Câmera inteligente ajuda a achar criminosos até pela cor da roupa; veja como funciona

Equipamentos fazem reconhecimento facial e detectam movimentos suspeitos; desafio, dizem especialistas, é integrar a outras políticas e evitar violações de privacidade

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Foto do author Giovanna Castro

Câmeras inteligentes que fazem reconhecimento facial, identificam bandidos pela cor da roupa ou alertam sobre movimentações suspeitas, como pular um muro, têm sido apostas do poder público para frear a violência urbana. Além de identificar suspeitos com base no relato da vítima logo após o roubo, por exemplo, os softwares podem apontar padrões criminais, como rotas de fuga ou áreas com recorrência de casos.

Em São José dos Campos, sistema de câmeras inteligentes ajuda a identificar suspeitos e padrões de crime Foto: Werther Santana/Estadão

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O desafio, segundo especialistas, envolve integrar o uso da tecnologia a outras estratégias de segurança pública. Além disso, é preciso adotar protocolos de privacidade e evitar vieses racistas e falhas na identificação.

Curitiba e Santo André, no ABC paulista, reduziram o roubo veículos em 40% e 43%, respectivamente, um ano após a implementação da Muralha Digital, em que radares reconhecem placas de veículos roubados nas principais vias e bordas das cidades, fazendo acompanhamento da rota seguida por eles.

São José dos Campos (SP), apontada como uma das mais avançadas na estrutura tecnológica anticrime, adotou câmeras com inteligência artificial (Centro de Segurança e Inteligência, o CSI) em 2021. Conforme balanço da gestão municipal, os roubos caíram 33% entre 2020 e o ano passado.

Os equipamentos têm leitor de placa, reconhecimento facial que busca procurados pela Justiça e desaparecidos e rastreiam suspeitos por características relatadas pela vítima, como tipo da roupa ou se usava bicicleta na hora do crime.

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Equipamentos desse tipo alertam sobre movimentos suspeitos, como pular o muro de uma propriedade privada ou imóvel público. Esta funcionalidade não é utilizada em São José, mas sim em São Paulo, que recentemente adotou a mesma tecnologia.

“Automaticamente é detectado que houve uma invasão de perímetro e é disparado um alarme na central de operações”, afirma Vanderson Stehling, responsável pela implementação das tecnologias da empresa chinesa Hikvision, fornecedora em São José dos Campos e agora também na capital paulista.

A Prefeitura de São Paulo anunciou em agosto do ano passado o projeto de comprar 20 mil câmeras inteligentes para a segurança pública. Hoje, segundo o Município, 10 mil já estão em funcionamento.

A operação começou, de fato, em fevereiro. Entre os locais que já contam com o equipamento, está a Ponte Estaiada, na zona sul, a Avenida Paulista e a Praça da Sé, na região central. Até o fim do ano, as 20 mil câmeras devem estar funcionando, segundo a Prefeitura.

Um dos principais objetivos é monitorar o centro, que tem sofrido com frequentes ondas de roubos, sobretudo de celulares, e o espalhamento de usuários de drogas da Cracolândia. Para região, são previstas 3 mil câmeras.

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Outro foco são os principais locais de circulação de pessoas, carros e conexões com outras cidades – esses últimos, considerados chave na procura por veículos roubados.

O projeto Smart Sampa, da gestão Ricardo Nunes (MDB), foi alvo de questionamentos, especialmente pelo uso de reconhecimento facial, risco de vazamento de dados sensíveis e impacto na privacidade, sobretudo diante das exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O projeto chegou a ser suspenso por decisão da Justiça, mas a iniciativa foi retomada pela Prefeitura após ajustes no edital. Ainda em 2023, a gestão municipal afirmou ter definido um “sistema de controle muito rígido” para as câmeras.

Câmeras inteligentes já estão em operação na cidade de São Paulo, em pontos como a Avenida Paulista (foto) e a Ponte Estaiada Foto: Felipe Rau/Estadão

Sobre as preocupações com o reconhecimento facial – houve críticas sobre o risco de a tecnologia apresentar vieses racistas -, o secretário adjunto da pasta municipal da Segurança Urbana, Junior Fagotti, disse que “a plataforma só vai levar pontos biométricos faciais, sem reconhecer cor”.

A gestão afirma ainda que a identificação de foragidos não dependerá só da câmera, mas também da avaliação presencial. Um comitê composto por sete pastas - entre elas a de Segurança Urbana, Transportes, CET e SPTrans, e eventualmente as polícias Civil e Militar - será responsável por analisar as imagens. O custo mensal previsto para as 20 mil câmeras é de R$ 9,8 milhões por mês.

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“Na primeira semana da operação, o programa possibilitou a localização de mulher desaparecida, por meio do banco de dados da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Desde então, outras quatro desaparecidas foram localizadas”, diz a Prefeitura.

“Esse recurso permite que os agentes de segurança identifiquem qualquer procurado da Justiça ou uma invasão, possibilitando resposta imediata e eficaz para inibir potenciais ameaças a segurança e ao patrimônio público”, acrescenta.

O governo da Bahia já capturou 1.523 foragidos da Justiça, com ordens de prisão, em quatro anos do seu programa de câmeras com reconhecimento facial em espaços públicos e grandes eventos, como o carnaval de Salvador. O sistema já identificou até um criminoso que estava nas ruas como folião, fantasiado de mulher.

Segundo Stehling, da Hikvision, toda a operação das câmeras fica a cargo da administração municipal. Nenhuma outra empresa, diz ele, tem acesso aos dados, o que é uma das maiores preocupações de especialistas, por se tratarem de informações sensíveis.

Análise de imagens permite encontrar suspeitos com base no relato da vítima Foto: Werther Santana/Estadão

As câmeras também devem fazer parte do sistema de “Muralha Digital”, que vem sendo testado pelo governo do Estado para reforçar o monitoramento de carros roubados.

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‘Só implantar tecnologia não resolve’

“Sou um grande entusiasta da tecnologia, mas só ela não resolve. Em relação ao uso de inteligência artificial, por exemplo, temos um desafio anterior e grande, ainda, que é o fato da nossa base de dados ser ruim. Isso impacta na qualidade do produto da IA”, afirma Marcelo Batista Nery, sociólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, criar leis que garantam segurança a dados sensíveis e evitem vieses racistas, sem banir o progresso tecnológico, é o caminho. “Toda essa tecnologia atinge diferentes grupos, de modos diferentes”, diz.

“Tem de ser discutida com a sociedade e servir para melhorar a qualidade de vida, ao mesmo tempo em que protege os mais vulneráveis”, reforça ele, também pesquisador da Associação Brasileira de Empresas de Softwares (Abes).

Johann Dantas, presidente da Associação Nacional de Cidades Inteligentes, Tecnológicas e Inovadoras (ANCITI), acredita que um gargalo é a falta de infraestrutura tecnológica básica, como pontos públicos de rede de internet, em muitas cidades brasileiras.

Após resolver a infraestrutura, vem a complexidade de implementação, o que pode incluir testes com diferentes tipos de tecnologia. “Precisa ouvir as pessoas, conhecer os problemas daquele local e buscar por soluções”, acrescenta ele, também CEO da Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo (Prodam). “Nem sempre, o que funciona aqui, vai funcionar lá.”

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A integração de diferentes bases de dados também é considerada chave. “Um exemplo disso é o (sistema de câmeras) Detecta, do governo do Estado de São Paulo, que junta as bases da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Detran”, destaca.

Botões do pânico e até óculos com IA

Em São José dos Campos, outra inovação, iniciada em 2023, são óculos com inteligência artificial pelos guardas civis. Integrados ao sistema do Centro de Segurança e Inteligência (CSI) por meio de câmeras inteligentes acopladas aos óculos, eles fazem reconhecimento facial e leem placas de veículos.

Na central, agentes de segurança analisam as imagens enviadas pelos óculos como se estivessem vendo presencialmente, o que aumenta a capacidade de avaliação do entorno.

Já o guarda que usa os óculos pode ler, na tela do olho direito, informações enviadas pelo CSI e obter ajuda remota com vídeos e até a ficha criminal do suspeito.

Óculos inteligentes permitem o compartilhamento de imagens registradas por guardas nas ruas com central de monitoramento Foto: Adenir Britto/PMSJC

A tecnologia não precisa ser manejada somente pelos agentes de segurança, mas em alguns casos é utilizada pelo próprio cidadão. Em São José, vítimas de violência doméstica carregam um dispositivo portátil, semelhante a um chaveiro.

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Quando acionado, ele dispara alerta no CSI. O “chaveiro” tem conexão com a internet e fornece à polícia a localização da vítima em tempo real.

“Isso nos permite ter agilidade e acompanhamento da mulher, porque ela aciona o dispositivo e nunca fica no mesmo lugar, esperando ser agredida”, diz Bruno Santos, secretário de Proteção ao Cidadão na cidade. Mais de 80 agressores já foram detidos por meio desse modelo.

Em Santo André, o botão de acionamento rápido de socorro para vítimas de violência doméstica funciona em um aplicativo. Chamado ANA, ele é baixado no celular da mulher por equipes da Patrulha Maria da Penha, da Guarda Civil Municipal, mediante apresentação da medida protetiva judicial.

“Com apenas dois toques, a vítima consegue realizar o acionamento da GCM”, diz a prefeitura. Os guardas passam a ter acesso à localização GPS da vítima e enviam a viatura mais próxima. Em dois anos e meio de projeto, 420 mulheres já instalaram o app; o botão foi acionado 30 vezes e 6 agressores foram presos em flagrante.

Em São Paulo e Curitiba, aplicativos similares acionam rapidamente a polícia em caso de atentado a escolas. Eles são costumam ser colocados à disposição só para membros da comunidade escolar, a fim de evitar alarmes falsos.

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A agilidade no acionamento também é uma estratégia para capturar ladrões e, eventualmente, conseguir a devolução de itens. Por isso, têm se popularizado os botões de pânico mesmo em municípios de menor porte, como Itabira, em Minas Gerais, de 120 mil habitantes.

“Recomendamos (o botão de pânico) para locais de grande movimento, onde há alto índice de roubo e furto”, afirma Ibrahim Boufleur, CEO da Tecno IT, uma das empresas que fornecem a tecnologia .

“São locais estratégicos, como grandes praças e parques. Não seve ser colocado em todo e qualquer local”, continua ele, responsável pelo projeto de Itabira, que utiliza o botão acoplado a postes.

Acionado, o botão dispara um alarme no próprio poste e na central de monitoramento da guarda municipal ou da PM. Também envia imagem do local no momento em que o botão foi acionado – a tecnologia precisa estar integrada ao sistema de câmeras. “Assim, é possível avaliar se foi alarme falso ou não”, diz Boufleur.

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