Uma área com mais de 11 milhões de metros quadrados, em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo, onde estão construídos alguns dos maiores condomínios de alto padrão da região, tem sido alvo de um grupo organizado, a "Turma do Zé do Ouro", que se diz dona de todo o terreno, nomeado por eles de "Sítio Barreiro". Com uma certidão paroquial de 30 de maio de 1856 e uma escritura de cessão de direitos hereditários e posse, de 2 de julho de 1956, o grupo, de acordo com despachos de desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), vem aplicando sucessivos golpes no mercado imobiliário, causando prejuízos a várias construtoras, ganhando dinheiro e uma coleção de processos na Justiça. Na prática, os envolvidos fazem grilagem de terras. A atuação do bando está registrada em inquéritos policiais, em ações cíveis e criminais. Na esfera judicial, os processos envolvendo o grupo já são mais de 25. O grupo tem como chefes José Gonzaga Moreira, conhecido como "Zezinho do Ouro", de 71 anos, e Francisco Fagundes de Lima, de 93. Todos são conhecidos da polícia em razão de suas inúmeras acusações criminais por formação de quadrilha, estelionato, uso de documento falso e contravenções penais (envolvimento com jogos de azar). O grupo, segundo a Polícia Civil, se dividiu, mas os golpes continuam.Início. Os golpes começaram em 2007 e têm sempre o mesmo padrão de ação: para fazer valer as certidões de posse e causar dúvida até nos verdadeiros proprietários, a quadrilha invade o terreno escolhido, cerca a área com muros ou cerca de arame e ainda coloca seguranças para evitar "novas invasões". Um dos casos mais recentes envolve o Condomínio Gênesis 2, com 120 casas que custam até R$ 4 milhões cada. Ele ocupa uma área de 2,5 milhões de m², e boa parte é de área de preservação ambiental. O diretor da Associação Vuturussu - que representa os moradores -, Sérgio de Castro, conta que a briga na Justiça com o grupo que se diz dono da área começou em julho do ano passado. "Estávamos refazendo as cercas. Eles chegaram de repente e disseram que eram os verdadeiros donos do terreno." O grupo, segundo ele, cercou toda a área e colocou um segurança para "evitar invasões". Na entrada, uma placa avisava: "Esbulho Possessório é crime". Segundo Castro, os invasores entraram com uma ação na Justiça, alegando serem donos do terreno. Mas desistiram depois que o juiz responsável pediu a documentação que provasse a propriedade. "Agora somos nós que estamos processando essas pessoas para garantir que não aconteçam novas invasões", contou. A Justiça - até a decisão final - determinou que a área não pode ser modificada. O condomínio ocupa o local há 15 anos, e a área começou a ser comercializada em 2002. Em diferentes instâncias, a Justiça concluiu que a documentação do grupo não tem valor e condenou sua maneira de agir. Em uma decisão de junho de 2009, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerou que o registro paroquial é um "documento imprestável à comprovação de propriedade". O desembargador Virgílio de Oliveira Júnior, do TJ-SP, em despacho de um processo contra o grupo chefiado por Zezinho do Ouro, afirmou "não se poder admitir o autor (Zezinho do Ouro) como parte de boa-fé, porque, como se verifica de inúmeros casos semelhantes ao dos autos, encontra-se ele envolvido em reconhecida grilagem de terras". Em diversos processos, a Justiça concluiu que o Sítio Barreiro existe, mas não tem as dimensões apresentadas pelos golpistas. O verdadeiro Sítio Barreiro faz parte da área de 11 milhões de m² e ocupa um espaço de 900 mil m².Divisão. Em 2011, o grupo se dividiu. Por causa dos inúmeros processos que respondem na Justiça e agressões mútuas seguidas de queixas na polícia, Zezinho do Ouro e Francisco Fagundes de Lima se separaram. O primeiro abriu uma empresa no ramo imobiliário, enquanto o ex-parceiro vendeu "sua parte das terras do Sítio Barreiro" para o empresário Lourival Malara, dono da SPE CNC. O empresário hoje se considera o real proprietário da área de 11 milhões de m² e também representante de Lima. "Sou proprietário de 100% da área, porque comprei de Francisco e do José (Zezinho do Ouro)", disse o empresário. Ele também desconsidera as ações judiciais em primeira instância desfavoráveis, que condenaram o grupo de Zezinho do Ouro por grilagem de terras. "Foi uma decisão errada que estamos contestando na Justiça. O único golpista nessa história é o José Gonzaga Moreira (Zezinho do Ouro) que, inclusive, estou processando." Malara afirma que os documentos que lhe dão posse da área são legítimos e que a construtora Brookfield, responsável pelos residenciais Tamboré; o grupo Itahyê, do residencial do mesmo nome; e o Gênesis 2 estão usando certidões e matrículas de imóveis falsos para justificar a propriedade da terra. A Brookfield informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não vai comentar as declarações de Malara. O diretor da Associação Vuturrussu, Sérgio de Castro, disse que os documentos apresentados pelas empresas são verdadeiros e reconhecidos em cartório de Santana de Parnaíba. "São válidos. Tanto que há decisões desfavoráveis contra esse grupo." O advogado Milton Camilo Alves, que defende Zezinho do Ouro, confirmou que seu cliente brigou com Lima e que o caso foi parar na Justiça. Ele negou o uso de documentos falsos, como a certidão paroquial de 1856, nos processos que tramitam no Judiciário. "O STJ considerou que não há validade hoje, porque existem os cartórios. Porém, naquela época, esse era o recurso disponível. O registro paroquial tem validade, tanto que está guardado no Arquivo do Estado. O Zezinho não fabricou nenhuma matrícula. O que se discute é a posse da terra." Nas ações, os grupos Brookfield e Itahyê apresentaram dezenas de documentos provando ter a posse das terras desde o século passado. Até agora, a Justiça sempre lhes deu razão.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.