O homem parece um pouco mais cansado, mas o velho espírito de acomodação do presidente Lula continua o mesmo. Apesar de muito mais exigido e já de início do terceiro mandato confrontado com a escassa paciência de imensa parte do público em aguardar resultados.
“Quando é que eles saem de lá?”, esbravejou Lula em seu novo/velho gabinete no Planalto ao saber que, passadas 48 horas de início de seu governo, acampamentos de bolsonaristas perduravam em áreas militares diante de quartéis do Exército.
Foi necessário acomodar o “espírito de pacificação” de seu ministro da Defesa, que qualificou os protestos nos quartéis de democráticos (e achou melhor esperar que eles acabem sozinhos), com o espírito de punição do ministro da Justiça.
Além de influentes vozes da advocacia no entorno do presidente, que já queriam a cabeça do recém-empossado ministro da Defesa. Tido como excessivamente pacificador, tinha conversado com Bolsonaro sobre a nomeação dos comandantes militares do governo Lula.
Esse é um episódio menor se comparado à dificuldade de acalmar o nervosismo de agentes econômicos diante dos fatos da realidade política. É óbvio ululante que Lula desautorizou seu ministro da Fazenda na questão da desoneração dos combustíveis, embora tivesse tentado uma acomodação: prorroga a desoneração por 60 dias para a gasolina, mantém por um ano para o diesel.
O critério político que prevaleceu para a tomada desse tipo de decisão é o mesmo desde sempre. Trata-se de fazer o que for preciso para proteger popularidade no curtíssimo prazo, e aguardar o desenrolar dos fatos para ver como se fará para a próxima acomodação. Ocorre que o tempo assim comprado é preocupantemente pequeno, e cada vez maior o desafio de acomodar.
Na questão da desoneração (temporária?) da gasolina, Lula precisa se acomodar com a ministra do Meio Ambiente, para a qual renúncias fiscais em favor de combustíveis fósseis são contradição insuportável com pautas verdes. Como a guerra da Ucrânia está obrigando também governos europeus a protelar a transição energética, talvez Marina Silva aceite sem grandes percalços a acomodação.
O governo está prometendo para breve como vai acomodar a necessidade de aumentar gastos sociais com a necessidade de controlar gastos públicos. Promete em breve a reforma tributária, até aqui não lograda devido basicamente ao fracasso político de sucessivos governos em conseguir equilibrar a complexidade de interesses antagônicos envolvidos na questão.
Já que para Lula é disso que se trata, haja capacidade de acomodação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.