SÃO PAULO - Ao encarar o juiz, Elize Matsunaga mantém os ombros levemente arqueados para frente. Em interrogatório com cerca de 4h30 de duração, ela conta aos jurados sua versão sobre o assassinato e esquartejamento do marido, o empresário Marcos Kitano Matsunaga, em 2012. "A única forma que eu encontrei foi cortá-lo, infelizmente."
Elize mantém a vozfirme quando fala sobre o disparo que atingiu o lado esquerdo do crânio de Marcos e o esquartejamento, realizado com uma faca de carne, segundo ela. Mas chora ao falar do passado como garota de programa, da sua única filha e dos xingamentos do marido. Ao mencionar uma passagem da qual diz se arrepender, ela completa a frase com "infelizmente".
Para a defesa, o crime é passional e aconteceu em um momento de forte emoção. Segundo Elize, os dois se conheceram por meio de um site de acompanhantes no fim de 2004. Marcos pagava para sair com ela de duas as três vezes por semana.
"Ele era muito gentil, um cavalheiro. Com o tempo, nós começamos a conversar e descobrimos afinidades. Não era o homem que conviveu comigo nos últimos seis meses antes dos fatos", declara a ré.
Elize retirou as fotos da internet, após o empresário assumir as despesas dela e pagar o curso de Direito. Os dois se casaram em 2009, mas já moravam juntos havia dois anos.
Ao responder ao juiz Adilson Paukoski, Elize diz que chegou a procurar advogados para se divorciar de Marcos, mas nunca deu início ao processo. Uma das vezes, conta, foi quando descobriu uma traição do marido com uma funcionária da Yoki, em 2010. Na mesma época, descobriu que estava grávida de Helena, hoje com 5 anos.
"Eu queria que minha filha tivesse uma história diferente da minha. Eu cresci sem o meu pai, não queria que ela crescesse sem o dela", afirma Elize. O pai de Helena morreu no dia 19 de maio de 2012, no apartamento onde morava, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. No momento do crime, só o casal e a filha estavam em casa, segundo a ré.
Elize havia retornado de uma viagem de três dias a Chopenzinho - cidade do interior do Paraná, onde nasceu - junto com a filha e a babá. "Fui ver minha vó. Queria mostrar Helena, que ela não conhecia", diz.
Um detetive, contratado por ela, filmou uma traição de Marcos no primeiro dia da viagem. Por telefone, Elize era informada em tempo real sobre os movimentos do marido. A ele, perguntou se a amante era bonita. Ouviu que não. "Eu me senti péssima."
Marcos foi buscá-las no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Todos foram ao apartamento. Após a saída da babá, Elize pediu uma pizza. O empresário foi buscar na portaria. Na volta, ele seria morto pela ré.
Na versão dela, não houve emboscada. O casal chegou a sentar à mesa, mas iniciaram uma discussão. Marcos teria dito que ia para a casa do pai. Elize desconfiava que ele voltaria a se encontrar com a amante. "Eu não aguentei, disse para ele parar de mentir", afirmou. "Contei que tinha contratado um detetive e sabia de tudo."
Segundo Elize, o empresário começou a esbravejar. "Como você tem coragem de fazer isso com o meu dinheiro", teria dito. "Ele me chamou de vaca, vagabunda e deu um tapa no rosto", afirmou. Seria a primeira agressão física sofrida pela ré, segundo o depoimento. As agressões verbais, no entanto, seriam comuns. "Ele dizia que eu só servia para abrir as pernas."
Elize conta que os dois estavam de pé na hora da discussão. Após o tapa, ela foi para a sala de estar, apanhar sua pistola .380, que havia sido presente de Marcos. Elize tinha quatro armas de fogo registradas em seu nome. "Fiquei com medo, não sabia o que ele ia fazer", diz. "Quando olhei a arma na minha mão, me arrependi. Fui para cozinha para ele não me ver com ela."
Marcos teria seguido a ré. "Ele ficou surpreso e começou a rir", conta. "Falou que eu era uma puta, falou para eu ir embora com a minha família e deixar a filha dele lá", afirma. "Eu não raciocinei. Eu poderia ter feito inúmeras coisas. Poderia ter feito um milhão de coisas. Eu não estava normal naquela hora."
Praticante de tiro, Elize disparou a arma e acertou o marido na cabeça. Segundo ela, não mirou - só apontou a pistola e apertou o gatilho. "Eu queria que ele calasse. Queria que tudo aquilo acabasse", diz. "Eu não optei pelo tiro. Aconteceu."
A ré conta que ficou desesperada. Chegou a pegar o telefone para ligar para a polícia, mas desistiu. "Eu ia ser presa. Iam levar minha filha para um abrigo", diz. Com marido baleado, Elize não pensou em chamar socorro médico. "Ele não se mexia, não fazia nada. Para mim, estava morto."
Segundo relata, Elize arrastou com dificuldade o corpo de Marcos pelos braços, por cerca de 15 metros, do hall até o quarto de hóspedes. Em seguida, limpou o rastro de sangue com um pano e produto de limpeza.
O esquartejamento só começou no dia seguinte, entre 5h30 e 6 horas, após a chegada da babá. "Eu fazia o que aparecia na minha cabeça", justifica. Para os cortes, despiu as calças do cadáver, mas não retirou a camisa. O corpo já estava rígido.
Ela relata que começou pelos joelhos, porque sabia que "só tinha articulação". Depois os braços, o tronco e, por fim, a cabeça. Pôs as partes em sacos de lixo e os sacos, em três malas. Duas delas foram transportadas no porta-malas do carro, a outra no banco de trás. As partes foram abandonadas à beira de uma estrada de Cotia.
Inicialmente, contou à família da vítima que Marcos estava desaparecido. "Eu não tinha como falar pra minha sogra: 'Desculpa, atirei no seu fillho'."
"Eu não queria matar o Marcos, não fiz por crueldade", diz Elize, quando questionada se gostaria de se defender. "Se eu pudesse, voltaria no tempo", declara. "Queria pedir desculpa a todas as pessoas que machuquei por esse ato infeliz", afirma. "Se eu tiver mentindo, quero que Deus me castigue da pior forma possível."
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