Por que tantos voos atrasam ou são cancelados no Aeroporto de Congonhas?

Pontualidade de viagens e margem pequena para remanejamentos são desafios para o terminal; concessionária atribui problemas ao mau tempo e diz que tem registrado melhoras mês a mês

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

O Aeroporto de Congonhas, na zona sul de São Paulo, tem visto um problema se repetir: atrasos e cancelamentos de voos, seguidos de filas e queixas de passageiros. Os transtornos, para especialistas ouvidos pelo Estadão, estão ligados à operação do terminal perto do limite da capacidade.

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E o impacto de fenômenos meteorológicos, como temporais e rajadas de vento, deve ser cada vez mais maior, diante da crise climática. Relatório do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), órgão da Força Aérea Brasileira (FAB), pôs recentemente Congonhas entre os aeroportos com menor pontualidade.

A concessionária Aena, responsável pelo aeroporto desde outubro de 2023, diz que Congonhas opera com 44 movimentos por hora, 80% da capacidade máxima (55 voos por hora) e atribui os problemas a condições meteorológicas, como chuvas e ventos.

Além disso, nega que as obras para ampliar o terminal aumentem atrasos e cancelamentos. Especialistas acreditam que as intervenções podem melhorar a operação.

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Aeroporto teve problemas em vários dias de novembro Foto: Zeca Ferreira/Estadão

A Agência Nacional de Aviação (Anac) e companhias que operam em Congonhas, como Gol e Azul, também apontaram as chuvas como principal razão do cancelamento de 115 voos entre a quinta, 28, e sexta-feira, 29. Cenário semelhante havia ocorrido no início de novembro: 58 cancelamentos nos dias 7 e 8.

O Decea diz que “há momentos de baixa demanda e outros em que a utilização da capacidade máxima é plenamente atingida”, principalmente entre 7h às 10h e 17h às 20h.

Também destaca que o funcionamento perto da capacidade máxima “exige maior coordenação entre os diversos atores envolvidos na operação e reitera que condições adversas, como mudanças climáticas significativas”, podem impactar mais rapidamente o fluxo das operações em qualquer aeroporto.

  • “O aeroporto de Congonhas está saturado, no limite de sua performance. É um aeroporto congestionado, com fila de aeronaves o dia inteiro”, afirma Flávio Pires, presidente da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag).
  • O Aeroporto de Guarulhos tem o maior número de movimentações diárias no País. Lá, a capacidade máxima é de 60 movimentos por hora, mas nem todas as faixas horárias atingem o limite. Em Congonhas, o segundo com mais operações do Brasil, a capacidade é quase totalmente utilizada ao longo do dia.

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A capacidade dos aeroportos é definida pelo Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea (CGNA), do Decea. Em 2022, antes de a espanhola Aena arrematar a gestão de Congonhas no leilão, o governo federal havia anunciado o aumento da capacidade de operação de 41 para 44 voos por hora.

A capacidade máxima é o maior número de voos ou passageiros que o aeroporto consegue processar por hora. São avaliados fatores como check-in, canal de inspeção (raios x), esteiras de bagagens, pistas, fingers, capacidade do pátio de estacionamento de aeronaves.

Com isso, o Decea define a “capacidade declarada”, que deve ser seguida pelas concessionárias e está sempre abaixo da capacidade máxima, para haver margem em casos de necessidade.

  • “Em aeroportos como Congonhas, onde o volume de operações se aproxima do limite operacional, situações atípicas, como condições meteorológicas adversas, podem gerar impacto mais significativo”, afirma a Anac.
  • “Opera com uma pista só, a principal, para aviação comercial. Mesmo após as melhorias feitas, qualquer chuva mais pesada suspende a operação. Uma suspensão de 15 minutos impacta ao menos 15 operações, entre pousos e decolagens. São aeronaves que não conseguem se movimentar”, diz Felipe Bonsenso, especialista em Direito Aeronáutico.

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Já a concessionária aponta que, “além dos voos afetados no horário dos fenômenos meteorológicos, a situação pode provocar outros cancelamentos, por parte das companhias áreas, para promover ajustes de malha aérea”. Isso, continua, não tem “qualquer relação com a capacidade do aeroporto”.

Efeito dominó em voos pelo País

Especialista em segurança de voo com mais de 40 anos de atuação, Roberto Peterka destaca o “efeito cascata” na programação de um aeroporto com essas características. “Qualquer evento que possa interferir - seja meteorológico, técnico e até administrativo - se multiplica”, diz.

Congonhas tem papel importante para a conexão da malha aérea nacional. “Se tem um voo que será ocupado por muitos passageiros que vêm de outras cidades, pelo fato de Congonhas ser hub, esses voos não saem”, acrescenta Fernando de Borthole, piloto, consultor e criador de conteúdo.

Terminal de Congonhas foi inaugurado em 1936 Foto: Werther Santana/Estadão

Como Congonhas não tem voos entre 23 horas e 6 horas da manhã, cancelamentos noturnos viram dor de cabeça para o dia seguinte. A possibilidade de ampliar o horário de funcionamento motiva forte reação em associações de moradores que temem mais barulho.

Nos dias de chuva ou vento, também são comuns remanejamentos para outros aeroportos próximos, como Cumbica (Guarulhos) ou Viracopos (Campinas).

O Estadão apurou que há disputa nos bastidores entre as companhias aéreas. Existem negociações para que as empresas abram mão de alguns slots (horário de chegada e saída), com o objetivo de aliviar as operações e ampliar a margem de manobra diante de eventualidades.

O desafio é obter consenso, de forma a não abrir espaço para concorrentes. Gol e Latam são as companhias com mais horários em Congonhas.

Ranking de pontualidade

Segundo o relatório do CGNA, com informações sobre as operações nos principais aeródromos nacionais, Congonhas aparece em penúltimo lugar no ranking nacional das partidas de aeronaves (taxa de 71% de pontualidade) em outubro.

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Na comparação com setembro, a pontualidade recuou nove pontos percentuais. A evolução ao longo do último ano mostra que a Aena ainda não conseguiu consolidar uma tendência de aumento da pontualidade no período pós-concessão.

O aeroporto monitorado mais pontual foi Santos Dumont, no Rio, com 88,3%. O levantamento considera voos que decolaram em até 15 minutos depois do horário programado.

A Aena afirma que “a pontualidade vem aumentando mês a mês pelo trabalho contínuo” da gestão e isso fez Congonhas ser o mais pontual do mundo na categoria ‘aeroportos grandes’ em junho e julho, segundo relatório da Cirium, consultoria do mercado de aviação.

A empresa acrescenta que, se a ocorrência de atrasos “fosse motivada por questões relacionadas à gestão do aeroporto ou às condições de sua infraestrutura, os índices de pontualidade seriam os mesmos para todas as companhias aéreas, o que não se verifica”.

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A Anac diz acompanhar os índices de pontualidade dos voos nos principais aeroportos. “Sempre que atrasos significativos ou cancelamentos acima da média são identificados, a agência atua em conjunto com as empresas aéreas e demais atores do setor para compreender as causas e buscar soluções”, diz.

Aeroporto intensifica obras; passageiros criticam transtornos

A Aena nega que as obras que estão em andamento afetem os pousos e decolagens. Hoje são realizadas obras de pavimentação nas pistas de taxiamento de aeronaves. “O trecho em manutenção não causa impacto e não gera atrasos às operações de pouso e decolagem”, diz a concessionária.

“Eles dizem que foi por conta da chuva, mas nem choveu tanto assim. Esse aeroporto está inabitável, lotado e sempre com atrasos nos voos”, disse a empresária Marta Guimarães, que buscava informações sobre remanejamento de voo no último dia 29.

“Parece que são várias obras no aeroporto ao mesmo tempo e está um caos. Demorei meia hora pra conseguir encontrar um banheiro disponível”, reclamou a advogada Ana Luisa Pietri, no mesmo dia.

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A concessionária diz que os banheiros ficarão mais amplos e confortáveis e a intervenção é faseada para minimizar impactos. Dos 12 conjuntos de banheiros (feminino, masculino, família e para pessoas com mobilidade reduzida) do terminal de passageiros, três passam por melhorias.

Nos próximos meses, haverá mais obras. O plano da Aena - que administra 17 aeroportos no País - inclui construir um novo terminal de passageiros, com o dobro da área atual.

“Serão instaladas mais pontes de embarque, esteiras de bagagem automatizadas, equipamentos de raios x, posições de check-in, o pátio de aeronaves será ampliado, além do aumento de banheiros, espaços para cafés e restaurantes”, diz a Aena. O prazo contratual para entrega é 2028.

O aeroporto, no entanto, tem limitações para ampliar seu espaço físico. Inaugurado em 1936, numa área que à época era descampada, hoje está em frente ao Corredor Norte-Sul, uma das principais avenidas da cidade, além de vários prédios comerciais. / COLABOROU GIOVANNA CASTRO

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