passado idealizado na cabeça dele. “Radicalizou” é palavra empregada com certa frequência por pessoas de fora desses círculos que tiveram de tratar recentemente de negócios de governo com o presidente.
Sobretudo em matéria de economia Lula tem discursado em favor de políticas que dificilmente conseguiria implementar dadas as atuais correlações de forças, desfavoráveis a ele se comparadas às de 20 anos atrás. Essa postura sugere irrealismo.
Em escala bem mais acentuada esse irrealismo se expressa na política externa, na qual Lula propôs ao presidente dos EUA um “clube da paz” numa nova ordem mundial na qual o Brasil faria parte de “fortalecido” Conselho de Segurança da ONU capaz de “governar” a comunidade internacional. Uma pretensão que veteranos diplomatas que trabalharam com Lula qualificam de “megalomania”.
O Lula 3 é um presidente que demonstra beligerância e, convencido de saber como a economia funciona, inventou com o BC uma queda de braço que, mesmo vencendo, acaba perdendo. “Não é a mesma pessoa”, diz um de seus ex-ministros, com quem manteve interlocução recente por conta da crise com as Forças Armadas.
Há sensível diferença entre o Lula “frente ampla” da campanha e o Lula recente do “ganhei o mandato, faço o que quero”. Provavelmente os traumáticos eventos golpistas de 8 de janeiro acentuaram essa tendência. O problema com irrealismo é que ele destrói qualquer palanque.
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