Serão muitas as homenagens àquela que tanto embalou décadas de carnavais. A figura, o legado e as canções interpretadas por Gal Costa são temas dos desfiles de novos e tradicionais blocos de rua de São Paulo deste ano, como Acadêmicos do Baixo Augusta, Tarado Ni Você e Bloco Pagu, meses após a morte da artista, em novembro, aos 77 anos. A folia paulistana também contará com a estreia de um bloco totalmente dedicada à trajetória da artista, o Gal ToTal.
“Será uma celebração, um bloco muito diverso. Tem a figura da Gal em todas as camadas que representa e pode representar, de mulher, mãe, que sempre se posicionou, que fez uma revolução estética lá atrás”, descreve a cantora Zulaiê Silva, de 34 anos, uma das idealizadoras do grupo e conhecida pelo nome artístico Zu Laiê. “Pessoas como a Gal não morrem. Mesmo vivas, já eram imortais.”
Zu Laiê conta que sentia falta de um desfile dedicado totalmente à cantora no carnaval paulistano, como ocorre com outros grandes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso (bloco Tarado Ni Você), Gilberto Gil (Filhos de Gil), Maria Bethânia (Explode Coração) e outros. “Tem que ter o da Gal. Foi um lance que convergiu. Mesmo que ela não tivesse passado para o outro plano, a gente teria feito do mesmo jeito.”
O bloco é liderado por quatro mulheres artistas (as demais são Ellen Nicole, Marcela Corano e Ananda Macedo), parte delas com uma forte presença de canções interpretadas por Gal Costa nos próprios repertórios de shows. A proposta é homenagear a complexidade da trajetória da homenageada, “na história, na cultura, na sociedade, na memória e nos afetos”, com canções que vão desde os anos 1960 até os últimos anos de carreira.
No repertório do desfile, estão confirmadas Brasil, Aquarela do Brasil e Miami Maculelê, dentre outras, a maioria de canções conhecidas do público. O desfile ocorrerá no domingo de pré-carnaval, 12 de fevereiro, no entorno da Praça Elis Regina, no Butantã, zona oeste.
A expectativa é de 500 a mil pessoas, com um perfil voltado a famílias e sem a intensão de atrair multidões. Haverá um espaço exclusivo para crianças foliãs, com tapetes e brinquedos.
Blocos tradicionais escolheram Gal Costa como tema para carnaval de 2023
Gal Costa também foi escolhida como o tema anual do desfile de alguns dos maiores blocos paulistanos. Será lembrada no repertório, com releituras em ritmos carnavalescos, e na estética dos cortejos, com cores e imagens que remetem à artista. As celebrações começarão já no fim de semana de pré-carnaval.
“A Gal tem um pedaço importante da carreira dela que tem muito a ver com o carnaval”, aponta o músico Wilson Simoninha, diretor musical e um dos fundadores do Acadêmicos do Baixo Augusta. “Foi uma artista transgressora sempre. No começo, tinha uma coisa meio bossa nova. Logo depois virou uma artista super moderna, depois flertando com o rock e novas linguagens. Transgressora no jeito de se vestir, no cabelo. Ela era isso. E tinha um talento musical espetacular, uma camaleoa durante toda a carreira, sempre com excelência musical e muito sólida até o fim.”
A homenagem será protagonizada especialmente pelas cantoras Céu, Marina Sena e Tulipa Ruiz e a atriz Sophie Charlotte, que interpreta a artista no filme Meu Nome É Gal, a ser lançado neste ano. Marcado para 12 de fevereiro e com expectativa de mais de 1 milhão de pessoas, o desfile terá mais participações especiais, como do Olodum, e “surpresinhas”. Outros grandes nomes da música que morreram em 2022 também serão lembrados ao longo do cortejo, como Elza Soares e Erasmo Carlos.
O desfile foi batizado de Atentos e Fortes, em referência à canção Divino Maravilhoso (gravada por Gal na Ditadura Militar) e ao momento de ameaças à democracia. “A gente sempre tem uma conotação política, no sentido de cidadão, de lutar contra as injustiças”, diz Simoninha. “Sai da canção da Gal e tem todo esse simbolismo. É preciso estar atento e forte depois de tudo o que se passou e viveu nesses anos tão difíceis, em relação ao olhar para a cultura, para o carnaval, toda essa tragédia que foi a covid.”
A mesma canção interpretada por Gal foi escolhida para o tema do desfile do Bloco Pagu deste ano, batizado de Divinas Maravilhosas, com outro viés. “Essa música no bloco é bem icônica. É a única que bateria para de tocar, se abaixa e faz um refrão de coro com o público. Está no nosso repertório desde início”, conta a cineasta Mariana Bastos, de 41 anos, uma das fundadoras da agremiação.
Ela conta que o tema foi escolhido por meio de um formulário de sugestões entre integrantes da bateria, no qual cerca da metade sugeriu homenagens a Gal Costa. “A gente trabalha muito dentro do bloco as questões feministas, de apoio das mulheres, (o nome, Divinas Maravilhosas) entrou nesse lugar da autoestima”, comenta. “É uma mulher que significa muito, que deixou um legado imensurável.”
A cineasta avalia positivamente o volume de homenagens à artista no carnaval paulistano. “Sendo uma das mulheres mais famosas da música brasileira e mundial, não teria como não homenageá-la. E acho bonito, legal, que todo mundo (parte dos outros blocos) vai homenagear a Gal. Acho que aconteceu uma vontade coletiva de não deixar passar em branco”, compara Mariana.
O desfile ocorrerá na terça-feira de carnaval, dia 21, com uma bateria de 130 ritmistas e a participação especial de uma cantora ainda não revelada, além das que já integram a agremiação. A estimativa é atrair cerca de 100 mil foliões para o centro de São Paulo.
Já o Tarado Ni Você escolheu um tema com referência a outra canção gravada por Gal Costa. Batizado de Gogóia, o desfile será formado pelas composições de Caetano Veloso interpretadas pela cantora, como Fruta Gogóia, do álbum Fa-Tal - Gal a Todo Vapor, de 1971.
“Não tem muito como a gente pensar em um tema de carnaval depois de tudo o que aconteceu e depois da morte da Gal que não refletisse muito o Brasil e a Gal”, explica a empresária Raphaela Barcalla, de 35, uma das fundadoras da agremiação. “A morte da Gal foi um baque, uma mulher que sempre se posicionou politicamente, que foi voz feminina muito ativa.”
A escolha do tema influenciará também a parte visual do desfile. “A gente chegou no Fruta Gogóia, que representa bem o Brasil e tem essa história do amadurecimento dela, de passar pelo amarelo, o verde, o vermelho, que coincidentemente passa pela polarização de cores políticas que o Brasil teve ultimamente.”
Segundo Raphaela, esse também será um carnaval de maior protagonismo feminino no bloco, que é dedicado essencialmente a Caetano Veloso e muito próximo do público LGBT+. “Tem esse olhar voltado para a Gal, o feminino e o feminismo do Tarado, uma coisa que nunca tinha sido explorada no tema do desfile. Gal vem como a mulher ápice nessa homenagem”, descreve. O bloco perdeu o prazo de inscrição no evento e, até o momento, não tem previsão de desfile nas ruas.
Além do Gal ToTal, outro estreante que celebrará o legado de Gal Costa será o CarnaVrah. “Vai ter um momento (do desfile) de homenagem, de tocar só músicas de carnaval de Gal”, comenta o ator Fernando Cabral, de 32 anos, um dos fundadores do bloco, ligado a artistas do teatro musical e do cinema. “Ela não só contribuiu para a música, contribuiu para a história do brasil. foi uma perda muito grande, desde antes da pandemia.”
O desfile ocorre também no sábado de carnaval, 18 de fevereiro, no Butantã, zona oeste. Há a expectativa de mil a 2 mil foliões.
Confira as data dos desfiles de rua que homenageiam Gal Costa em São Paulo:
Acadêmicos do Baixo Augusta: 12 de fevereiro (domingo), com concentração a partir das 14h, na R. da Consolação, 2.101, no distrito Consolação, no centro.
Gal ToTal: 12 de fevereiro (domingo), com concentração a partir das 12h, na Praça Elis Regina, no distrito Butantã, na zona oeste.
CarnaVrah: 18 de fevereiro (sábado), com concentração a partir das 9h, na R. Estevão Lopes, no distrito Butantã, na zona oeste.
Bloco Pagu: 21 de fevereiro (terça-feira), concentração a partir das 11h, com saída da Av. Ipiranga, 719, no distrito República, no centro.
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