Bar ameaçado de despejo consegue decisão inédita e pode virar patrimônio cultural de SP; entenda

Proprietários movem ação para retirar Ó do Borogodó de endereço que ocupa há 22 anos; demolição ou outra obra na casa de samba precisará de autorização de conselho municipal

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Em meio a uma ação de despejo, a mobilização pela preservação do bar e casa de espetáculos Ó do Borogodó obteve uma vitória significativa nesta semana. O Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) aprovou a abertura de estudo para avaliar a possibilidade de reconhecer o tradicional espaço de samba da Vila Madalena, no distrito Pinheiros, como área de proteção cultural.

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Com a decisão, uma demolição, reforma, ampliação ou outra alteração no imóvel onde o bar está localizado deverá ser analisada e deliberada pelo conselho. Essa obrigação também inclui uma eventual pausa nas atividades artísticas do espaço. O bar é alvo de ação de despejo pelos proprietários do imóvel, mas se recusa a deixar o endereço mesmo após uma notificação extrajudicial, em maio.

O reconhecimento provisório permanecerá durante um estudo mais aprofundado sobre o eventual enquadramento definitivo como Zona Especial de Proteção Ambiental - Área de Proteção Cultural (Zepec-APC), o que pode levar de meses até alguns anos. A decisão é inédita para um bar. Esse é o mesmo tipo de proteção temporária determinada neste ano para o Santa Marina Atlético Clube, na zona oeste, e o Espaço Itaú de Cinema da Rua Augusta, na região central.

Hoje, há uma Zepec-APC definitiva na cidade: o Cine Belas Artes. A decisão é de 2016, um ano após uma lei municipal regulamentar essa classificação, prevista no Plano Diretor de 2014.

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Esse tipo de reconhecimento não é uma desapropriação, tanto que o imóvel reconhecido pode seguir de propriedade privada. Também não é um tombamento, porque não envolve aspectos materiais (como a arquitetura em si). Embora exija avaliação prévia pelo conselho, não proíbe necessariamente uma obra ou demolição, desde que autorizada e que mantenha aquele tipo de atividade cultural.

Na prática, a determinação dificulta a possibilidade do imóvel ser vendido para a construção de um prédio no endereço, na Rua Horácio Lane, 21, na esquina com a Rua Cardeal Arcoverde. Situação semelhante também desencadeou uma mobilização do Bar Balcão, nos Jardins, mas o espaço recentemente anunciou que uma incorporadora desistiu de um projeto de edifício para o local.

Roda de samba no bar Ó do Borogodó, no distrito Pinheiros, zona oeste paulistana Foto: Taba Benedicto/Estadão - 29/06/2019

A abertura de estudo no Conpresp foi celebrada pelos frequentadores e proprietários do bar, que atua no local há 22 anos e é um dos principais pontos de encontro do samba e choro na zona oeste. “Mais um passo. Precisamos de todos nessa luta pela permanência! O Ó faz a cidade mais bonita!”, publicaram nas redes sociais.

A campanha “Fica Ó” obteve 2,9 mil signatários em abaixo-assinado virtual. Além disso, a Comissão de Patrimônio Cultural do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU/SP) também manifestou apoio.

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Em reportagem do Estadão de 2021, sobre transformações no bairro, os sócios do Ó do Borogodó já comentavam sobre considerar o espaço como de “resistência” em meio à valorização da Vila Madalena. “O ‘Ó’ é uma espelunca, feito de outras matérias. A gente tinha aluguel barato (no início). Na medida em que a Vila foi crescendo, sofre com o aumento de aluguel”, falaram à época.

O boom da verticalização em Pinheiros tem motivado críticas de parte dos moradores, que conseguiram o tombamento provisório de mais de 600 construções. A decisão é temporária e não foi bem recebida por todos os proprietários. O Estadão desenvolveu um mapa interativo com os endereços.

No Conpresp, a decisão destacou que o espaço atende a “requisitos mínimos para enquadramento como Zepec-APC” e que as atividades“confluem com outras ações de reconhecimento, proteção e apoio da expressão musical popular paulistana – como o samba e o samba-rock”. O pedido de análise foi protocolado em caráter de urgência pelo Instituto Casa da Cidade, também da Vila Madalena.

O Ó do Borogodó chegou a propor a compra à vista da parte que ocupa do imóvel, assim como a compra total (com o restante do valor parcelado em 100 prestações). Não obteve, porém, retorno positivo dos proprietários.

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Na ação de despejo, os donos do imóvel afirmam ter feito tentativas de acordos entre as partes a respeito da venda do espaço. Também destacam que os locatários tinham ciência de que o contrato está com prazo indeterminado desde julho de 2022. “Não obstante, após o recebimento da notificação a requerida quedou-se inerte, demonstrando recusa em desocupar o imóvel dentro do prazo pretendido (25 de junho de 2023)”.

Comissão citou ‘disputa imobiliária’ e espaços que fecharam em Pinheiros

A proteção do bar também obteve posicionamento favorável da Comissão Técnica de Análise (CTA) da Zona Especial de Preservação Cultural – Área de Proteção Cultural (ZEPEC-APC), da Prefeitura, em outubro. O entendimento foi remetido ao Conpresp e embasou a decisão do conselho.

Na deliberação, o comitê destaca que “quando uma atividade cultural se exerce há anos em um mesmo lugar, tornando-se parte do bairro, não é possível mover a atividade cultural de maneira forçada para outro local sem que haja significativa perda simbólica”.

Roda de samba no Ó do Borogodó, em Pinheiros Foto: Taba Benedicto/Estadão - 29/06/2019

A comissão também lembrou da “intensa disputa imobiliária” que tem transformado a paisagem de Pinheiros nos últimos anos, citando espaços culturais fechados no distrito nos anos 2000, como o Espaço Cultural Rio Verde, o Canto Madalena, o Espaço Zé Presidente e o Puxadinho da Praça, dentre outros. “Considerando que a Zepec-APC tem o papel também de preservação de memória dos bairros, é interessante sua aplicação neste caso raro de espaço remanescente”, diz.

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“Percebe-se, pelos relatos, que o lugar não é apenas um estabelecimento comercial que tem música como sua principal atração – o que poderia enfraquecer a abertura do processo de enquadramento como Zepec-APC –, mas um lugar que congrega pessoas (...). Se um espaço de música se torna ponto de encontro entre músicos, que podem ali criar juntos, testar composições, ensaiar de forma aberta ao público e conectar com ele, ver sua reação, experimentar novas formas de fazer música, etc, esse espaço está não apenas tendo a música como uma ‘atração’, mas está participando ativamente na produção de música na cidade. Sendo assim, é inegavelmente um espaço de cultura. (...)”, salientou.

A Zepec-APC é prevista no Plano Diretor desde 2014, o qual define que a “proteção é necessária à manutenção da identidade e memória do Município e de seus habitantes, para a dinamização da vida cultural, social, urbana, turística e econômica da cidade”.

Esse tipo de proteção foi regulamentada por lei municipal de 2015. Prevê que o enquadramento contemple “locais destinados à formação, produção e exibição pública de conteúdos culturais e artísticos” e “espaços com significado afetivo, simbólico e religioso para a comunidade, por meio de atividades ali exercidas”.