O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), evita defender explicitamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) da acusação de ter participado de uma trama golpista após ser derrotado na eleição de 2022. Zema, que apoiou Bolsonaro no pleito, diz, em entrevista ao Estadão, que o ex-presidente deve ter amplo direito de defesa com condução da Justiça de forma imparcial, mas afirma que não se inteirou dos detalhes do relatório da Polícia Federal por falta de tempo.
“Eu não tive acesso aos dados e é muito difícil estar avaliando tanto o caso dele quanto o do general (Braga Netto, preso no dia 14). Até quem é advogado, leu tudo, tem opiniões divergentes. Para quem, como eu, não é advogado e está longe, é extremamente difícil opinar”, declarou Zema. “Estou aqui defendendo a democracia e espero que haja uma condução imparcial e que isso não seja nenhuma ação tendendo a retaliar alguém que é posição”, acrescentou.
O governador mineiro, que deseja ser candidato a presidente em 2026, disse ainda que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “parece não entender o básico do básico do básico do básico de economia”. Para Zema, também há debate demais e medidas de menos para aprimorar a legislação sobre segurança pública no Brasil — o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, discute com os mandatários estaduais uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que ampliar a atuação do governo federal na área.
O ministro disse no início do mês que também estuda elaborar uma norma para regulamentar o uso da força policial no País e definir diretrizes para o uso progressivo da força para evitar abusos dos policiais. Para Zema, porém, em vez de discutir se a União deve ter mais protagonismo, é preciso começar “pelo básico”, como dar condições para a polícia fazer abordagens “da maneira adequada”.
“Hoje, se você faz uma abordagem a uma pessoa negra, você é racista. Se você faz uma abordagem a alguém que é mais obeso, você é gordofóbico. E isso tira totalmente a iniciativa da polícia de estar abordando as pessoas, fazendo conferência”, disse Zema.
Veja os principais trechos da entrevista:
Qual avaliação o senhor faz do governo Lula, que completa dois anos em um momento de preocupação do mercado com a situação fiscal do País?
Nós estamos aí com uma bomba relógio armada devido a essa dificuldade do governo em adotar medidas efetivas de contenção de gastos. E, se isso não acontecer, o mercado já está sinalizando claramente um aumento enorme na taxa de juros, a inflação vai vir também com essa disparada do dólar. É um cenário sombrio e um governo que está, de certa maneira, inerte. Ele quer impor austeridade aos outros, não a ele próprio.
Aqui em Minas se alguém adotou medidas de austeridade, começou por mim. Eu acho que estão faltando bons exemplos. Esse negócio “economize você e eu estou aqui na farra gastando” é algo que não cola e é o que está acontecendo.
E nós vamos ter uma repetição, está muito semelhante ao que aconteceu há cerca de 10 anos, quando tivemos dois anos terríveis, que foram 2015 e 2016, com mais de 3 milhões de desempregados e uma recessão. Infelizmente, o Brasil está caminhando nesse sentido por falta de ação efetiva desse governo. Quem tem 39, 40 ministérios, na minha opinião, é um governo que não tem nenhuma autoridade e legitimidade para estar pedindo austeridade e corte. Se você quer cortar, dê o exemplo.
Vamos ter uma repetição, está muito semelhante ao que aconteceu há cerca de 10 anos, quando tivemos dois anos terríveis, que foram 2015 e 2016, com mais de 3 milhões de desempregados e uma recessão”
Romeu Zema
A questão da segurança pública vai na mesma linha. Me chamaram lá 60 dias atrás para debater ações na segurança pública. Quem quer melhorar a segurança pública, age. Em março, eu e os governadores do Cosud levamos as nossas propostas, que são coisas simples e básicas, como você prender automaticamente qualquer detento que tenha liberdade condicional e rompeu a tornozeleira eletrônica. Hoje, precisa de um mandato de prisão, que, às vezes, leva meses.
Queremos também mudar a questão de quem é detido e é a quarta, quinta vez, a décima, a vigésima, que ele está cometendo o mesmo delito e é solto. Queremos que essas pessoas continuem detidas.
Quem não faz o básico, vai fazer o sofisticado? É um governo que parece que está perdido, acéfalo, totalmente sem saber o que fazer. Mais ainda no campo econômico do que em outros. E na segurança, idem. E causa uma instabilidade enorme, uma falta de credibilidade e fica procurando culpado.
Em vez de olhar para dentro, fica culpando o mercado. Nós sabemos que mercado não existe. Não existe o presidente do mercado, o secretário do mercado. O mercado é a população, são os agentes econômicos que, quando vêm esse tipo de desgoverno, ficam totalmente receosos e precificam isso no dólar e na taxa de juros.
É um governo que parece que ainda não entende o básico do básico do básico do básico de economia.
O senhor mencionou a reunião com o ministro Lewandowski, quando ele apresentou a PEC da Segurança. Como recebeu essa medida e como está a relação do governo de Minas com o governo federal?
Nós temos uma relação respeitosa, apesar de eu concordar pouquíssimo com o que fazem lá. É um governo que fica debatendo. E debater não enche o prato de ninguém. Debater não resolve o problema de ninguém. Nós precisamos de ações.
Nós, governadores do Sul e do Sudeste, inclusive somos os Estados mais seguros do Brasil. Temos alguma coisa para poder mostrar, a começar pelas menores taxas de criminalidade do Brasil. Agora, me parece que eles não estão querendo resolver. Eles estão querendo debater.
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Igual eu disse, se não faz o básico, se não faz aquilo que é o fundamento, não vai ser o elaborado que vai fazer. Nós temos que começar pelo básico, colocar atrás das grades aquele que está roubando o vigésimo celular e não ficar discutindo [se] o governo federal vai centralizar isso ou aquilo.
Você pode ter o melhor sistema do mundo, os melhores equipamentos do mundo. Se quem rouba celular 20 vezes continuar na rua, nós vamos continuar tendo problema.
Se você não deixar a polícia fazer abordagem de maneira adequada, que foi outro ponto que nós colocamos. Hoje se você faz uma abordagem a uma pessoa negra, você é racista. Se você faz uma abordagem a alguém que é mais obeso, você é gordofóbico. E isso tira totalmente a iniciativa da polícia de estar abordando as pessoas, fazendo conferência. Eles estão ali para poder fazer o trabalho deles.
Hoje se você faz uma abordagem a uma pessoa negra, você é racista. Se você faz uma abordagem a alguém que é mais obeso, você é gordofóbico. E isso tira totalmente a iniciativa da polícia de estar abordando as pessoas.
Romeu Zema
Nós temos de dar condição das nossas polícias trabalharem adequadamente e com segurança jurídica. Porque da forma que está, parece que o policial, daqui a pouco, ele vai falar ‘eu não vou nem sair de casa, porque se eu sair fardado, eu estou aqui amedrontando alguém’. Parece que nós estamos caminhando para esse ponto.
O que o governo federal disse sobre essas propostas dos governadores?
Não tivemos nenhuma resposta. Foi no dia 26 de março, nós, governadores do Sul e do Sudeste, estivemos com o ministro Lewandowski e entregamos também essas propostas ao presidente da Câmara dos Deputados e também ao presidente do Senado. Tivemos uma reunião com os três, mas não tivemos respostas.
Queria falar um pouco agora do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ao contrário de outros governadores de direita, o senhor não se manifestou sobre o indiciamento dele pela Polícia Federal. Por quê?
Eu quero salientar que eu sou um total defensor da democracia. E na democracia você precisa ter dois pontos que eu considero fundamentais. Primeiro, amplo direito de defesa e também uma apuração isenta dos fatos, uma investigação imparcial. E não tenho acesso aos dados, inclusive por falta de tempo não entrei em detalhes, mas espero que quem valoriza tanto a democracia fique atento para esses dois pontos aí. Se for conduzido dessa maneira, acho que tudo será devidamente esclarecido.
O senhor acha que a investigação reuniu provas suficientes para Bolsonaro ser preso?
É muito difícil estar avaliando tanto o caso dele quanto o do general. Até quem é advogado, leu tudo, tem opiniões divergentes. Para quem não é advogado, como eu, e está longe, é extremamente difícil opinar. Mas, como eu te disse, estou aqui defendendo a democracia e espero que haja uma condução imparcial e espero também que os problemas reais do povo brasileiro sejam atacados. Que isso não seja nenhuma ação tendendo a retaliar alguém que é oposição.
O senhor será candidato a presidente em 2026?
Eu estou concluindo aqui esse meu segundo mandato, oito anos à frente de Minas. Vou entregar aqui para o meu sucessor um Estado totalmente diferente daquele que eu assumi. Recebi aqui um cemitério de obras inacabadas, depredadas, e vou entregar para o meu sucessor aqui um canteiro de obras com os recursos já reservados, definidos, para poder concluí-las. Uma mudança total.
E quero contribuir com o Brasil. Se tiver apoio, se for feita uma construção, serei, sim, candidato. O que eu quero é ajudar o Brasil. Eu, pessoalmente, não tenho nenhum plano pessoal de poder.
Quem acompanha a minha trajetória sabe que lá em 2018 eu estava querendo contribuir com o Estado. Fui um governador que atuou exatamente nessa linha, mas eu vou estar trabalhando muito em 2026: para fazer o meu sucessor aqui, que eu espero que seja o meu vice-governador, Professor Mateus, [e] para ser o candidato [a presidente], se tiver apoio, se for definido como o melhor nome.
E se não for, vou estar trabalhando da mesma forma, nem que seja para estar varrendo a sujeira que tem em Brasília, que não falta. Acho que a cada mês que passa, mais sujeira está se acumulando em Brasília.
Se essa articulação para presidente não avançar, o senhor considera a possibilidade de ser candidato a vice-presidente ou até ao Senado?
Tudo está muito longe. O meu perfil na minha vida toda foi de executar. Eu sempre adotei essa linha. Nunca fui candidato a nada antes. E menos ainda eu acho que seria candidato a vereador, deputado ou senador. Eu não tenho esse perfil. Eu gosto de pôr a mão na massa para resolver as coisas. E tem gente que gosta de debater. Não faz parte do meu perfil. Eu acredito mais em ação do que em falação. Parece que no Brasil nós viramos o país da falação.
O meu perfil na minha vida toda foi de executar. Eu sempre adotei essa linha. Nunca fui candidato a nada antes. E menos ainda eu acho que seria candidato a vereador, deputado ou senador.
Romeu Zema
O senhor citou o Mateus Simões como seu sucessor, mas o deputado Nikolas Ferreira e o senador Cleitinho já deram declarações que um deles também sairá candidato. O senhor não teme uma divisão da direita?
Nós tivemos uma situação muito semelhante a essa em 2022. Eu fui candidato à reeleição e o Bolsonaro e os partidos que o apoiavam lançaram aqui o senador Carlos Viana. Então é algo que pode acontecer, sim. Encaro isso com extrema naturalidade e tenho certeza que o mineiro vai estar fazendo a escolha que ele achar melhor.
E como está a relação do senhor com o Bolsonaro? O senhor acha que ele continuará inelegível até 2026?
Espero que a Justiça seja imparcial. Não conheço também os detalhes, mas o meu relacionamento com ele é bom. Já tem até alguns meses que não nos encontramos, mas respeito o ex-presidente e espero que a questão dele seja tratada da melhor forma e com o maior critério de justiça. São os juristas que precisam decidir, não eu que não conheço detalhes.
O jornal Estado de Minas publicou recentemente que Mateus Simões está acertando a filiação ao PSD. Há essa possibilidade?
Eu acho que o que aconteceu foi alguma desinformação. Eu estive com ele pessoalmente e não houve nada por parte dele nesse sentido. Então, acho que alguém criou essa notícia e acabaram publicando algo que, de fato, não aconteceu.
Desde 2019, quando o senhor assumiu, a dívida de Minas com a União foi o principal debate político do Estado. Primeiro com o Regime de Recuperação Fiscal e agora, com o Programa de Pagamento de Dívidas dos Estados com a União (Propag), aprovado pelo Senado. O Propag resolve o problema da dívida de uma vez por todas?
Resolve, sim. E por um motivo muito simples: antes, nós tínhamos uma correção [da dívida] por IPCA mais 4% e a economia do Brasil não cresce 4% ao ano. A arrecadação dos Estados geralmente acompanha o IPCA mais o crescimento da economia, que em média tem sido de 1%, 1,5% nos últimos 10, 20 anos.
O que isso acarretou ao longo das décadas? Uma prestação que passou a pesar cada vez mais. É como alguém que tem um financiamento da casa própria que começa hoje comprometendo 10% do salário e daqui a 20 anos vai estar comprometendo 50% do salário. Fica insustentável. O que aconteceu com os Estados foi algo muito semelhante a isso.
O Regime de Recuperação Fiscal só era um paliativo. O mecanismo dele era o quê? Eu vou reduzir aqui as suas prestações durante 3, 4 anos para você tomar um fôlego e a prestação depois voltava não só ao patamar normal, como até acima do que teria sido porque você deixou de ter ali um pagamento durante um certo período de tempo.
E o Propag sim, resolve definitivamente, porque nós vamos poder ter uma redução até IPCA mais 1%. E 1% a economia do Brasil tem crescido. Então, a prestação passa a ser viável. E, na minha opinião, foi uma decisão extremamente inteligente porque, caso contrário, os principais Estados do Brasil iam ficar totalmente inviáveis. São Paulo, que ainda consegue pagar, ia ser questão de mais 5, 10 anos para enfrentar também problemas. E Estados que ajudam a exportar e que são os mais desenvolvidos do Brasil.
No caso de Minas, a dívida foi criada lá atrás quando tivemos a liquidação do Bemge, do Credireal e da Minascaixa. Não foi um recurso que o Estado tomou emprestado. Foi uma dívida que surgiu para resolver um problema que já se arrastava naquela época.
E fica aqui o meu reconhecimento, porque a iniciativa, a construção e o debate foram conduzidos pelo presidente (do Senado) Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Sou muito grato a ele e também ao presidente da Assembleia, Tadeu Leite, que participou ativamente. Nós vamos estar pagando um valor alto, mas é um valor viável que cabe no orçamento do Estado.
O governo de Minas protocolou em novembro os projetos de privatização da Cemig e da Copasa, sendo que o projeto da Codemig está na Assembleia desde 2019. O Propag permite a federalização dessas estatais, entregando-as para a União em troca do abatimento da dívida. O governo vai seguir o caminho da privatização ou da federalização?
De certa maneira, os dois acabam se confundindo em alguns pontos, mas o que nós queremos é transferir para o governo federal esses ativos. Só que eles vão precisar de um tratamento porque o governo federal não vai querer pegar um ativo que possa lhe causar problemas.
Se nós transferíssemos hoje as ações da Cemig para o governo federal, o governo federal amanhã poderia ter problema com os acionistas minoritários porque eles poderiam falar que têm o direito de receber o mesmo valor dessa transação.
No caso da Cemig e talvez até mesmo da Copasa, nós teríamos primeiramente de transformar essas empresas numa corporation: o Estado continuaria proprietário das ações, mas não teria mais o controle e isso tiraria do governo federal esse risco societário que poderia existir. Em ambas as situações, tudo isso precisa passar pela Assembleia Legislativa.
A nossa intenção aqui é que as três empresas, vale lembrar que depende do interesse do governo federal, entrem para poder abater a dívida. E nós vamos ter ainda um benefício adicional que é uma redução expressiva no valor da dívida, que hoje é de R$ 165 bilhões.
Então, além da taxa de juros cair de IPCA mais 4% para IPCA mais 1% quem sabe essa dívida aí pode cair de R$ 165 bilhões para R$ 120 bilhões ou R$ 110 bilhões. Seria uma economia gigantesca para o Estado em termos de pagamento de juros. E o governo federal vai ficar com um ativo bom.
Hoje essas empresas são lucrativas. A Cemig esse ano vai bater todos os recordes de rentabilidade, Ebitda, de resultado, de indicadores operacionais os melhores da história, uma empresa que está totalmente saneada.
Nós vamos deixar muito claro precisa continuar com a sede em Minas Gerais, chamando Cemig, e precisa continuar fazendo 100% dos seus investimentos dentro de Minas Gerais. O que nós queremos é isso: um abatimento na dívida e um ativo que continue gerando benefícios para o Estado, mas tudo depende do “ok” da União.
Com o interesse da União, qual o prazo para essa operação acontecer? Dá pra fazer até o final do mandato do senhor?
Com toda certeza. Eu penso que isso seria realizado ainda no exercício de 2025. Daria para fazer tudo sim.
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