EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Uma avaliação dos nossos riscos

Opinião | Operação Lava Jato foi declarada morta e enterrada, mas seu fenômeno político persiste

Combustível é o descontentamento de vastas camadas da sociedade frente a um sistema predatório para o empreendedor, injusto para o contribuinte e perverso para quem depende de serviços públicos

PUBLICIDADE

Foto do author William Waack
Atualização:

O sepultamento jurídico da Lava Jato foi consumado bem antes da operação completar agora seus 10 anos. O enterro político tem se revelado mais difícil.

No lado jurídico, a derrota da Lava Jato apresenta aspectos específicos do campo do Direito, resumidos na frase: “não se deve cometer crimes para combater crimes”. Mas envolve uma monumental disputa entre poderes institucionais: qual deles exerceria uma “tutela” sobre sociedade e política.

STF se sentiu acuado e atacado pela Lava Jato e pelo Ministério Público Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

PUBLICIDADE

Como supremo poder, o STF se sentiu acuado e atacado pela Lava Jato e o Ministério Público (e nem se trata dos rumores em torno de uma “Lava Toga”). Afinal, quem “faz história” e protege uma sociedade hipossuficiente, a que não é capaz de se defender sozinha?

Em parte é a esse entendimento que o STF chegou quanto ao seu papel mais geral. Por ironia, era também o entendimento dos expoentes da Lava Jato quanto ao seu papel específico frente ao sistema político. Entregue a si mesma – acreditava-se e acredita-se – a política só produziria mais danos à sociedade, daí o controle a ser exercido pelos “homens de preto”.

Nesse sentido, é “game over”, pois tem sido o STF essa espécie de “regulador” da política além do que possa ser um preceito constitucional. Ocorre que a Lava Jato é um fenômeno político e social de grande amplitude, no qual a indignação pela corrupção endêmica é só o aspecto mais visível.

Publicidade

Na busca de Lula e de seu partido para reescrever passado está implícita a indicação de que não é possível apagar a Lava Jato da memória das pessoas Foto: Wilton Junior/Estadão

A força do fenômeno reside no descontentamento de vastas camadas da sociedade frente “ao que está aí”, entendido como um sistema a partir do poder público que é predatório do ponto de vista do empreendedor, injusto do ponto de vista do contribuinte, e perverso do ponto de vista de quem precisa de saúde e segurança (pois gasta demais e entrega de menos).

No empenho de Lula e do PT em reescrever o passado está implícita a noção de que não é possível apagar a Lava Jato da memória coletiva (como não é possível apagar a pandemia, por exemplo). Daí o esforço de empurrar goela abaixo, com forte contribuição também do STF, a interpretação de que foi uma ocorrência maléfica, não só do ponto de vista jurídico mas para economia e política brasileiras.

O problema é o choque brutal entre a proposta de ação política de reescrever o passado e a realidade. Para enorme parte da população, a Lava Jato (com ou sem erros) continua simbolizando um esforço para mudar “o que está aí”, além de combater corrupção, enquanto as instâncias jurídicas e políticas permanecem fixas no plano desse imaginário político como pilares para deixar tudo como sempre foi.

É possível enterrar um morto, mas difícil se livrar da assombração.

Opinião por William Waack

Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.