Carnaval de rua de SP encolheu? Por que tantos blocos desistiram de desfilar em 2024?

Evento não retoma nº de desfiles do pré-pandemia em meio a críticas à gestão Nunes e dificuldades de patrocínios; Prefeitura tem ressaltado que folia terá milhões de foliões, como em anos anteriores

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Os números do carnaval de rua da cidade de São Paulo seguem superlativos em 2024, com público estimado de até 15 milhões de pessoas, mas não batem mais recordes ano a ano. Na véspera do primeiro fim de semana da programação oficial, chamam a atenção os mais de 100 cancelamentos, não somente entre novatos, mas também entre blocos consolidados — até os que reúnem dezenas de milhares de foliões.

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A programação oficial é concentrada nos dias 3 e 4 de fevereiro (pré-carnaval), de 10 a 13 de fevereiro (carnaval) e 17 e 18 de fevereiro (pós-carnaval). O primeiro fim de semana é o que concentra o maior número de blocos, com alguns dos maiores e principais que desfilam na cidade, como Acadêmicos do Baixo Augusta, Monobloco, Ritaleena, Bicho Maluco Beleza (do cantor Alceu Valença), Casa Comigo, Bangalafumenga, Bloco da Maria (de Maria Rita) e Confraria do Pasmado.

O balanço mais recente da Prefeitura aponta 536 desfiles ao longo de três semanas, porém quatro novas desistências foram publicadas no Diário Oficial desta sexta-feira, 2. O site oficial do carnaval de rua de 2024 está com um aviso de “sujeito a alteração” e ainda não retirou informações de blocos desistentes.

Como no ano passado, o primeiro fim de semana também tem previsão de chuva. A estimativa é de pancadas de moderada a forte intensidade, com raios e rajadas de vento, principalmente no fim da tarde, conforme o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE).

O total de desfiles, por ora, é maior do que o do carnaval de 2023, que teve cerca de 480 desfiles realizados, porém novos cancelamentos podem ser confirmados. O número é menor do que o do pré-pandemia, quando 663 cortejos foram anunciados pela Prefeitura para o evento de 2020 — recorde na história do evento. O carnaval paulistano registrava aumento ininterrupto na programação, ano a ano, da liberação oficial pela Prefeitura (em 2013) até a pandemia, com queda no ano passado.

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Como o Estadão mostrou, o carnaval de rua de 2024 já havia apresentado um número de inscritos inferior ao do pré-pandemia. Foram 676 cadastrados, enquanto 2020 teve 960. A programação do ano passado chamou a atenção por alguns desfiles com público menor do que em outras edições, em meio a fortes chuvas, foliões temerosos com insegurança e efeitos da pandemia.

Diferentemente do que tem ocorrido há anos, a Prefeitura não realizou coletiva de imprensa sobre a programação deste ano. A gestão Ricardo Nunes (MDB) não respondeu aos questionamentos enviados pelo Estadão na quinta-feira, 1º. As declarações desta semana do prefeito sobre o tema foram feitas em agenda pública de entrega de kits da patrocinadora a vendedores ambulantes e ao ser questionado por jornalistas em outros eventos.

O Município tem destacado que o número parcial de cancelamentos é menor do que do ano anterior, de 213 para 129, total anunciado antes das quatro desistências desta sexta. “Se algum bloco ou outro desiste, é um problema única e exclusivamente dele, de uma organização dele. Eu gostaria que não desistisse”, respondeu Nunes ao ser questionado por jornalistas. Ele destacou que a gestão vai fornecer infraestrutura semelhante à de outros anos, com a instalação de gradis e banheiros, por exemplo.

“Na questão de dinheiro, os blocos captam diretamente patrocínios com as empresas. O que a gente tem percebido é que algumas empresas estão optando por não investir no bloco, mas em investir em bares, em locais. É uma decisão da empresa patrocinadora”, disse o prefeito. “O recurso que eles buscam e sempre buscaram foi direto do privado. Agora, se o privado resolve não lhes patrocinar, aí a Prefeitura não tem o que fazer.”

Os cancelamentos estão especialmente ligados aos custos para desfilar. Blocos de médio e grande porte relatam maior dificuldade para obter patrocínio ante as altas despesas para garantir a infraestrutura essencial para apresentações (parte dela exigida pela Prefeitura), como de trio elétrico e segurança. O Domingo Ela Não Vai — megabloco paulistano que anunciou a desistência na quarta-feira, 31 — calculava ao menos R$ 100 mil necessários para um desfile com 150 mil foliões.

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Ex-secretário municipal de Cultura da gestão Bruno Covas (PSDB) e fundador do Acadêmicos do Baixo Augusta, Alê Youssef disse que há um “apagão” na organização do carnaval de rua pela Prefeitura neste ano. “São 133 blocos cancelados. E os números estão crescendo”, postou em rede social.

Desfile do Domingo Ela Não Vai em 2020; bloco não participará do carnaval de 2024 Foto: Carla Carniel/Estadão

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Também são frequentes as críticas à gestão Nunes, que concentrou parte da organização na Secretaria Municipal das Subprefeituras após experiências com a pasta de Cultura. O anúncio do patrocinador geral (Ambev) ocorreu em meados de janeiro, diferentemente de outros anos, quando foi em novembro e dezembro. Embora os R$ 26,6 milhões sejam destinados à Prefeitura, os blocos dizem que essa definição é considerada pelas marcas ao fecharem apoios individuais a desfiles.

Em meio às críticas, Nunes tem destacado os R$ 2,5 milhões que serão pagos a 100 blocos, cujo resultado do edital foi divulgado na segunda-feira, 29. O valor total de incentivos é, contudo, inferior ao do ano passado (de R$ 4,2 milhões), assim como o número de agremiações contempladas (até 300).

Grupos criticam que o pagamento será depois dos desfiles e que o anúncio foi muito próximo do evento, o que dificultaria a destinação do recurso para contratar equipamentos e segurança na edição deste ano, por exemplo. No carnaval de 2023, o resultado foi anunciado no fim de dezembro.

Site da Prefeitura destaca que programação está sujeita a alterações e não atualizou parte dos desfiles cancelados Foto: Prefeitura de São Paulo/Reprodução

José Cury Filho, do Fórum de Blocos de São Paulo, critica o que chama de falta de diálogo com a Prefeitura — o que é negado pelo Município. Ele diz que a gestão “quer vender a imagem” de que o carnaval de rua paulistano é o maior, mas terceiriza parte das responsabilidades aos blocos. “Não põem a mão, mas faturam em cima”, resume.

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No geral, o planejamento dos desfiles começa ao longo do ano anterior. Parte dos blocos medianos e grandes realiza festas e apresentações privadas, a fim de arrecadar fundos, assim como a busca por patrocinadores. Diferentemente de agremiações menores, há maior custo de infraestrutura, especialmente com o trio elétrico. A maioria dos grupos não visa o lucro, mas a profissionalização do meio tem crescido há anos, com produtoras especializadas.

Cofundador do Domingo Ela Não Vai e representante do Blocão (que representa 11 megablocos paulistanos), Alberto Pereira Jr. conta que patrocinadores procurados neste ano trataram apenas da possibilidade de permutas ou valores baixos. “A gente não depende só de marcas: faz eventos ao longo do ano, mas não foram suficientes”, explica.

Este ano, seria o sétimo desfile do bloco, que aponta também aumento nos custos. “A gente costuma brincar entre os organizadores que a tabela de preços do carnaval não obedece à inflação. De ano a ano, aumenta o preço”, diz. “A gente tem a tradição de levar uma multidão. Um trio pequeno não daria conta, iria frustrar o público e a gente.”

A perspectiva é buscar novas fontes de recurso para voltar às ruas no ano que vem. Com o desfile cancelado, a festa de pré-carnaval que seria o “esquenta do bloco” (em um espaço privado e com venda de ingresso) se tornou a celebração deste ano.

Relato semelhante é feito por Jorge Minoru, um dos fundadores do Meu Santo é Pop. O patrocinador do ano passado reduziu o número de contemplados neste ano.

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Ele avalia que a dificuldade de obtenção de novo patrocínio é ainda maior por ser um bloco LGBTI+. O grupo é um dos principais com esse perfil na cidade. “Não ter o bloco me parece um esvaziamento do carnaval de São Paulo, especialmente o LGBT”, avalia.

Como o Estadão mostrou, o crescimento entre o público LGBTI+ estão entre os principais impulsionadores da folia de rua, atraindo visitantes também de fora de São Paulo e até “exportando” blocos para outras capitais. “A gente entende que o nosso bloco construiu muito do que é o carnaval de São Paulo”, diz Minoru.

Os cancelamentos envolvem agremiações com perfis diversos. No carnaval paulistano desde 2019, o Berço Elétrico também não voltará às ruas neste ano. O bloco é conhecido por disponibilizar infraestrutura para receber famílias, como fraldário, e atrações variadas, como apresentações circenses. “Não é simplesmente colocar na rua e fazer festa. Tem estrutura e um custo bem considerável por trás”, diz Diogo Rios, um dos fundadores.

O bloco geralmente é viabilizado com recursos da produtora de Rios, mas foram insuficientes. A última esperança era o edital de incentivo da Prefeitura, mas a agremiação não ficou entre as 100 selecionadas. “É uma pena, porque é um bloco que traz imagem bacana para cidade, de que a família pode ir sem preocupação. A ideia é repensar em como organizar, como levantar recursos para sair no ano que vem”, conclui.

Pesquisador de carnaval e doutorando em Sociologia, Vinicius Teixeira avalia que a folia tem sido tratada pelo poder público mais pelo aspecto econômico (o retorno estimado pela Prefeitura no ano passado foi de R$ 2,9 bilhões) do que cultural, o que não atenderia à demanda de grande parte das agremiações. “Virou um produto”, resume.

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Ele considera que as exigências e custos altos se tornaram um desestímulo. “Muitos dos blocos são pessoas físicas. O embate gera um desgaste”, analisa.

Já o professor da UFBA e autor do livro recém-lançado Direito à Folia, Guilherme Varella cita o aumento dos custos, o tipo de gestão feita pela Prefeitura e a dificuldade de patrocínio diante da “concorrência” com desfiles de artistas nacionalmente conhecidos.

“O patrocinador quer grandes e megablocos, que tenham visibilidade, mídia, público, apelo. É um fenômeno mercadológico e natural”, aponta o pesquisador, que foi chefe de gabinete na Secretaria Municipal de Cultura em 2013. “A grande maioria dos blocos são pequenos e médios. E esses não são atraentes ao patrocinador. Quando são, exigem coisas muito desproporcionais.”

O especialista pondera que parte dos cancelamentos são típicos e ocorrem todos os anos. Um exemplo são os produtores que inscrevem novas agremiações e desfiles extras dentro do prazo estipulado antes de ter a viabilidade da iniciativa garantida, já que a negociação de patrocínios e afins geralmente ocorre entre o fim e o início do ano.

Apesar dos cancelamentos, o carnaval paulistano terá desfiles de diferentes portes em todas as regiões da cidade. Entre as vias voltadas a blocos médios e grandes, estão as Avenidas Brigadeiro Faria Lima, Henrique Schaumann, Paulo VI, Marquês de São Vicente, Pedro Álvares Cabral e Engenheiro Luiz Dumont Villares e as Ruas da Consolação, Laguna e Augusta, dentre outras.

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A dispersão segue uma hora mais cedo do que no período pré-pandemia, com autorização para som até as 18h e dispersão prevista até 19h. O número de ambulantes cadastrados aumentou, de 15 mil para 20 mil. A Prefeitura diz que serão disponibilizados mais de 30 mil banheiros químicos.

Iza, Teatro Oficina e Dzi Croquettes: carnaval também terá estreantes

O carnaval deste ano também terá novos blocos. Diferentemente da edição passada, a Prefeitura não divulgou um balanço de estreantes, tampouco respondeu aos questionamentos feitos pelo Estadão sobre esse aspecto.

Entre os estreantes de maior destaque, estão o Bonde Pesadão (da cantora Iza), o Filhos do Zé (em homenagem ao dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, morto no ano passado) e Os Croquettes do Dzi (que celebra o grupo artístico Dzi Croquettes).

Três integrantes originais do grupo participarão do desfile em homenagem ao Dzi Croquettes, marcado para o domingo de pós-carnaval, 18, no Butantã, zona oeste. São eles: Bayard Tonelli, Cláudio Tovar e Ciro Barcelos (cofundador da agremiação).

O cortejo será marcado por performances e participações de diversos artistas contemporâneos e que se inspiraram no grupo de teatro musical, que marcou os anos 1970. Entre eles, estão as cantoras Maria Alcina e Leiloca Neves (ex-As Frenéticas), a atriz Grace Gianoukas e a drag queen Tchaka.

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“É uma homenagem a ícones que estão sendo esquecidos”, descreve Paulo Marcel, cofundador do bloco. “A comissão de frente vai ser toda performática, com dança e figurinos com capas enormes. A intenção é reunir a multiplicidade cultural da cidade, com teatro, intervenção e dança.”

Blocos em homenagens a artistas já são tradição no carnaval paulistano. Em 2023, um dos estreantes foi o Gal Total, em homenagem a Gal Costa, por exemplo, que repetirá a experiência neste ano.

O Bonde Pesadão vai desfilar no domingo de carnaval, 11, no distrito de Santo Amaro, na zona sul. O desfile terá a participação especial da cantora MC Carol e outros convidados.

Já o Filhos do Zé será realizado por integrantes do Teatro Oficina. O desfile será no pós-carnaval, no dia 18, pelas ruas do Bixiga, no centro. O cortejo será embalado por uma bateria, com canções de espetáculos apresentados na trajetória da companhia teatral.

Apesar dos cancelamentos, o carnaval de rua de São Paulo vai repetir a programação diversa de outras edições. Como o Estadão mostrou em 2023, há opções inspiradas até mesmo em manifestações oriundas de outras partes do País, como o frevo e o boi bumbá.

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