Em meio a uma disputa judicial para encerrar as corridas de cavalo para apostas no Jockey Club de São Paulo e uma maratona de votações, a Câmara Municipal aprovou nessa terça-feira, 2, a liberação de prédios de até 28 metros em duas quadras restritas a casas no entorno do hipódromo, na Cidade Jardim, na zona sul. A medida expande uma controversa mudança no zoneamento de diversos quarteirões daquele entorno em abril, quando os vereadores derrubaram vetos do prefeito, Ricardo Nunes (MDB).
A nova classificação para imóveis em parte da atual Zona Exclusivamente Residencial (ZER) do bairro está entre as 40 emendas aprovadas em bloco (todas em conjunto) pelos vereadores após a votação da “minirrevisão” da Lei de Zoneamento. Essa alteração nova abrange a Rua Taques Alvim, a Avenida das Acácias e a Rua Jaguanambi, que passam a ser uma Zona Mista (ZM), a qual permite prédios medianos e diversos tipos de comércios e serviços.
A emenda é de autoria do vereador Isac Félix (PL). Procurado pelo Estadão, ressaltou que a “proposta visa a estabelecer uma zona de transição, como amortecimento ao bairro, para preservar suas características e, ao mesmo tempo, (se) adequar às dinâmicas da Lei de Zoneamento”. Além disso, na emenda, justificou que a Avenida das Acácias teria um “fluxo de veículos maior”.
A mudança chama a atenção por ocorrer logo após a sanção do prefeito à lei que pode impactar a permanência do Jockey na vizinhança — temporariamente suspensa pela Justiça após ação movida pelo clube.
No ano passado, a nova lei do Plano Diretor listou o hipódromo como um dos espaços preferenciais a serem transformados em parque na cidade. Como o Estadão mostrou, a Prefeitura era contrária a um parque no local ao menos até 2021, chamando então a iniciativa de “inviável”.
Quando o Estadão revelou a alteração de outra parte da ZER da Cidade Jardim, especialistas chamaram a medida de ilegal e em desacordo com o que foi tratado na própria revisão do zoneamento: de que não seriam feitas alterações nas zonas exclusivamente residenciais. Apontamento semelhante havia sido feito pelos próprios técnicos da Prefeitura, o que havia embasado o veto de Nunes, posteriormente derrubado pelos vereadores.
As duas quadras impactadas agora contemplam vias com trânsito local, segundo classificação da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), duas delas sem saída. Hoje, a ocupação é por casas de alto padrão, grande parte delas isoladas da calçada por portões e muros. A maioria da ZER da Cidade Jardim continua com o zoneamento restritivo.
Presidente da Sociedade Amigos Cidade Jardim, o advogado Marcelo Gatti Reis Lobo soube da emenda recém-aprovada ao ser procurado pelo Estadão. Ele considera a alteração “absurda” e sem embasamento legal, a qual será também contestada na ação que a entidade pretende levar à Justiça em breve.
Durante a “minirrevisão” do zoneamento, a organização reivindicou a anulação da mudança de parte da ZER da Cidade Jardim, o que não foi acatado. Lobo também refuta o argumento do autor da emenda, ao dizer que a Avenida Acácias seria movimentada. “É exatamente o oposto: é uma via tranquila, com pouco fluxo de veículos. Extremamente arborizada, com casas de altíssimo padrão.”
Por outro lado, a Associação Vizinhos do Jockey entregou carta pela manutenção das alterações de abril durante audiência pública na segunda-feira, 1º. A alegação é de que a maioria dos moradores do “bolsão um” (o principal impactado) é “favorável ao novo zoneamento e contrária a qualquer medida judicial e extrajudicial que se oponha”.
Uma das mais importantes leis urbanísticas, o zoneamento determina o que pode ser construído ou funcionar ao lado da sua casa ou em qualquer outro lugar da capital paulista. Também delimita áreas de preservação e com maiores restrições. Alterações nessa lei foram aprovadas pelos vereadores na terça-feira, 2, parte delas em 40 emendas, publicadas no Diário Oficial daquele dia, às vésperas do recesso.
Prefeito pode vetar mudanças
Em agenda pública sobre outro tema nesta quarta-feira, 3, Nunes respondeu a jornalistas que alterações em leis são uma prerrogativa dos vereadores, as quais ocorreram de forma democrática. Disse, contudo, que as mudanças serão avaliadas por técnicos e que poderão ocorrer vetos, a exemplo do que fez com a Lei de Zoneamento (uma parte dos vetos depois derrubada pelo Legislativo).
“Evidentemente, a análise técnica sempre vai caber ao final ao Executivo. Agora, vai caber a nós, o Executivo, (decidir) se vai sancionar na integralidade, se vai vetar alguns pontos”, destacou. Nunes tem 15 dias para tomar a decisão após receber a carta de lei (o que deve levar alguns dias após a redação final, com a incorporação de todas as emendas aprovadas).
As alterações feitas em abril liberaram a construção de prédios e atividades de comércios e de serviços variadas na Rua Doutor José Augusto de Queiroz, na Rua Severo Dumont, na Rua Doutor Alberto da Silveira, na Rua Fonseca Teixeira e em outras vias da Cidade Jardim. A mudança está em vigor após ser promulgada pelo presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), no dia 17 daquele mês.
Nesse caso, a alteração causou mais estranhamento, pois transformou parte das ZERs e das Zonas Corredor (ZCor) da Cidade Jardim em Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana (ZEM).
A nova classificação foi instituída em cerca de 200 imóveis do bairro, incluindo ainda uma quadra que antes era Zona Mista (na qual já eram permitidos predinhos).
A mudança permitiu ampla variedade de serviços comerciais e de serviços. Além disso, dá aval à construção de prédios com até 28 metros de altura e o dobro do volume construtivo permitido hoje (limitado a uma vez a área do terreno e 10 metros de altura) em ZER e ZCOR.
Região tem projetos de novos condomínios residenciais
A população do entorno tem relatado imóveis da área vendidos recentemente ao Grupo RZK (também grafado como Rezek) — o mesmo do Reserva Raposo. Ao Estadão, em abril, o grupo confirmou ter terrenos na vizinhança, para os quais desenvolvia projetos de condomínios residenciais horizontais.
Com o novo enquadramento como ZEM, afirmou que o perfil do empreendimento será revisto diante dos novos parâmetros permitidos. Já uma nova nota do grupo destaca que não possui terrenos nas quadras transformadas em ZM pela emenda.
A alteração só foi possível por meio da determinação de uma nova descrição para esse tipo de zona, promulgada na Lei de Zoneamento revisada. O Estadão identificou que essa mudança foi proposta em emenda do vereador Sidney Cruz (MDB).
Procurado à época, o vereador justificou que as emendas foram propostas após a identificação de que algumas áreas na cidade “estavam deterioradas e necessitavam de adequações urbanísticas”. Também alegou que a mudança envolve “localização estratégica para o desenvolvimento urbano do município” e que teve o objetivo de promoção de novas atividades, “revitalização urbana” e “maior dinamismo”.
A alteração havia sido negada por Nunes após indicação em pareceres técnicos municipais. Nas razões de veto, justificou-se que “o incremento de adensamento não condiz com o entorno predominantemente residencial, pois acabaria descaracterizando-o”.
Além disso, a Coordenadoria de Legislação de Uso e Ocupação do Solo e a Coordenadoria de Planejamento Urbano apontaram a impossibilidade de demarcar ZEM em áreas consolidadas. Nos pareceres, diziam estar “conceitualmente errado” esse tipo de medida.
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