Avenida Paulista tem maior nº de roubos em 10 anos: ‘Falta de segurança é muito assustadora’

Crimes passaram a se concentrar principalmente nos arredores do Masp; um terço dos casos ocorre aos domingos

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Foto do author Lucas Thaynan
Atualização:

Um dos principais cartões postais de São Paulo, a Avenida Paulista se tornou uma espécie de termômetro para medir a insegurança na cidade. Relatos de vítimas de roubos e furtos, além de depoimentos de quem passou por situações de perigo, se multiplicam nas redes sociais. Nas calçadas, olhares atentos diante dos riscos de deixar exposto o celular, principal alvo dos criminosos.

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Levantamento feito pelo Estadão com base em dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) obtidos via Lei de Acesso à Informação aponta que, em 2022, a Paulista teve o maior número de roubos em 10 anos, com 1.106 registros. Já os furtos (6.343) atingiram o segundo maior patamar da série histórica, atrás apenas de 2019, último ano pré-pandemia, que teve mais de 7,5 mil ocorrências.

A Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma ter intensificado ações preventivas e ostensivas na Avenida Paulista neste ano. Conforme a pasta, 33 suspeitos foram presos por lá no mês passado. Já a Prefeitura diz que a Guarda Civil Metropolitana (GCM) faz patrulhamento constante na região, principalmente aos fins de semana – o domingo, quando a via fica fechada na maior parte do dia, concentra um terço dos casos.

Os roubos e furtos passaram a ocorrer sobretudo nos arredores do Museu de Arte de São Paulo (Masp) depois da pandemia. No ano passado, 42,3% dos casos se deram a, no máximo, 350 metros do prédio histórico – em 2019, menos de um terço das ocorrências (30,9%) se concentravam por ali. Mas os crimes também seguem sendo cometidos em outros locais, como nos encontros da avenida com as ruas da Consolação e Augusta.

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“Após o período de pandemia – quando as pessoas começaram a retornar às suas atividades e a usar a região da Paulista como local de lazer –, houve um aumento significativo da violência”, afirma Rodrigo Salles, presidente do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) Jardins e Paulista. Segundo ele, os relatos de roubos e furtos recebidos pela entidade, que reúne comerciantes, moradores e representantes das forças de segurança pública, subiram cerca de 20% na comparação com antes da pandemia.

Na maioria das vezes, os crimes são cometidos por pequenos grupos, com menores de idade como integrantes. A ação ocorre tanto a pé quanto de bicicleta. “Assim eles conseguem ter uma circulação rápida, e acabam subtraindo a corrente, o celular, a carteira da pessoa que está um pouco distraída”, diz. Salles conta que, pela facilidade de se misturar na multidão, os criminosos costumam preferir trechos mais cheios, como o encontro da via com a Avenida Brigadeiro Luís Antônio.

Paulista teve maior número de roubos em 10 anos, com 1.106 registros; furtos também cresceram Foto: Alex Silva/Estadão

Ainda que não entrem no levantamento, ruas que cortam a Avenida Paulista também são uma preocupação de pedestres. Em meados do último ano, a estudante de Letras Fernanda Matos, de 23 anos, tinha de ir até a região para levar documentos necessários para um estágio. Com receio de ser assaltada por conta dos crescentes relatos de roubo, chamou dois amigos para acompanhá-la até lá.

“Quando a gente estava subindo uma das ruas do lado do Masp, quatro crianças e um adulto cercaram a gente e nos fizeram passar tudo”, diz Fernanda, que tinha recém-comprado o celular na época. Ela registrou boletim de ocorrência por roubo. Hoje, sempre anda com o Bilhete Único na meia por precaução. “Um medo muito grande que tenho é ser roubada e não conseguir voltar para casa, na zona norte.”

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‘Falta de segurança é muito assustadora’, diz jovem que teve perna amputada

A alta histórica de roubos gera especial preocupação porque se trata de um tipo de crime que, por envolver uma dinâmica mais demorada entre vítima e criminoso, pode escalar para casos de violência física. Em maio do último ano, um jovem teve a mão ferida enquanto acessava a Estação Trianon-Masp do Metrô, praticamente no meio da Avenida Paulista.

Mesmo tentativas de assalto podem causar dano. Há um ano, a criadora de conteúdo Amanda Valente, de 25 anos, foi atropelada por um ônibus após ser acossada por três adolescentes em uma esquina perto do Masp. Ela ficou dois meses na UTI e teve de amputar a perna esquerda. “Eu amava ir lá (na Avenida Paulista), ia sempre. Hoje em dia, não tenho coragem de passar lá nem de carro”, diz. “Essa falta de segurança é muito assustadora.”

Amanda Valente teve perna amputada após tentativa de assalto Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Os furtos também preocupam. Moradora de Embu das Artes, a engenheira civil Nahyla Cunha, de 24 anos, teve o celular levado quando esperava um carro de aplicativo perto de um shopping no encontro da Avenida Paulista com a Rua Augusta. Ela disse que, por precaução, chegou a entrar em um estabelecimento para solicitar a corrida, mas foi surpreendida pelo criminoso quando já estava saindo para encontrar o carro.

“Tirei o celular da bolsa para ver a placa, porque já não lembrava mais o final”, relembra. Nesse momento, um rapaz usando uma mochila de aplicativo de entrega passou rapidamente de bicicleta, puxou o celular de Nahyla e a empurrou no chão. Depois do furto, ela teve aplicativos de banco invadidos e sofreu um prejuízo de mais de R$ 20 mil – até empréstimo fizeram. O valor foi ressarcido após ela pressionar o banco nas redes sociais.

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‘Paulista é um cartão-postal de São Paulo, pensava que não ia acontecer nada demais’

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O celular é o principal alvo dos criminosos. No ano passado, o médico anestesista André Lourencatto, de 36 anos, teve o aparelho furtado do bolso nos arredores do Masp. “Eu estava no meio da multidão e colocaram a mão no meu bolso”, diz. Assim que deu falta do aparelho, ele cancelou os cartões e o acesso a bancos. Um aplicativo de geolocalização indicou que o aparelho foi levado para o bairro da Liberdade e, dias depois, passou por países como Nepal e Vietnã, na Ásia.

Outros objetos de valor também são visados. A recepcionista Maria do Carma de Sousa, de 41 anos, foi até a Avenida Paulista no fim do ano passado para se inscrever na Corrida de São Silvestre. “Do nada, eu senti aquele tapa no meu peito”, diz. Era o colar sendo arrancada do pescoço. A ação foi feita por cinco adolescentes nos arredores da Estação Brigadeiro. Ela não registrou boletim. “Os meninos saíram correndo, fugiram por outras ruas. Tinha até uma pessoa em uma moto esperando um deles”, afirma. “A Paulista é um cartão-postal de São Paulo, pensava que não ia acontecer nada demais por ali.”

Movimentação na Avenida Paulista; aparelho celular é principal alvo dos criminosos Foto: Alex Silva/Estadão

Para Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getúlio Vargas, o fato de a Paulista ser um dos maiores centros comerciais da cidade atrai criminosos. “Principalmente para pegar o grande alvo que interessa ao crime hoje, que é o telefone celular”, diz. Ele relembra que, no ano passado, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil desarticulou uma célula do Primeiro Comando da Capital (PCC) que atuava ali perto fazendo transferências bancárias de celulares roubados. “O crime organizado se interessou por furto e roubo de celular.”

Para combater esse cenário, ele diz que é preciso focar não só nas quadrilhas que praticam roubos e furtos, mas ir além. “A investigação tem de estar em cima da receptação do telefone celular, porque isso é uma cadeia. Existe o roubador, o receptador e pode existir ainda outra pessoa por trás”, diz. Alcadipani alerta que a geolocalização dos boletins nem sempre é precisa, porque as vítimas podem não lembrar exatamente onde o crime ocorreu, mas reconhece que serve como um norte. Outro ponto, acrescenta, é que costuma haver uma subnotificação de roubos e furtos, principalmente quando o crime envolve objetos menores.

Atenção: se o mapa não carregar automaticamente, clique aqui.

A reportagem percorreu a Avenida Paulista na manhã de quinta-feira, 20, véspera de feriado. Em toda a extensão da via, havia pedestres de costas para as paredes ou entrando em estabelecimentos fechados para conseguir acessar o aparelho telefônico com um pouco mais de segurança – a prática é recomendada por especialistas. Parte dos pedestres caminha com mochilas rentes ao peito, principalmente mulheres sozinhas.

Havia ao menos duas viaturas da Polícia Militar estacionadas, uma nos arredores do Masp e outra na saída da Estação Brigadeiro. Além de uma base fixa na frente do Parque Trianon e agentes fazendo ronda por outros pontos. Boa parte dos comércios da Avenida Paulista hoje conta com seguranças privados nas portas. Na sede de um banco no encontro da via com a Rua Augusta, um cercado costuma ser instalado para isolar funcionários e clientes do movimento da calçada.

Domingo concentra a maior quantidade de casos de roubos e furtos Foto: Werther Santana/Estadão

O domingo, quando a Avenida Paulista fica fechada para carros durante a maior parte do dia desde 2015, é o dia que concentra a maior quantidade de casos de roubos e furtos. E isso vem aumentando ao longo dos últimos anos. Em 2022, 34,7% das ocorrências foram nesse dia da semana, ante 28,37% em 2019, último ano pré-pandemia. O sábado, segundo dia com mais registros, somou menos da metade dessa fatia no período mais recente (14,2%).

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Nos dados obtidos pela reportagem, ainda não constam números deste ano, mas as ocorrências atendidas pelo 78º Distrito Policial estão em alta – por lá, são investigados não só crimes cometidos na Avenida Paulista, como em toda região dos Jardins. Nos dois primeiros meses deste ano, foram registrados 473 roubos, alta de 35,5% na comparação com o mesmo período do ano passado (349). Já os furtos subiram 54,7% no mesmo período: de 1.012 para 1.566.

O que dizem governo do Estado e Prefeitura

A Secretaria de Segurança Pública afirmou, em nota, que intensificou neste ano as ações preventivas e ostensivas na região. A pasta deu destaque para duas novas operações de combate à criminalidade implantadas por lá: “Speed Bike”, montada para prender assaltantes que utilizam bicicletas para cometer furtos e roubos de celulares, e a “Easy Gold”, que busca identificar receptadores de joias sem certificação de origem.

“No primeiro trimestre de 2023, o 78.º Distrito Policial (Jardins), que abrange a área citada, prendeu 87 infratores por roubo e 125 por furtos. Somente em março, a PM realizou 7.630 abordagens, que resultaram na prisão de 33 criminosos”, disse a secretaria. Aos domingos, quando ocorre o evento “Ruas Abertas”, a pasta afirmou ainda que o policiamento é reforçado para minimizar o cometimento de crimes diante do aumento na circulação.

A Prefeitura disse que a Guarda Civil Metropolitana realiza diariamente o patrulhamento comunitário e preventivo na área. “Na região da Paulista há ainda o apoio das equipes especializadas, como a Inspetoria de Ações com Motocicletas (IAMO) e Inspetoria de Operações Especiais (IOPE), principalmente aos finais de semana”, afirmou. Segundo a pasta, a Inspetoria Regional Sé realiza o patrulhamento pela área através de rondas periódicas, especialmente durante eventos que são realizados no Vão Livre do Masp.

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