O apagão que deixou mais de 2,1 milhões de endereços sem luz em São Paulo após a tempestade da noite de sexta-feira, 11, fez a discussão sobre o enterramento de fios de energia elétrica ser retomada na capital. A solução é apontada por especialistas como eficaz para evitar blecautes em dias de ventos fortes e chuvas intensas e é pleiteada por moradores, mas enfrenta entraves como custos altos e desafios logísticos.
Pela segunda vez em menos de um ano a falta de energia elétrica tem prejudicado moradores e comerciantes de diversos bairros da capital. Cerca de 900 mil imóveis continuavam sem energia às 8h30 de domingo, 13, no último balanço divulgado pela Enel, concessionária responsável pelo fornecimento de energia na capital. O número representa aproximadamente 11% dos usuários da companhia. Em novembro do ano passado, um apagão também provocado pela chuva afetou mais de 2 milhões de clientes e demorou quase uma semana para ser solucionado.
Um dos bairros mais afetados pela falta de energia desde sexta-feira, é Pinheiros, na zona oeste, onde a moradora Rosane Brancatelli relata que a solução encontrada por alguns vizinhos foi a instalação de geradores. “Geradores a mil poluindo o meio ambiente, que já está pesado de tanta poluição”, critica.
“Por que não abrem uma licitação para aterrar toda fiação elétrica em vez de deixar o custo pesado para cada empresa fazer por si só?”, questiona.
Presidente da AME Jardins, que representa os Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano, Fernando Sampaio Barros relata cenário semelhante. “Desde sexta-feira, por volta das 19h30, boa parte dos bairros está sem luz. As pessoas estão perdendo os alimentos da geladeira, não tem água quente e nem sequer como carregar o celular. As desculpas são sempre as mesmas, mas é preciso lembrar que as árvores estavam aqui antes das linhas de energia”, afirmou.
“Precisamos discutir urgentemente soluções efetivas para evitar que isso se repita. O aterramento seria a solução. A quem interessam os cabos aéreos?”, questiona.
Um dos principais danos identificados na cidade foi em uma rede de alta tensão na região oeste, atingida por uma árvore de grande porte. Semáforos deixaram de funcionar, prejudicando o trânsito.
O enterramento dos fios diminui o desgaste causado pela chuva, os problemas de roubo e acidentes causados por queda de árvores e postes, além de melhorar a segurança, a confiabilidade e a disponibilidade da rede de distribuição de energia, de acordo com especialistas. Contudo, é uma alternativa cara e lenta.
Só na região central de São Paulo, seriam necessários R$ 20 bilhões, estima a Prefeitura. Também não há consenso sobre quem ficaria responsável por arcar com todo este custo.
“Antes de pensar no enterramento dos fios, o que percebemos é que a rede de distribuição de energia está fora de controle. O monitoramento da rede está falhando, porque nessa situação emergencial tinham que ter dados para, pelo menos, saber onde é que está acontecendo esses problemas”, afirma Anderson Kazuo Nakano, especialista em urbanismo e professor da Unifesp.
Nakano explica que enterrar fios em São Paulo demora muitos anos por causa das tubulações de água e de gás. “É quase um artesanato. Tem de ir fazendo trecho a trecho, porque embaixo das calçadas tem uma rede de tubulação de água da chuva, de abastecimento de água, de coleta de esgoto, de gás, e o mapeamento dessa rede subterrânea está tão bagunçado.”
Outro problema é que, ao abrir uma vala na calçada, há a interrupção das entradas e saídas de automóveis nas garagens. “E quando não tem espaço na calçada, como vai abrir a canaleta?”, questiona Nakano, que, por esses motivos, enxerga o enterramento como alternativa viável apenas para grandes avenidas, com canteiro central, onde poderiam ser abertas as valas longe das calçadas.
Hoje, por exemplo, os postes da Avenida Paulista não têm fios à mostra. Considerada um importante polo comercial do Bom Retiro, a Rua José Paulino, na região central, também passou pelo processo de enterramento de fios.
No mês passado, a Enel divulgou investimentos de R$ 20 bilhões para todo o País até 2026. Deste montante, a concessionária prevê para São Paulo cerca de R$ 2 bilhões por ano. O dinheiro será utilizado na contratação de funcionários, aquisição de frota e geradores, entre outros pontos, mas não cita o enterramento de fios elétricos.
Como o Estadão mostrou, a Enel afirmou na ocasião que o padrão adotado por todas as distribuidoras no Brasil é de redes aéreas e “apesar da maior confiabilidade do fornecimento de energia proporcionada pelas redes subterrâneas, quando ocorrem falhas, o trabalho de recomposição do serviço é mais complexo, pois exige maior cuidado com as condições de segurança para que os técnicos possam atuar”.
A companhia afirmou ainda que o enterramento de cabos ocorre “em casos específicos e seguindo critérios técnicos e econômicos quando o investimento é considerado prudente”, já que “os investimentos realizados nas redes de distribuição no País devem prever a razoabilidade dos custos, pois são repassados às tarifas de energia de todos os consumidores nos processos de revisão tarifária das distribuidoras”.
Na cidade, a Enel possui 43 mil km de rede de distribuição em toda a área de concessão, sendo 40 mil km aérea e 2,6 mil km subterrânea.
A quem interessam os cabos aéreos?
Fernando Sampaio Barros, presidente da AME Jardins
Manejo de árvores
Outro ponto trazido pelos especialistas é o manejo de árvores na cidade. “A Enel ajudaria muito participando desse manejo das árvores, financiando projetos não só de manejo, mas de pesquisa para que a gente entenda melhor por que elas caem”, diz Marcos Buckeridge, vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.
“Com o monitoramento, tem que ter investimento permanente. Se percebe que tem uma árvore que, com um vendaval, pode cair e romper os cabos, antes de esperar que isso aconteça, já faz um investimento para antecipar e resolver o problema”, completa Nakano.
Ao Estadão, a Enel afirmou que realizou 450 mil podas de janeiro a setembro, cerca de 75% da meta de 600 mil. Os mutirões de poda foram feitos nos 24 municípios em que a companhia atua.
A sobrecarga dos postes é outro problema que precisa ser resolvido para evitar apagões, aponta Nakano. “Essa enorme quantidade de fios - não só de energia, mas de cabeamento de internet e uma série de outros usos - está bagunçando a infraestrutura, inclusive com ruptura de cabos. Tem uma superutilização sem que haja a modernização da própria infraestrutura aérea, que está precária, remendada”, afirma o especialista.
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Apagão
A Enel diz ter acionado o seu plano emergencial após o temporal de sexta-feira, mas admite dificuldades. “Em alguns casos, o trabalho para restabelecer a energia é mais complexo pois envolve a reconstrução de trechos inteiros da rede.” A companhia informou ainda que está atuando com cerca de 1,6 mil técnicos em campo e trabalhando para mobilizar no total cerca de 2,5 mil profissionais. Esse contingente está sendo ampliado com a mobilização de equipes adicionais, além da chegada de técnicos do Rio e do Ceará.
O Procon-SP anunciou neste sábado, 12, que vai notificar a Enel para que explique os motivos da demora para restabelecer o fornecimento de energia elétrica para consumidores de vários bairros de São Paulo e de outras cidades do Estado.
Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) intimou a Enel para que apresente justificativas e proposta de adequação imediata do serviço. Caso a Enel “não apresente solução satisfatória e imediata da prestação do serviço”, a agência vai instaurar “processo de recomendação da caducidade da concessão junto ao MME (Ministério de Minas e Energia)”. / COLABOROU PAULA FERREIRA
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