Sócio do Café Girondino, no centro de SP, revela por que fechou as portas: ‘Insustentável’

Aberto desde 1998 no encontro das ruas São Bento com a Boa Vista, cafeteria anunciou fechamento das suas atividades na última sexta-feira

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Foto do author Caio Possati
Atualização:

O fechamento do Café Girondino na última semana pegou de surpresa os frequentadores e admiradores do tradicional ponto do centro de São Paulo. No anúncio nas redes sociais, a cafeteria atribui a decisão aos efeitos da pandemia, que deixou “cicatrizes que não curaram”.

Em conversa com o Estadão, Felippe Nunes, um dos sócios do café, explicou que os períodos em que o Girondino precisou ficar inativo na crise sanitária comprometeram as receitas do estabelecimento. O empresário cita também que o faturamento correspondia a 30% ao arrecadado na fase pré-covid.

“O que faz o Girondino fechar é o reflexo da pandemia. ‘Mas a pandemia passou há tanto tempo. Ainda está refletindo?’. Sim, reflete, Porque as pessoas estão voltando a revisitar e frequentar o centro só agora, mas a velocidade não tem sido suficiente”, afirma o empresário. “O custo para manter operação da casa, que tem três andares, é muito grande”.

Aberto desde 1998 no encontro das ruas São Bento com a Boa Vista, no centro histórico de São Paulo, o café Girondino anunciou fechamento das suas atividades na última sexta-feira. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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A cafeteria funcionava no encontro das ruas São Bento e Boa Vista, coração do centro paulistano desde 1998, e fazia homenagem ao antigo Café Girondino, fundado em 1875, na Rua 15 de Novembro com a Sé. O local já serviu no passado como ponto de encontro de barões do café de antigamente e de jornalistas.

“Por conta da história do Girondino, uma marca de quase 150 anos, tem muitas histórias para cada um dos clientes, como pedidos de casamento, fechamento de negócios etc. O lugar se tornou um destino da região. Ou seja, as pessoas frequentavam o Girondino porque queriam conhecer o Girondino” lembra o empresário. “A gente estava sempre lotado porque o centro estava pulsando. Mas ai veio a pandemia”, lamentou.

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O Girondino ‘novo’ era vizinho de frente do Mosteiro de São Bento, outro ponto turístico da capital paulista, e se situava dentro dos perímetros do chamado Triângulo SP - ou Triângulo Histórico - que engloba o Largo São Bento, Pateo do Collegio e Largo São Francisco.

O local, apesar de turístico, se notabiliza também pelas cenas abertas de uso de drogas e pela alta incidência de assaltos e furtos contra lojistas e pessoas que frequentam a região.

Nunes acredita que o local apresentou melhoras nos últimos meses, com mais policiamento e trabalhos de zeladoria, o que tem contribuído, na visão do empresário, para um crescimento da ocupação daquela área.

“O centro está voltando. A gente está sentindo a melhora do centro. Mas o nosso fôlego para aguentar essa retomada, que estava sendo degrau a degrau, não conseguia segurar a casa como um todo”, afirma.

Mas, segundo ele, os problemas dessa região de São Paulo, agravados pelo isolamento e falta de atividades na pandemia, também contribuíram para uma queda nas receitas do Café Girondino.

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Pandemia provocou uma vertiginosa queda na arrecadação, de acordo com um dos sócios do café. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Traduzindo o declínio do empreendimento em alguns números, Nunes conta que a quantidade de funcionários chegou a diminuir de 120 (pré-pandemia) para 32, configuração que se manteve até o Girondino ser fechado. Além disso, o faturamento caiu para 30% do que era antes, e o horário de funcionamento, que chegou a ser das 7h até à 1h da madrugada, também encurtou: foi para 8h às 20h.

A marca Girondino completa, no ano que vem, 150 anos. A situação de queda vertiginosa do faturamento impediu que as atividades seguissem até a data festiva.

“A gente estava tentando (chegar aos 150 anos), mas era tanto aporte para segurar a estrutura do Girondino, que chegou uma hora que ficou insustentável”, explica Nunes. Era melhor encerrar a operação e pagar corretamente os cerca de 30 colaboradores, do que arrastar por mais alguns meses e ter uma dívida imensa com os funcionários. Por isso, a casa se encerra antes deste momento (comemoração dos 150 anos).”

Café era beneficiário de programa do governo de revitalização do centro

O Triângulo Histórico é um dos focos do poder público para revitalizar o centro. Em fevereiro, o Café Girondino foi um dos estabelecimentos contemplados com uma medida do governo estadual, que liberou linha de crédito de R$ 200 milhões para comerciantes da região com o objetivo de “requalificação do centro”.

Felippe Nunes chegou a comentar na ocasião, conforme divulgado pelo governo paulista, que o financiamento poderia ajudar até em uma possível expansão da cafeteria, com ampliação da equipe de funcionários.

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“A gente acreditava que teria uma retomada maior do centro, que as pessoas retornariam com maior velocidade. Mas como não teve a retomada como a gente imaginou, saímos de um plano de reestruturar a casa e ter mais pessoas na equipe, para um cenário de finalizar a operação, lamentavelmente”, disse Nunes, em relação às expectativas criadas em fevereiro.

“Parece perto (o tempo entre pensar em expandir, em fevereiro, e fechar as portas), mas a atividade do centro, não cresceu como a gente imaginou que fosse crescer”, completou o empresário.

Revitalização do centro

Questionada, a Prefeitura de São Paulo disse que desde 2021 a administração municipal realiza políticas para revitalizar o centro, incluindo o endereço onde funcionava o café.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) cita, como estratégias, o Programa Requalifica Centro, que concede incentivo fiscal e urbanístico para atrair investidores na recuperação de prédios antigos no centro, e a Lei do Triângulo e Quadrilátero, que promove incentivos por meio de isenção parcial de impostos, como IPTU.

A marca 'Girondino' completaria 150 anos em 2025, mas os custos para manter o negócio em pé impediram o café de chegar a marca histórica. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Afirma também que 184 novos comércios tiveram seus alvarás de obras aprovados no centro de São Paulo desde 2021; e que 5.828 empresas se instalaram na área da Subprefeitura Sé entre 2021 e 2023.

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A Secretária de Segurança Pública do Estado afirma que o governo reforçou o policiamento na região. Segundo a pasta, os roubos e furtos caíram 31,9% e 21%, respectivamente, nos quatro primeiros meses deste ano ante o mesmo período de 2023. “Esse resultado é fruto do trabalho integrado das forças policiais, bem como do uso de tecnologia no combate ao crime”, acrescenta.

Sobre os usuários de drogas, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) informa que o Hub de Cuidados em Crack e outras Drogas, programa do Estado, atendeu cerca de 18 mil pacientes desde a sua implantação, em abril do ano passado.

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