Pouco mais de seis meses após o início da concessão pública, o Vale do Anhangabaú está se firmando como um centro cultural ao ar livre na região central. A programação das atividades obrigatórias previstas no contrato com a Prefeitura de São Paulo oferece sessões de cinema e aulas de dança.
Com a concessão, a Prefeitura quer ampliar a presença da população no vale, principalmente à noite e nos fins de semana. Para isso, o contrato de concessão prevê atividades diárias com viés sociocultural, educativo, esportivo, recreativo e de lazer. Já foram realizadas cerca de mil atividades desde dezembro, de acordo com a concessionária Viva o Vale, liderada pela WTorre Entretenimento e pela Urbancom. Até o fim deste mês, serão 260 atividades. “Propor mais de 250 atividades mensais gratuitas é fazer o Vale do Anhangabaú não mais um espaço de passagem, mas de permanência”, diz Claudio Macedo, diretor-geral do Consórcio Viva o Vale.
A avaliação do poder municipal é positiva até o momento. “Em fase de ativação, foi observada boa interação com o público, bem como aumento na frequência. Hoje já existem atividades de lazer e culturais em todos os dias da semana e há previsão de expansão”, avalia a Prefeitura em nota.
O Estadão acompanhou a aula de samba-rock, uma das mais concorridas, na quinta-feira. Diante do “Palco do Chá”, cerca de 50 duplas ouviam as instruções por volta das 20h – e o número aumentou bastante uma hora depois. “A dama faz o giro e o condutor fica na base. Se errar, dá risada e faz de novo”, convidava o professor ao microfone. O “teto” do salão é o Viaduto do Chá e o fundo, o Vale. No segundo horário, é a mistura do samba com rock dos anos 1960 que fornece a trilha do velho centro. É chegar e dançar.
As segundas são de bem-estar e qualidade de vida, que se traduzem nas aulas de muay thai, capoeira e tai chi chuan embaixo do Viaduto do Chá, ou aulas de ginástica na Sala Deck, perto da São João. Já nas terças se vê uma ocupação permanente: skatistas – e vale consultar a agenda de eventos em novoanhangabau.com.br.
Carência
Mas quem frequenta o espaço há mais tempo, passa horas por ali ou está indo pela primeira vez pede mais locais de alimentação. “É a única coisa que está faltando”, diz a estudante Célia Martins, de 17 anos. No edital, a Prefeitura já afirmava que os quiosques “são de extrema importância para que seja possível alcançar o objetivo de ativação do espaço, com uso intenso da população”. Pessoas que ocupam os bancos de madeira que dão um ar de praça para o local também sentem falta. É o pedido do casal Anderson Pires e Vanessa Soares, ambos de 22 anos. Após um dia de trabalho em um escritório na Rua Boa Vista, decidiram parar ali para esperar o trânsito diminuir. “Não tem nenhum lugar para tomar um sorvete”, diz ela.
A concessão envolve um espaço público histórico, aberto ao público e que deverá manter essas características a partir da administração privada. A empresa assumiu gestão, manutenção, conservação, vigilância e limpeza por dez anos. O contrato foi avaliado em R$ 55,4 milhões. A contrapartida é a exploração comercial. O consórcio tem exclusividade para vendas de produtos em eventos não ligados à Prefeitura e é responsável pelos 11 quiosques da área, ainda fechados. Por ora, eles viraram mais uma pista para skatistas. “As tratativas comerciais para locação dos espaços continuam. Em dias de maior fluxo, há estruturas volantes como food trucks”, diz Claudio Macedo.
Doze espaços públicos reconhecidos – como o calçadão histórico Las Ramblas, em Barcelona, a Rua Vitória, em Lisboa, e o Quartier des Spectacles, em Montreal – foram analisados para o plano de exploração comercial do Anhangabaú. A ideia é incluir mesas ao ar livre para que se possa comer e beber observando o movimento e criar espaços com intervenções artísticas. A concessionária planeja eventos distintos, como aulas de adestramento para pets, shows, feiras e intervenções teatrais.
No comércio, cada região será dedicada a um nicho. A chamada Zona Pop, em frente à Praça dos Correios, terá alimentação, serviços e compras para um público variado, com foco em operações gastronômicas e preços acessíveis. Para ampliar a oferta, a concessionária prevê quiosques portáteis.
O Boulevard São João terá características típicas de calçadão de comércio. Na Praça Ramos de Azevedo, na frente do Municipal, o projeto pretende aproveitar as áreas construídas que hoje são depósitos. A intenção também é recuperar os mirantes da Rua Libero Badaró com cafés e restaurantes.
Fonte
Mas uma atividade que deve dar nova cara para a região está emperrada: o show das Fontes de Água. São previstos três por dia. A concessionária afirma que enviou relatório para a Prefeitura no mês de março, informando sobre a necessidade de reforma estrutural, e aguarda o retorno para a manutenção. A Prefeitura diz tomar medidas, com a concessionária, para retomar as fontes.
Sobre a demanda de parte dos usuários de ter um espaço mais arborizado, a Secretaria do Verde disse que para a reurbanização do local foi autorizado o corte de 131 árvores, com a contrapartida de plantio de 177 mudas na área, além da entrega de 420 mudas nativas ao Viveiro Manequinho Lopes.
Polícia infiltrada
Em praticamente todas as atividades visitadas, existe preocupação com a segurança. O salão de danças do samba-rock, por exemplo, é delimitado por gradis nas laterais. Dois homens de preto observam quem atravessa a entrada principal, mas não barram ninguém. A atenção se justifica por causa dos índices crescentes de roubo de celulares pelas gangues de bicicletas. A região foi palco de arrastões, furtos e roubos na Virada Cultural – evento de responsabilidade da Prefeitura.
As três gerações da família do estudante Gustavo Luís da Silva, de 25 anos, se sentem seguras para aprender. Ele, a mãe, Viviane Regina, e a avó, Vera Lúcia, saíram da Casa Verde, na zona norte, e foram de ônibus até o centro. Mas ele confessa algumas estratégias obrigatórias para quem anda no centro. “Todo mundo sabe que é melhor não usar o celular em público e evitar andar sozinho”, diz o mestrando em Geografia na Unesp.
Por volta das 21h, a sensação de insegurança é maior nos espaços mais vazios, como a escadaria que leva para a Líbero Badaró. De acordo com a concessionária, 14 seguranças patrimoniais, 7 por período, atuam no local. Ela também revela a instalação do monitoramento por câmeras, com reconhecimento facial e contagem de pessoas.
O delegado Roberto Monteiro, titular da 1.ª Seccional, afirma que a estratégia nos grandes eventos e também nas aglomerações de pessoas, como as que começam a se formar no Vale do Anhangabaú, envolve a utilização de agentes infiltrados. “É uma estratégia que já utilizamos”, afirma. “Na Parada LGBT+, nós infiltramos mais de cem policiais nos trios elétricos. Isso deu um resultado muito bom”, completou.
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