O intervalo de cerca de três anos de busca por Paulo Cupertino, acusado de matar o ator de Chiquititas Rafael Miguel e os pais, fez a Polícia Civil de São Paulo usar um leque variado de estratégias. Investigadores do caso chegaram até a monitorar o velório da mãe de criação do suspeito, em 2020, na expectativa que ele fosse disfarçado ao local. Foram também por algumas vezes a fazendas no Mato Grosso do Sul, possivelmente onde o réu se escondeu por mais tempo. Pouco antes de uma dessas idas, ele teria fugido em um caminhão carregado de melancias.
Após finalmente ser pego pela polícia no início desta semana, Cupertino chegou ao prédio da delegacia-geral da polícia com ares de celebridade e até ironizou as buscas dos policiais. À medida que o tempo foi passando, relatos indicam que ele assimilou melhor que havia sido preso e saiu cabisbaixo do local. Em entrevista ao Estadão, a delegada da Divisão de Capturas Ivalda Aleixo, uma das responsáveis pelas buscas, detalhou momentos da investigação e as primeiras horas após a captura do réu.
No começo da procura por Cupertino, em junho de 2019, a delegada conta que a investigação estava quente e que a polícia conseguiu monitorar os rastros iniciais do fugitivo, ainda que estivesse alguns passos atrás dele. "O fato foi no domingo, ele vai para São Roque (SP) na madrugada e, na terça-feira, para Campinas (SP). De lá, consegue pegar um ônibus e vai para Ponta Porã (MS)."
Segundo Ivalda, cerca de 20 dias antes do crime, Cupertino tinha ido à cidade do Mato Grosso do Sul em uma viagem de bate e volta. Era uma rota conhecida por ele, o que teria facilitado a fuga. “A gente sabia que ele fazia essas coisas, pelo tipo de comércio que tinha, de peças de automóveis, os chamados ‘desmanches’”, explica.
Depois da saída inicial de São Paulo, as buscas passaram a ser marcadas por idas e vindas. De um lado, estavam denúncias que pareciam pouco condizentes, mas que ainda assim demandavam atenção – como ligações dizendo que ele estaria no Maranhão ou mesmo na Venezuela. De outro, relatos mais quentes, possibilitando que a polícia quase encontrasse o réu.
“Era toda hora, até pelo Instagram eu recebi denúncias. Chegava de todos os lugares”, explica. Algumas pessoas até teriam criado perfis fakes para entrar em contato com os investigadores. “Acho que recebemos muito mais de 300, 400 denúncias de onde ele era visto, às vezes mandavam até foto.”
Acho que recebemos muito mais de 300, 400 denúncias de onde ele era visto, às vezes mandavam até foto
Ivalda Aleixo, delegada
Além de acompanhar as informações que chegavam, a polícia disse que monitorava de perto a família e a vizinhança do acusado em São Paulo, a fim de encontrar indícios de onde ele estava. Quando a mãe de criação de Cupertino faleceu, em 2020, policiais ficaram de campana no velório na expectativa de encontrá-lo.
“Quando veio a informação, falamos ‘vamos ficar por perto, porque ele pode não aparecer na hora, mas aparecer depois, ou mesmo vir para casa’”, diz a delegada. O procurado, no entanto, não compareceu ao velório ou conversou com familiares nos dias seguintes. "Ele não mantinha contato com a família, não pelos canais que a gente monitorava."
Fuga em caminhão de melancia
Foi em Eldorado, no Mato Grosso do Sul, uma das cidades próximas à fronteira com o Paraguai, que a captura ficou mais perto de acontecer. “Foi por muito pouco”, diz Ivalda. "Ele acabou fugindo em um caminhão de melancia. Ele falou isso, que entrou em um caminhão lá, que tinha umas melancias, e saiu fora."
Segundo a delegada, esse teria sido o local em que o fugitivo passou mais tempo: do primeiro semestre de 2020 até por volta de fevereiro de 2021. Após um período trabalhando na fazenda, uma funcionária desconfiou que o colega de serviço seria Cupertino. Ele notou a mudança de comportamento da mulher e saiu pouco antes de a polícia chegar para prendê-lo.
Depois desse período, Cupertino teria ido para o Paraguai, onde sabia que seria mais difícil localizá-lo. Ter contatos na região permitiu que o procurado fizesse "bicos" trabalhando até em carrinhos de comida e recebesse ajuda para se esconder. “A informação é que ele fazia lanches para complementar o que ganhava.”
Há indícios de que ele trabalhou em uma fazenda no Paraguai a 300 quilômetros de distância da fronteira. Em dado momento, agentes do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de São Paulo chegaram a ir até o local atrás de Cupertino, mas não o encontraram. Ao saber que tinha sido localizado, ele teria fugido para a Argentina. Cupertino nega que tenha ido para lá, mas há indícios disso, segundo a delegada.
Os policiais chegaram a ir ainda em fazendas de cidades como Ponta Porã e Dourados, ambas no Mato Grosso do Sul. Em algumas vezes, foram até de helicóptero, o que, segundo Ivalda, acabou não ajudando tanto. “Não adiantou muito, porque o helicóptero vai até um lugar, mas tem que parar, fica aquele negócio na cabeça.”
Ida ao Paraná para tirar RG
Ainda em 2021, o investigado voltou ao Brasil após a poeira baixar e quase se saiu bem sucedido de um dos planos. Cupertino chegou a tirar um RG em uma cidade do interior do Paraná com uma certidão de nascimento falsa. "Ele usou um outro nome e tirou, com cabelo para trás ainda", conta a delegada. "Mas a gente descobriu e conseguiu cancelar."
Depois desse caso, o novo destino do procurado teria sido novamente a fronteira entre Brasil e Paraguai, região que, para além de São Paulo, conhecia melhor. “Tinham informações que ele sempre atravessava a fronteira com Ponta Porã”, conta a delegada. “Um informante disse que ele ia frequentemente comprar peça de carro, e aí tinha lógica, já que devia estar trabalhando com isso para o pessoal do Paraguai.”
Ivalda explica que, ao avançar nas investigações, comerciantes da região de fronteira e agentes da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul tinham o próprio número de celular dela para informar caso vissem algum indício de que Cupertino estaria por lá. A ideia era criar uma rede de contato informal, mas a pandemia de covid-19 dificultou as buscas. "Ele se aproveitou da pandemia, usando máscara, óculos e boné."
Ele se aproveitou da pandemia, usando máscara, óculos e boné
Ivalda Aleixo, delegada
Com a repercussão do caso e das buscas por Cupertino, as investigações também foram marcadas por fake news. Elas se manifestaram não só por meio de denúncias, mas também em situações pitorescas. “Teve um cara que chegou aqui (no prédio da delegacia-geral), pediu para falar comigo ou com o doutor (Osvaldo) Nico, e falou que era o Cupertino”, diz. “Não era.”
Houve ainda notícias falsas dizendo que Cupertino teria sido preso. “Três vezes falaram ‘ele está preso’, que tinha sido preso no Paraguai ou no Mato Grosso do Sul”, conta. Por conta disso, a delegada explica que, quando o 98º DP recebeu a informação de que o foragido estava em Interlagos, na zona sul paulistana, o primeiro reflexo foi desconfiar. “Falaram ‘calma, não vamos falar nada, porque já deram tanta informação errada’”, diz Ivalda.
Ainda assim, o movimento de retorno do réu a São Paulo, que, segundo estima a polícia, não ocorreu há mais de 30 dias, tinha uma lógica. “Ele estava sem dinheiro, e o que nós entendemos é que ele pretendia vender o imóvel da família.”
Cupertino foi preso em um hotel na última segunda-feira, 16, após a polícia ter recebido a denúncia anônima há algumas semanas. Conforme a delegada, o foragido disse ter sido ajudado por alguém no retorno à cidade. A polícia ainda investiga quem é. “Ele disse ‘eu confiei na pessoa errada’”, diz Ivalda.
A delegada diz que o réu confessou, após a captura, ter voltado por falta de dinheiro e também porque queria ver os filhos – são quatro no total. Essa teria sido a primeira vez que Cupertino retornou a São Paulo desde a ocorrência do crime, e a última antes de ser preso.
‘Chegou aqui muito celebridade’
Ivalda conta que, após ter sido preso, Cupertino chegou ao prédio da delegacia-geral, na região central da capital paulista, ainda não assimilando o que ocorreu. “Chegou aqui muito celebridade.”
Segundo a delegada, ele chamou alguns dos investigadores pelo nome e disse que os estaria reconhecendo porque viu na televisão. Ainda falou diretamente com o atual delegado-geral da Polícia Civil, Osvaldo Nico Gonçalves. “Nossa, você tinha que ser governador, tinha que ser político”, teria dito.
Cupertino ainda teria ironizado as investigações feitas pelos policiais. “Vocês tinham que aprender mais, vocês passaram perto”, disse o réu, conforme relato de Ivalda.
“A sensação que fiquei quando olhei foi: ‘não estou acreditando, o cara acabou de ser preso’”, relembra ela. “Chegou muito eufórico, eu acho que a ficha ainda não tinha caído”, acrescenta. O relato descreve interações de segunda-feira, logo após a prisão.
Após esse momento inicial, a delegada conta ter conversado com Cupertino com mais calma enquanto fazia o boletim de ocorrência. “Falei ‘você quer um advogado aqui? Não precisa, porque ninguém vai te interrogar’. Não é a fase que se interroga, mas tive que fazer algumas perguntas.”
Ao ser questionado sobre o porquê de ter cometido o crime, Cupertino negou ter sido o autor. Então, ela questionou os motivos dele ter ficado três anos foragido. “Ele disse ‘precisei fugir para acharem que era eu’, então já é uma loucura.”
A ruptura na euforia de Cupertino, continua a delegada, só teria se dado quando o réu foi colocado em uma cela para aguardar o exame do Instituto Médico Legal (IML). “Quando fecha o cadeado, que faz o ‘tec’, aí eu vi que ele deu uma caída.”
Quando foi retirá-lo da cela, a delegada explica que ele ainda chegou a dizer: “Eu vou ficar preso mesmo, né?”. Após confirmar, ela explica que Cupertino perguntou se algo poderia ser feito. “Eu disse: ‘Agora é tarde demais, se entregasse lá atrás’”, diz.
Ivalda conta que a prisão de Cupertino foi um alívio para a Divisão de Capturas da polícia, área especializada em cumprir mandados de prisão. “Fiquei emocionada mesmo quando vi que era ele, porque a gente sempre tinha dúvidas.”
Segundo ela, foi um a menos na lista. “A gente tem a foto ali, dos mais procurados, e eu olhava para a foto dele todo santo dia. Antes de ir embora, arranquei a foto e falei ‘já era’”, conta a delegada. A expectativa agora, explica, é capturar outros Cupertinos.
Advogados dizem que Isabela, filha de Cupertino, é perseguida e não consegue se manter em emprego
Os advogados de Isabela Tibcherani, de 21 anos, filha de Paulo Cupertino e namorada do ator Rafael Miguel, contam que há três anos, ela é perseguida nas redes sociais, não consegue se manter em emprego e teve de se mudar. Agora, ela espera que uma pedra seja posta em cima dessa situação para que possa viver e realizar o sonho de cursar Psicologia.
“Ela é uma testemunha desse caso. Ela não pode ser continuar sofrendo como se fosse uma culpada”, destaca Ricardo Marinho, do escritório Marinho & Wiltshire Sociedade de Advogados, ao Estadão.
O pai dela é acusado de triplo homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e sem possibilidade de defesa das vítimas. O ator e os pais dele,João Alcisio Miguel, de 52 anos, e Miriam Selma Miguel, de 50, foram assassinados a tiros em frente à residência da namorada de Isabela, em 2019. Eles tinham ido tentar convencer o pai da jovem de que Rafael tinha boas intenções, pois Cupertino não aceitava a relação.
Marino conta que Isabela estava na rua quando recebeu a notícia e não acreditou prontamente, apenas após confirmar com a equipe jurídica, que está à frente do caso desde dezembro de 2020.
“Aí, realmente, foi um misto de sentimentos, porque ao mesmo tempo que a pessoa se sente aliviada pelo pelo assassino ter sido preso, a gente não pode esquecer que existe um laço sanguíneo de pai”, fala Marino. “Agora ela está feliz que ele vai ser julgado pelos crimes que cometeu.”
Os últimos três anos não foram fáceis para ela. Os advogados contaram que, desde o ocorrido, Isabela não vive mais na antiga residência na zona sul. Por segurança, ela, a mãe e o irmão se mudaram. Atualmente, a jovem vive sozinha.
“Isso atrapalhou demais o andamento dela. Pra você ter uma noção, ela não consegue se firmar em um emprego até hoje. As portas sempre se fecham pra ela como se ela fosse uma ré nesse processo”, destaca Marino.
O advogado estima que já tenham sido quatro ou cinco empregos até agora. As demissões, destacam, sempre “sem motivo”. “Sempre que ela firma no emprego, tem ótimas relações, é sempre demitida”, conta Marino. “Imagina só, uma menina com 19, 20, 21 anos que está ali, trabalhando, e a pessoa do seu lado: ‘Ah mas como é que seu pai matou? Mas como é que foi no dia?’”
Guilherme Wiltshire, também advogado dela, conta que na segunda mesmo, ela foi rejeitada em um processo seletivo. “Ontem chamaram ela no final da tarde e dispensaram. Falaram que ela não ia ter psicológico para conseguir lidar com o trabalho.”
Marino conta que, com isso, mesmo com a ajuda de familiares, os últimos anos foram de “extrema dificuldade financeira” para ela. Com isso, ela não teve acesso a apoio psicológico por muito tempo. “De um bom tempo pra cá ela não consegue mais esse apoio”, destaca Marino.
Com a prisão do pai, contam, ela espera que uma pedra seja posta em cima da situação para que ela possa, enfim, viver. O sonho dela - adiado diante do “tumulto” que se tornou sua vida - é cursar Psicologia.
“Ela quer estudar, ela quer fazer a faculdade dela, ela quer trabalhar, ela tem uma garra absurda. Ela precisa de chance”, frisa Marino. /COLABOROU LEON FERRARI
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