Pesa sobre a segunda metade do atual mandato de Lula a definição de estratégia (repetida várias vezes aqui) fornecida por Mike Tyson. ”Todo mundo tem um plano até levar um soco na boca”, disse quem sabia nocautear mas também foi nocauteado.
Ou seja, o sucesso de qualquer planejamento é a capacidade de adaptação a circunstâncias em mudança. Lula não entendeu (repetido várias vezes aqui) como mudaram as condições políticas e econômicas desde seu primeiro mandato, e insiste no mesmo plano.
Exibe a mesma dificuldade para entender a rapidez com que dois conjuntos de circunstâncias estão se alterando. Um deles é externo, sobre o qual nunca teve qualquer controle. O segundo é doméstico, e também ameaça escapar do controle.
Lá fora o cenário geopolítico é de enorme imprevisibilidade e já era difícil mesmo sem as incertezas personificadas em Trump. Que já se consolidam em juros e inflação mais altas nos Estados Unidos, o que é sempre ruim para o Brasil — especialmente quando fica vulnerável a aversão internacional ao risco (o que explica boa parte da má performance do real).
Seria possível ao Brasil fazer frente a esse cenário externo menos favorável se efetuasse a “lição de casa” que o próprio Lula impede. Ele mesmo acentuou (repetido várias vezes aqui) os elementos de uma armadilha fiscal que tornou virtualmente impossível o equilíbrio das contas públicas.
O resultado disso foi resumido em um número cruel mencionado por último por Kenneth Rogoff, ex-economista chefe do FMI e atualmente lecionando em Harvard. “O Brasil está com um déficit fiscal de 10% do PIB, não é possível afastar especuladores fazendo isso”, afirmou, em entrevista a este jornal. Só países em guerra exibem déficits dessa magnitude.
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O que impede Lula de entender o efeito cumulativo dessas mudanças de circunstâncias e a grave ameaça embutida para seu próprio projeto político de levar as próximas eleições? De um lado é a óbvia cegueira ideológica, que o prende a postulados superados historicamente. De outro parece ser a solidão trazida pelo envelhecimento, perda do Estado Maior de melhor qualidade de antigamente e o fato de ouvir apenas a própria voz.
Essa falta de foco nos dados da realidade que realmente pesam promete ser agravada pela distração trazida por acontecimentos políticos já previstos. Um deles é o agravamento das tensões entre os Poderes por questões não só orçamentárias, para as quais Lula nunca teve compreensão nem respostas.
O outro é a denuncia e julgamento de Jair Bolsonaro e as esperadas turbulências políticas. Um tipo de situação da qual Lula já soube extrair vantagens táticas e imediatas e da qual parece hoje apenas um refém.
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