‘Bonde do Elevado’: quem são e como atuam as gangues quebra-vidro no centro de SP

Ladrões quebram janelas de carros para roubar celulares; polícia mapeou cerca de 400 suspeitos que se envolveram em crimes desse tipo nos últimos dois anos

PUBLICIDADE

Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

A atuação das chamadas “gangues quebra-vidro”, que miram celulares de motoristas e passageiros, tem preocupado moradores de São Paulo. No Viaduto Júlio de Mesquita Filho, na região da Bela Vista, no centro da capital, criminosos até se apelidaram de ‘Bonde do Elevado’. Os alvos preferenciais são motoristas e passageiros distraídos, que normalmente deixam o aparelho telefônico à mostra no painel do carro ou mesmo em mãos.

O Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) da Polícia Civil prendeu nesta semana dois suspeitos de praticar o crime nos arredores do viaduto – um deles foi baleado na perna após sacar uma arma, segundo a polícia. Outros dois adultos e um adolescente também foram detidos no mesmo dia. Segundo estimativa da Polícia Civil, cerca de 400 suspeitos se envolveram com esse tipo de crime no centro nos últimos dois anos.

Vídias de corte usadas por trio apreendido nos arredores do Viaduto Júlio de Mesquita Filho Foto: Polícia Civil de São Paulo

PUBLICIDADE

“Esse número leva em conta todo mundo que foi autuado em flagrante, seja menor ou maior (de idade), por roubo e furto de celular nessa modalidade de quebrar vidro”, afirmou ao Estadão o delegado Marco Antônio Bernardino Santos, titular da 6ª Delegacia Patrimônio do Deic. O horário preferencial das gangues é o de “pico”, quando os carros ficam sem escapatória por conta do trânsito. “Normalmente entre 17h30 e 18h30.”

A ação dos criminosos chama atenção pela rapidez. “As principais vítimas são mulheres e usuários de carro de aplicativo, que ficam sentados no banco de trás distraídos”, disse Santos. Ele também destaca quem fica com o celular no painel. “Quando está ligado no Waze (aplicativo de GPS), não bloqueia (o telefone).” Nesta semana, a TV Globo divulgou imagens que mostram a atuação de gangues em plena luz do dia.

Homem se prepara para quebrar vidro de carro no Viaduto Júlio de Mesquita Filho Foto: Reprodução/TV Globo

Aparelhos desbloqueados costumam ser mais valorizados pelos receptadores. “O celular fechado vale de R$ 300 a R$ 500. E o aberto vale de R$ 2 mil a R$ 3 mil, dependendo de quanto o cara (receptador) conseguir pegar da vítima”, disse Santos. Os valores pagos aos criminosos que roubam, portanto, funcionam como uma espécie de “comissão” em cima do valor que se consegue desviar pelo Pix.

Publicidade

Segundo o delegado, os locais de receptação costumam ficar mais distantes do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, como em Santa Ifigênia e Campos Elísios. Os ladrões passam os aparelhos a intermediários, que rapidamente os levam para onde as transferências bancárias tentarão ser feitas. “Com eles mesmos (os quebra-vidros), normalmente não se encontra nada. Eles não ficam com os celulares.”

Criminoso é flagrado em ação no Viaduto Júlio de Mesquita Filho Foto: Reprodução/TV Globo

O modus operandi costuma se repetir em diferentes grupos. “Ninguém mora lá (na Bela Vista)”, disse Santos. A maioria dos investigados por ele era de regiões como Sapopemba e Cidade Tiradentes, zona leste, e alugava quartos em pensões no centro para se articular. As vídias de corte são bastante usadas nas ações, mas não só. “Também usam pedra, tijolo ou aquela vela grande de carro”, acrescentou o delegado.

Dois foram presos pelo Deic em ação nesta segunda

A ação do Deic na segunda-feira, 10, nos arredores do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, prendeu dois suspeitos, de 18 e 19 anos, de integrar o ‘Bonde do Elevado’. A prisão da dupla foi convertida em preventiva, segundo o delegado Marco Antônio Santos. “Ambos acumulam passagens na adolescência por roubo e furto de celular”, disse ele. Outros quatro suspeitos de envolvimento nesse mesmo tipo de crime são investigados.

Armas apreendidas com suspeitos de integrar o 'Bonde do Elevado' Foto: Deic/Polícia Civil de São Paulo

Alguns casos passaram a contar com a atuação do Deic pela suspeita de que poderia haver uma organização criminosa por trás dessas gangues, como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Mas, segundo Santos, essa relação não foi identificada. “É só uma associação entre eles (os membros das gangues quebra-vidro), que se conhecem. Não tem nada organizado”, disse o delegado.

Outros dois adultos e um adolescente foram detidos no mesmo dia

No mesmo dia da ação do Deic, dois adultos, de 18 e 20 anos, e um jovem de 16 foram detidos por policiais civis do 5º Distrito Policial (Aclimação) nos arredores do Viaduto Júlio de Mesquita Filho. O trio foi autuado, teve os celulares apreendidos para averiguação e foi solto em sequência.

Publicidade

“Eles estavam já com as vídias na mão, que são aqueles objetos que quebram o vidro para que possam subtrair o celular”, afirmou o delegado Percival Alcântara, titular do 5º DP. Ele disse que também foi apurado que o trio se comunicava por celular apontando possíveis carro-alvo de roubo. “Encontramos mensagens dizendo ‘olha tal carro, esse carro está vindo aí’”, exemplificou.

O 5º DP faz ao menos duas incursões desse tipo por semana no Viaduto Júlio de Mesquita Filho, segundo o delegado. Um dos pontos de atenção é a Rua Manoel Dutra, que dá acesso rápido à Avenida 9 de Julho. “O crime não termina com a subtração do celular, que tem valor agregado muito grande. Ele continua com as transferências bancárias”, disse Alcântara. “Por isso hoje é um ‘prato cheio’ em São Paulo.”

Em nota, a Polícia Militar afirmou que, por meio da Operação Impacto, intensificou o policiamento ostensivo na região central, o que inclui os arredores do Viaduto Júlio de Mesquita Filho. “Nos últimos 30 dias, registraram-se 24 prisões na região, entre elas seis relacionadas a furtos e roubos nas imediações do viaduto”, disse a pasta. Segundo a corporação, seis aparelhos celulares foram recuperados no período.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.