É do quarto de um apartamento que divide com as amigas em Santa Cecília, que Jheniffer Ferreira, mais conhecida como Jheni, de 28 anos, dá vida a roupas que já vestiram famosos como Pabllo Vittar, Luísa Sonza e Manu Gavassi. É lá também que ela constrói a coleção que desfilará na Fashion Week de Londres.
A matéria-prima para as peças provocadoras vem de dead stock – tecidos ou peças de descarte – e brechós da região central da cidade, área marcada por grandes prédios e desigualdade gritante, que agora ela quer levar às passarelas inglesas.
Para uma artista independente, que iniciou sua marca, a SSJHENI, durante a pandemia, natural de Cândido Mota, no interior paulista, o convite foi uma grande surpresa. “Você pode ler de novo pra mim? Eu acho que não é verdade”, lembra Jheni de ter perguntado a uma amiga.
“Se tudo sair como planejado minha marca vai ser reconhecida internacionalmente. Uma garota de uma cidade de 20 mil habitantes… É quase surreal”, diz. Agora, com uma vaquinha (coleta) e a busca de marcas parceiras, ela reúne dinheiro para tirar o desfile do papel. A Semana de Moda de Londres vai ocorrer entre 16 e 20 de setembro.
O convite chegou por meio de uma curadora que viu as primeiras peças nas redes sociais e se interessou pelo trabalho. “Ela já tinha comprado uma peça minha para a galeria que tem em Los Angeles”, conta. “Falou ‘Isso é lindo, é simples, é arte’.”
Estilo
Se o estilo tem influências do pai, fã de Madonna e Britney Spears, e do gosto da mãe pela costura, a responsabilidade socioambiental veio da necessidade. “A gente nunca teve dinheiro pra comprar roupa nova”, explica. “Sempre ganhava roupas que não tinha escolhido, precisava deixá-las do jeito que queria.”
Assim nasceu uma artista “intuitiva”. “Cada peça para mim é um quadro. Vou indo pela minha intuição, não desenho antes, vou colando, é como se fosse um quadro e eu fizesse colagens de texturas, de tecidos diferentes, de silhuetas diferentes. Mostro que reciclar material é uma riqueza”, resume Jheni.
Ela conta ainda que a moda era um sonho. “Ninguém me incentivava. Todo mundo falava ‘Você não sabe costurar’, porque não tinha ido muito bem na aula de costura e também não fazia bordado”, recorda. Estudante de escola pública, formou-se em Antropologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em 2016, e começou a cursar Dança na Federal da Bahia (UFBA), sem concluir.
No fim de 2020, Jheni criou seu primeiro vestido. Um vídeo no Instagram despertou o interesse por ela. Na rede social, já conta com mais de 22 mil seguidores, com quem compartilha a rotina de garimpeira de brechós e também dá dicas de costura. “Mostro que reciclar material é uma riqueza muito grande.”
Para ajudar Jheni a construir a coleção e ir a Londres, é possível fazer doações pela plataforma de financiamento coletivo Catarse no link.
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