As chances de Jair Bolsonaro ser o condutor dos fatos políticos ficou para trás e ele começa a segunda metade de seu mandato claramente à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle. O sentido da expressão é o seguinte: ser capaz de ditar ou, pelo menos, conseguir encaminhar uma agenda política com rumo e direção claros – além da necessidade de proteger a si mesmo e sua família dos conhecidos enroscos com a Justiça e conseguir se reeleger.
Estar “à mercê de fatores sobre os quais tem pouco controle” significa que, para onde olhe, Bolsonaro está preso a uma intrincada teia que o mantém manietado. Os aspectos mais evidentes envolvem o Legislativo e o Judiciário. No Congresso, ao contrário das aparências, não é Bolsonaro que tem o controle do amorfo grupo de partidos chamado de “centrão”. É essa gelatinosa maioria que o carrega – e se sente totalmente à vontade por não ter de seguir ordens emanadas do Executivo.
O Judiciário, especialmente o STF, em dois anos impôs derrotas sucessivas ao presidente, encurtou seu poder, limitou seus arroubos, e o mantém refém de inquéritos e processos. Pode-se gostar ou não do que fazem os juízes do Supremo, mas nunca se viu um chefe do Executivo tão desmoralizado por decisões de mérito ou liminares que, na prática, o mantém emparedado em estreitos limites. Usando linguagem popular, o STF é o sócio majoritário do poder do atual presidente.
Há exatamente um ano, passados 12 meses no Planalto, Bolsonaro tinha ensaiado a apresentação de “eixos estratégicos” de seu governo. Reconhecia a questão fiscal como prioritária e, pelo lado das despesas, propunha atacar o crescimento dos gastos públicos através de uma reforma administrativa que enfrentasse o corporativismo das folhas de pagamento do funcionalismo. De outro, propunha destravar a economia e melhorar substancialmente o ambiente de negócios (reduzindo o famoso custo Brasil) via reforma tributária, reforma do Estado em geral, desburocratização, desregulação e privatizações.
A tripla crise política, econômica e de saúde pública, agravada pela falta de visão e liderança dele mesmo, reduziu esses “eixos estratégicos” a uma luta pela sobrevivência política e pessoal, não importando o custo. As recentes eleições municipais não podem ser tomadas como retrato do “caráter nacional” da política, mas expuseram o derretimento da figura do mito, incapaz de transmitir sequer fração dos votos com que tinha impulsionado as mais diversas candidaturas nas eleições de 2018.
Em termos da capacidade de influenciar a recuperação da economia, da qual em último aspecto dependem diretamente as chances de reeleição, Bolsonaro está hoje em situação muito mais precária do que há um ano. Vacina, juros baixos e inflação até aqui razoavelmente comportada funcionam como analgésicos que retiram da esfera política o sentido de urgência e gravidade da questão fiscal – aquela que, no fundo, é a que condiciona toda a política brasileira (desde sempre entendida como o empenho em acomodar interesses setoriais às custas dos cofres públicos).
A desorganização e a falta de coordenação e de rumos, as principais características do atual governo, são ao mesmo tempo causa e consequência de um fenômeno que os sociólogos da velha guarda definiam como anomia social – na sua acepção mais severa, a expressão descreve a ausência de regras que orientem uma sociedade, ou o relacionamento entre suas diversas instituições. Bom exemplo é o comportamento de governadores e prefeitos diante da falta de coordenação federal no caso da vacinação da população: cada um tratou de defender o seu o mais rápido possível, atendendo a uma pressão que Bolsonaro não foi capaz de entender. Na prática, está entregando as coisas a si mesmas, uma perigosa aposta contra o imponderável.*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN
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