O público estimado do carnaval de rua de São Paulo aumentou 15 vezes desde 2014, quando passou a ser realizado de forma oficial na cidade. O que era um crescimento celebrado se tornou, contudo, uma preocupação em meio à pandemia da covid-19.
Embora o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tenha até declarado publicamente que espera repetir os 15 milhões de foliões da última edição, as manifestações da gestão municipal têm destacado que a realização depende da situação sanitária. Nos materiais de divulgação da celebração, há até mesmo um asterisco e a referência “autorização definitiva condicionada à Covisa (Coordenação de Vigilância em Saúde)”.
Neste cenário, o início do planejamento tem gerado hesitação entre os blocos de rua, dos quais parte significativa dos que costumam ter atividades presenciais nesta época do ano ainda não voltou. O principal motivo para o receio em desfilar no ano que vem é a falta de parâmetros sanitários definitivos para a definição da realização do evento, que poderiam facilitar no monitoramento e dar maior segurança à organização.
Uma cobrança semelhante ocorreu no Rio. Por lá, a pedido de uma comissão de vereadores, a Fiocruz e a UFRJ elaboraram cinco parâmetros para a realização do carnaval, incluindo a cobertura vacinal completa de 80% da população (no País, no Estado e na cidade) e a média móvel semanal de até 1,63 caso a 100 mil pessoas das Síndromes Gripal e Respiratória Aguda Grave (que incluem a covid-19).
O relatório também indica protocolos sanitários, tais como a exigência de passaporte da vacina no acesso a hotéis e espaços fechados, além da criação de um “Painel do Carnaval” para a divulgação de indicadores. Em nota ao Estadão, a Prefeitura do Rio disse avaliar as sugestões dos pesquisadores.
Sem a definição de indicadores, alguns blocos paulistanos veem a situação como ainda nebulosa. Com as inscrições para os desfiles abertas no dia 15, parte ainda discute o que fazer enquanto outros vão preencher os formulários, porém com o plano B de cancelar a participação semanas antes (como algumas agremiações menores já fizeram em outros anos quando não conseguem obter recursos e afins).
No Rio, por exemplo, o número de pedidos de desfiles para participar da programação oficial de 2022 foi inferior ao do carnaval anterior à pandemia, embora ainda seja alto. Em 2020, a Prefeitura recebeu 731 solicitações (das quais 441 foram autorizadas), enquanto foram 620 feitas para o ano que vem.
Há a possibilidade que este recuo se repita em São Paulo. “Estamos mais pela precaução do que pelo liberou geral. Daqui a dois meses, talvez o quadro será outro e já se saberá o tamanho dos inscritos. A pandemia que está no comando, ela não pode ser esquecida, nem menosprezada”, comenta José Cury Filho, representante do Fórum de Blocos do Carnaval de Rua de São Paulo, que reúne cerca de 190 agremiações.
“Se vai ter ou não, estamos esperando ainda. Diferentemente de escola de samba, o carnaval de rua é outra coisa, não é controlável (do ponto de vista sanitário, com restrição de acesso e afins)”, compara.
No Me Lembra Que eu Vou, por exemplo, os batuqueiros voltaram a se reunir presencialmente, mas ainda com menor frequência. “É mais um encontro que um ensaio mesmo”, conta Cury Neto, uma das lideranças do bloco. Para novembro, estão previstos quatro ensaios, com distanciamento, uso de máscara obrigatório e outras exigências.
Uma reabertura presencial também ocorreu no Os Capoeira, que inclui outras atividades em uma casa de cultura própria, como oficinas de percussão. “Não sabemos ainda qual vai ser a situação para o carnaval, mas o que a gente quer é que seja da maneira mais legal possível”, conta Mestre Dalua, um dos fundadores.
Ele tem identificado que os alunos das oficinas valorizaram mais a experiência por causa do afastamento temporário. “Perceberam o quanto a música era importante na vida deles”, comenta. “É uma esperança que as pessoas voltem com um olhar muito mais cuidadoso para o setor cultural. A gente como profissional da área sentiu a pandemia de uma maneira muito dura.”
No Quizomba!, as inscrições para as oficinas de percussão estavam abertas até dias atrás. Como o tempo de preparação é mais curto neste ano (geralmente começam em abril), foram aceitas apenas pessoas com experiência nos instrumentos ou iniciantes interessados em tocar chocalho (considerado mais simples e viável para aprender até o carnaval).
Há mais um porém para participar das aulas: são restritas àqueles que estão com o esquema vacinal em dia. Em São Paulo, a retomada foi em setembro, enquanto as turmas do Rio regressaram no dia 20. Por enquanto, cerca de 160 estão inscritos nas duas cidades, de acordo com André Schmidt, professor e diretor do Quizomba!
O grupo de shows e as oficinas corporativas realizadas pela agremiação ainda não voltaram, assim como a procura para eventos de fim de ano está menor. Em paralelo, há conversas com patrocinadores aos poucos, considerados essenciais para conseguir bancar a estrutura necessária para desfilar (segurança, trio elétrico e outras peças que se tornaram essenciais com o crescimento do carnaval de rua).
Já na produtora Pipoca, responsável por sete desfiles paulistanos em 2020 (incluindo os de Alceu Valença, Elba Ramalho e Monobloco), o momento é de retomar conversas e fazer pré-reservas. “A gente nem quer passar um sinal de confirmação”, diz Rogério Oliveira, fundador e gestor da empresa.
“Os números ainda precisam cair, caiu um avião por dia no Brasil em número de mortos (pela covid-19)”, lamenta. Ele conta que chega a contratar 100 pessoas por ano para o evento, mas que algumas que procurou trocaram de ramo devido ao impacto da pandemia no setor cultural.
Parte dos blocos não tem data para retorno de ensaios presenciais
Outros blocos paulistanos decidiram esperar um pouco mais antes de retomar as atividades presenciais. “O Ritaleena não ensaiou, não abrimos agenda. É uma conversa dentro do bloco e com outros”, comenta a musicista Alessa, uma das fundadoras.
“A saúde vai ser a grande protagonista do carnaval de 2022. Em um outubro normal, a gente estaria ensaiando, procurando parceiros, marcas, fazendo captação de recursos…”, compara. No bloco, há dúvidas também sobre reduções na celebração. “(O bloco) Ainda está debatendo, geralmente temos dois desfiles, e a gente não sabe se vai manter os dois”, conta.
A Confraria do Pasmado também não tem previsão para voltar a ensaiar neste ano. “Temos um médico entre os nossos fundadores e, enquanto não tiver diminuição maior nos óbitos, a gente não vai provocar aglomeração”, aponta Bruno Ferrari, um dos diretores.
O bloco tem mantido um diálogo com fornecedores, apoiadores e afins, mas vai deixar para bater o martelo sobre a participação para mais perto do carnaval. Em geral, a preparação leva uns oito meses, mas agora pode ser deixada para janeiro. “A gente quer que a vida volte a ter coisas boas, mas tem que ser com responsabilidade.”
Há ainda uma outra possibilidade não desejável pelo bloco, mas cogitada a depender da situação pandêmica. Trata-se da realização de um desfile em um espaço ao ar livre, mas com acesso restrito, a fim de haver um controle sanitário dos frequentadores. “É melhor do que nada, mas, se tiver que esperar até 2023 para fazer o maior carnaval da história, a gente vai esperar", diz Ferrari.
Programação de 2022 estará concentrada em oito dias
O carnaval de rua estará concentrado em oito dias (os quatro de carnaval e os fins de semana anterior e posterior, ou seja, 18, 19, 26, 27 e 28 de fevereiro e 1º, 5 e 6 de março). Para 2022, a Prefeitura barrou a criação de novos desfiles para o sábado e domingo de pré-carnaval nas subprefeituras da Sé, de Pinheiros, da Vila Mariana e da Lapa, pois são os dois dias com mais apresentações anualmente. A mudança está no recém-lançado Guia de Regras e Orientações, que não faz nenhuma menção à pandemia. Na terça-feira, 19, a gestão autorizou a abertura do pregão para escolha de patrocinar do carnaval de rua, que será divulgado em novembro.
Antes da programação oficial e na rua, alguns blocos e produtoras farão eventos com a temática em espaços privados. O bloco Minhoqueens abriu, por exemplo, a venda de ingressos para uma festa de “comeback” para o começo de novembro. Além disso, para os primeiros meses de 2022, há ao menos dois festivais com blocos e artistas, o CarnaBloco e o Arena Carnaval. Ambos também abriram a venda de ingressos e incluem nomes como Leo Santana, Falasamansa, Dilsinho, Siga Bem Caminhoneira e Agrada Gregos, dentre outros.
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