Ao indicar um amigo pessoal e defensor para o STF, o presidente Lula reconhece um fato. O de que o Supremo se tornou uma instância política exercendo forte interferência política.
Claro que a indicação desagradou aos que defendem princípios como o da impessoalidade, ou cobram coerência entre o que candidatos dizem antes de uma eleição e o que praticam depois (Lula disse na campanha que era um atraso nomear amigos para o STF).
Defender princípios na política brasileira é uma questão de oportunidade, e os princípios podem variar também por conveniência política, da qual nem o Supremo escapa em meio às ondas contraditórias na incessante tempestade política. Basta lembrar episódios como a prisão em segunda instância.
Essa constante turbulência foi recentemente descrita aqui pelo sociólogo Bolívar Lamounier como a falência completa da política – aliás, um argumento-padrão de integrantes do Supremo para explicar como, ao longo da linha do tempo, o Judiciário foi se tornando uma instância que interfere no Executivo e no Legislativo.
Talvez essa constatação (a da mediocridade política numa sociedade desordeira sem valores coletivos) ajude a entender o fenômeno da “tutelagem” que grupos organizados dentro de instituições mais ou menos coesas tentam estabelecer sobre a própria política. A Lava Jato foi um desses fenômenos: seus expoentes, hoje amplamente derrotados, viam a sociedade brasileira como hipossuficiente, portanto necessitando a proteção dos “homens de preto”.
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A espécie de “tutela” do STF sobre a política é exercida de forma ampliada pelo TSE. Em parte é uma reação ao descarado ataque às instituições pelo bolsonarismo, mas ganhou um impulso (aplaudido pelo atual governo) que alcança as esferas da liberdade de expressão e eventuais restrições.
Mas em parte é, sim, a inevitável ocupação do espaço político deixado aberto pelo atual governo, que parece enxergar no STF uma espécie de aliado tácito em agendas que não conseguiria emplacar no Congresso (o marco temporal é apenas o mais recente). O entendimento “informal”, aliás, com alguns integrantes do Supremo é fator amplamente notado em Brasília, para o qual a indicação do amigo do presidente é óbvio reforço.
O problema para Lula (ou qualquer outro no lugar dele) está no fato de que o Judiciário é uma instituição com forte empenho em proteger a si mesma (o que inclui prerrogativas e privilégios) e não necessariamente o governo da vez. Mas não há dúvida de que o presidente agiu apenas dentro da “normalidade” da política brasileira.
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