Sem dúvida é histórica a data na qual Donald Trump anunciou um tarifaço. Ela marca no calendário o fim de uma era, e não apenas de políticas comerciais. Mas é enganador o alívio sentido em Brasília pelo fato do País ter sido contemplado com “apenas” 10% a mais de tarifas.
Pois em vez de tentar corrigir distorções do sistema multilateral de comércio do qual muitos se aproveitaram – a China é o melhor exemplo – Trump decidiu explodir o sistema. Que nunca existiu sozinho. Nas grandes alianças das quais os EUA fizeram parte (ou lideraram) nos últimos oitenta anos, comércio formava o terceiro pilar junto de inteligência e defesa.

Trump demoliu os três, abrindo caminho no seu lugar para a Lei da Selva – aquela na qual leva vantagem quem é mais forte e tem mais força bruta. Como o Brasil é uma potência regional média com escassa capacidade de projeção de poder, e responsável por irrisórios 1,5% de todo o comércio mundial, o mundo com um mínimo de regras seria mais favorável.
Mas esse mundo acabou. A destruição da antiga ordem traz sem dúvidas oportunidades comerciais para o Brasil, especialmente nos setores exportadores da agroindústria (leia-se possível aumento da demanda chinesa). Talvez também para exportadores de sapatos. E espera-se mais investimento direto chinês em setores além de infraestrutura.
Ocorre que essa monumental disrupção expõe sobretudo vulnerabilidades brasileiras. A principal delas é nossa conhecida pouca capacidade de competição internacional fora do campo das commodities em geral e agrícolas em particular. E a nossa profunda dependência de insumos sofisticados, não só de defesa – espalhou-se um arrepio de horror pelos setores privados quando se falou no governo brasileiro na possibilidade de retaliar o tarifaço de Trump atacando os EUA no campo da propriedade intelectual.
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Não será fácil para o Brasil e o resto do mundo lidar nessas delicadas circunstâncias com um país “cuja alma está doente”, na excelente definição dada pelo professor Mark Lilla em recente entrevista a este jornal. Na cerimônia “histórica” do anúncio do tarifaço, Trump fez um discurso de perdedor, descrevendo um tipo de economia (e de emprego) que não existe mais e prometendo, como todo populista rasteiro, dias de glória logo ali na esquina.
Muito dependerá de como Washington responderá ao óbvio: a “doença americana” explicitada em Trump abre extraordinárias possibilidades para a China. Cuja presença na América do Sul (além do Canal do Panamá) é abertamente descrita pelo atual governo americano como parte de seus problemas de segurança nacional.
O 2 de abril marca o fim do século americano, provavelmente o início do século chinês. Como fica o Brasil?