Em dois dias, a Alfândega da Receita Federal apreendeu no Porto de Santos mais do que o triplo da quantidade de cocaína que havia sido interceptada por lá em todo o ano de 2024. Ao todo, 1.262 kg da droga foram encontrados nesta semana, número superior aos 361 kg localizados de janeiro a junho. As possíveis causas da alta repentina ainda são apuradas.
Nesta quinta-feira, 4, a Receita interceptou um total de 380 kg de cocaína em um de dois contêineres de um carregamento de 42 toneladas de café cru em grão.
A apreensão, a quinta do ano, se deu dentro de um dos mais de 50 terminais do Porto de Santos, considerado o maior do hemisfério sul. O navio cargueiro onde a droga seria embarcada ia para o porto de Gotemburgo, na Suécia, mas ainda faria baldeação no porto de Antuérpia, na Bélgica, o que dificulta a compreensão de qual seria o destinatário final da cocaína apreendida.
Como mostrou o Estadão, antes da apreensão desta quinta, a Receita Federal já havia realizado na manhã de terça-feira, 2, a maior apreensão de droga do ano no Porto de Santos: 882 kg de cocaína foram interceptados em só um contêiner. A carga estava escondida em meio a uma remessa de 677 toneladas de açúcar, segundo as autoridades.
O navio para onde os entorpecentes seriam levados tinha como destino a Guiné, na África Ocidental. Mas, antes de chegar até lá, também faria baldeação em Antuérpia.
“Como a Europa é um grande consumidor da cocaína, mais provavelmente a droga iria ser retirada ainda por lá”, afirmou na última terça Richard Neubarth, delegado da Alfândega da Receita Federal do Porto de Santos.
Como mostrou o Estadão, o Primeiro Comando da Capital (PCC), principal organização criminosa a operar no Porto de Santos, tem a Europa como o principal destino dos carregamentos que saem do Brasil.
Por lá, o grama da cocaína pode chegar a US$ 85 (R$ 480, na cotação atual). Em países vizinhos ao Brasil, como Colômbia, Peru e Bolívia, a mesma quantidade pode ser comprada por apenas US$ 1 (R$ 5,65).
O lucro com o tráfico internacional é tamanho que a organização criminosa aumentou o envio de drogas para a África como forma de diversificar suas rotas. Muitas vezes, enviar a droga para lá pode facilitar a destinação posterior para países de Ásia, Oceania e Europa.
Conforme Receita, em ambos as apreensões desta semana, o entorpecente foi encontrado durante a execução de trabalhos de vigilância e repressão aduaneiras, realizados continuamente por equipes da Alfândega. As identificações da carga ilícita contaram com auxílio de um cão farejador.
Após confirmada a “contaminação” (quando há presença de droga em meio a cargas aparentemente lícitas), a conduta padrão é acionar a Polícia Federal para realizar a perícia no local onde a cocaína foi encontrada a fim de subsidiar a investigação sobre as origens e destinação da droga. Em muitos casos, as atividades ocorrem de forma alheia às transportadores.
Quais foram as outras interceptações realizadas neste ano pela Receita?
- 20 de março: 46 kg de cocaína estavam escondidos na estrutura do contêiner refrigerado com destino a Sydney, na Austrália;
- 05 de junho: 271 kg de cocaína foram encontrados na carga de papel sulfite com destino a Le Havre, na França;
- 24 de junho: 44 kg de cocaína foram localizados na estrutura do contêiner refrigerado com destino a Roterdã, na Holanda.
Quantos quilos de cocaína foram apreendidos em outros anos no Porto de Santos?
Ainda com a apreensão desta quinta, a quantidade de cocaína apreendida neste ano segue em patamar bem abaixo do que se viu em períodos anteriores, segundo dados da Receita. Confira abaixo a quantidade interceptada não só em 2024, como em outros anos:
- 2024: 1.623 kg
- 2023: 7.143 kg
- 2022: 16.075 kg
- 2021: 16.917 kg
- 2020: 20.572 kg
Uma das hipóteses para isso é que o crime organizado tem diversificado os portos usados para enviar cocaína ao exterior. O Porto de Salvador, por exemplo, é visto como alternativa aos terminais de Santos e do Rio de Janeiro, já muito visados por operações policiais, para o tráfico internacional.
Em Santos, como mostrou o Estadão em reportagem especial publicada neste ano, por mais que o tráfico via contêineres seja mais “tradicional”, uma tática que tem ganhado força no período recente é o uso de “caixas de mar” (recipientes localizados no casco).
Isso porque, no envio de cargas para Europa e África, o tráfico via contêiner passou a ter mais risco com medidas implementadas nos últimos anos: a regra é que as cargas com destino a esses continentes sejam obrigatoriamente vasculhadas por scanners logo na chegada aos terminais.
No último ano, 1,68 tonelada de cocaína foi apreendida em cascos de navios no Porto de Santos por mergulhadores militares, mais do que o triplo do que os 483 quilos interceptados em 2020, segundo balanço da Marinha obtido pelo Estadão.
Dados da Alfândega de Santos reunidos pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) mostram como o tráfico submarino tem crescido. Em 2020, a proporção de droga achada em cascos de navios era de 2,3% do montante. Em 2023, só até agosto, a fatia saltou para 13,5%.
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