O apagão que há mais de 24 horas atinge São Paulo, além de deixar cerca de um milhão de endereços sem luz, levantou questionamentos sobre a infraestrutura da maior cidade do País. Há relatos de queda de energia principalmente em bairros das zonas sul e oeste. A Enel anunciou que o fornecimento de energia será majoritariamente restabelecido até terça-feira, 7, quatro dias após o começo da queda de energia.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, as soluções para evitar esse tipo de problema em outras ocasiões passam tanto por um monitoramento mais ativo das árvores, sobretudo daquelas de grande porte, como figueiras e tipuanas, até a criação de um plano de redução de riscos, com enterramento da fiação elétrica em áreas mais suscetíveis a incidentes.
“É um problema que exige uma pesquisa muito intensa, para, primeiro, monitorar as árvores que temos nas ruas e, a partir disso, tomar decisões e fazer uma gestão de podas. E, segundo, verificar a capacidade de promover a instalação de redes mais seguras”, diz José Roberto Cardoso, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
Para o especialista, o enterramento de fios da rede elétrica na cidade seria a solução mais efetiva para reduzir os episódios de queda de energia, mas ele considera que essa seria uma alternativa inviável no curto e médio prazo. Além da parte operacional, o professor afirma que pesa a parte financeira para adotar esse tipo de solução em grande escala.
“O custo de enterrar uma linha é algo em torno de 20 vezes o valor que se gasta para fazer uma linha área”, diz. Como mostrou o Estadão no começo do ano, nem mesmo um plano lançado em 2018 pela Prefeitura para enterrar 65,2 km de ruas de fios no centro e na zona sul da cidade havia sido concluído até o começo deste ano.
Diante disso, o professor afirma que uma solução mais rápida seria, a exemplo do que é feito em países como o Japão, reforçar o acabamento das fiações e a poda de árvores em áreas mais suscetíveis a tempestades. Além de tentar fazer um estudo para entender como não repetir o que houve nas áreas que hoje sofrem com o apagão em São Paulo.
“Se estamos falando do vento, que é a principal causa da queda das árvores (neste apagão), precisamos monitorar o vento”, afirma a meteorologista María Valverde, professora do Curso de Engenharia Ambiental e Urbana da Universidade Federal do ABC. O levantamento de onde os ventos podem ser mais intensos, afirma, pode ajudar a entender onde as ações devem ser priorizadas.
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) destacou que os ventos superiores a 100 km/h chegaram à maior velocidade já registrada pelo Centro de Gerenciamento da Metrópole (CGE), desde 1995, quando esses dados começaram a ser computados. “Foi uma situação excepcional. Muito fora do contexto.”
O prefeito salientou as cerca de 1,4 mil ocorrências de quedas de árvore. Em julho, por exemplo, em outro evento extremo após a passagem de um ciclone pela região sul, cerca de 300 chamados foram abertos.
Nunes afirmou que cerca de 1,4 mil pessoas trabalham na dinâmica de corte de árvores e outras 1,9 mil na limpeza. “Estamos trabalhando para restabelecer a cidade o quanto antes. Esperamos que, até terça, tenha essa situação resolvida. Pode ter algum ponto ou outro para corrigir depois.”
Segundo ele, apesar do cenário atual de problemas em diversos pontos da cidade, foi possível observar um “avanço” das ações da Prefeitura, como na área de drenagem e prevenção a deslizamentos. Questionado sobre a prevenção aos impactos diante da previsão de fortes rajadas, afirmou que equipes estavam de sobreaviso para atender ocorrências.
Planos preventivos e de adaptação
Como maior cidade do País, São Paulo precisa estar preparada mesmo para situações atípicas, dizem especialistas. “Estamos vivendo uma fase de emergência climática. Planos preventivos e de adaptação já deveriam existir ou estar em execução, principalmente na época das chuvas”, afirma María. “A comunidade científica vem alertando dessa emergência climática faz muito tempo.”
Para o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de Planejamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), o primeiro passo é criar um plano de redução de riscos, com cronograma de 5 anos, para rever os riscos causados por árvores de grande porte em diferentes regiões da cidade.
“Só essa providência reduziria já em algo como 80% o risco de problemas associados a quedas de árvores”, afirmou Álvaro. Como exemplo, ele cita os impactos causados por figueiras, eucaliptos e tipuanas.
No fim de 2021, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei, de autoria da Prefeitura, que prevê acelerar a remoção e a poda de árvores na cidade. A proposta é permitir que o próprio cidadão contrate um engenheiro ou biólogo para avaliar que tipo de medida deve ser tomada. Conforme especialistas, a queda de árvores não é algo novo em São Paulo, mas aumentou a recorrência, o que demanda que a Prefeitura aumente as ações em relação a isso.
“Uma cidade do tamanho de São Paulo é muito complexa, é preciso uma melhor articulação e uma política de manutenção do espaço urbano. Não só zeladoria, mas renovação e inovação. Ainda usamos as mesmas técnicas do começo do século 20″, diz o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, professor do Instituto da Cidade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Falta, por exemplo, uma política de arborização, tanto de plantio como de manutenção.”
Como mostrou o Estadão, a Enel anunciou neste sábado, 4, que o fornecimento de energia em São Paulo será majoritariamente restabelecido até terça. A concessionária não descarta que alguns problemas pontuais permaneçam após a terça-feira.
Segundo Vincenzo Ruotolo, diretor responsável pela execução do serviço em São Paulo, cerca de 1,5 milhão de clientes seguem sem energia nos 24 municípios atendidos pela Enel, enquanto o serviço foi restabelecido em 550 mil endereços. São realizados trabalhos de reparo e reconstrução da rede.
As fortes chuvas deixaram ao menos seis pessoas mortas no Estado. Mais de 40 municípios, incluindo a capital paulista, tiveram ocorrências por queda de árvores.
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