A Prefeitura de São Paulo tem discutido a possibilidade de tomar posse do casarão em ruínas da Rua Artur Prado, 376, na Bela Vista, região central. Com uma dívida milionária em IPTU e multas, o palacete não teve o proprietário localizado pela gestão municipal.
O processo de derrubada do imóvel foi iniciado na sexta-feira, 2, diante da constatação de risco de desabamento e para o edifício vizinho, que teve parte dos apartamentos esvaziados. Tombado como patrimônio cultural, o popularmente chamado “casarão das muletas” está em degradação há mais de 20 anos e teve piora na conservação após um temporal em 13 de janeiro, com a queda de partes da construção na calçada e no terreno ao lado.
Uma vistoria técnica apontou que o imóvel está condenado. Com a situação, a Defesa Civil indicou o esvaziamento do primeiro andar do condomínio ao lado.
A derrubada é escalonada e não há previsão exata para a duração dos trabalhos. O contrato emergencial de demolição e remoção de escombros foi assinado na quarta-feira, 31, pela Prefeitura, com o custo de R$ 550,3 mil e prazo de execução de até 180 dias, até 30 de julho.
Questionado sobre o tema em uma agenda pública na sexta, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) destacou que avalia uma nova destinação ao casarão, quem tem uma “dívida grande” com o Município. Uma possibilidade seria a desapropriação.
“Se a gente não conseguir encontrar o proprietário, (o custo da demolição) vai se somar à dívida que o imóvel já tem. A decisão de como a gente vai receber isso mais pra frente pode ser, eventualmente, pegar esse terreno para suprir esses valores”, respondeu.
Uma decisão judicial no dia 24 determinou que a Prefeitura começasse o processo de demolição em até cinco dias úteis, sob pena de multa diária de R$ 1 mil em caso de descumprimento. “O ideal e o certo seria que o proprietário fizesse”, disse Nunes.
“Estava praticamente em ruínas e com risco de desabamento, a gente não poderia esperar”, adicionou. O subprefeito da Sé, coronel Alvaro Camilo, completou que o imóvel tem 12 multas por irregularidades, que somam cerca de R$ 800 mil.
Há ainda ao menos R$ 1,4 milhão devido em IPTU, de acordo com o portal de dívida ativa da Prefeitura. Além disso, sofreu uma multa diária aplicada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), a qual estava acumulada em R$ 772,9 mil em 2019, pela “falta de ação do proprietário em reconstruir ou restaurar o bem tombado”.
O palacete é particular, porém o Município foi incluído como polo passivo na ação de demolição no ano passado, após a não resolução do problema pela proprietária e a constatação de risco elevado de desabamento. A ação foi aberta pelo condomínio vizinho, o Edifício Artur Prado, cujo primeiro andar e parte da garagem tiveram o esvaziamento recomendado pela Defesa Civil em meados de janeiro.
O processo é movido contra Antonia Nogueira de Araujo, identificada como proprietária. Ela não tem se manifestado nos autos e tampouco foi encontrada pelo Estadão.
A casa é datada de 1913. É considerada como patrimônio cultural municipal desde 2002, como parte do tombamento que reconheceu diversos imóveis pela “importância histórica e urbanística” da Bela Vista, em perímetro popularmente conhecido como Bixiga.
O reconhecimento como patrimônio cultural desagradou os proprietários do casarão, que solicitaram autorização para a demolição ainda em 2002, chegando até as vias judiciais. Os pedidos foram negados.
O tema chegou a ser tratado na última reunião do Conpresp. Antes disso, à Subprefeitura Sé, a presidência do conselho respondeu que “não há como deixar de concordar que o único caminho no presente momento é aquele já sugerido pela Sub-Sé, ao apontar para a demolição parcial e escalonada do imóvel, com urgência, urgentíssima”.
“Sem prejuízo, que se adotem as medidas materiais necessárias já sugeridas para que o imóvel, que não é mais patrimônio, seja desmontado”, concluiu a presidência do conselho. O trecho está destacado em parecer elaborado pela assessoria jurídica da subprefeitura.
A demolição do casarão gerou algumas críticas. O professor de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, chama a situação de um “crime contra a memória” de São Paulo e defende que a Prefeitura deveria recorrer da decisão judicial e fazer o escoramento do imóvel, enquanto elabora um projeto de recuperação e restauro. Também ressalta que a derrubada não foi deliberada por todos os conselheiros do Conpresp.
A resolução de tombamento da Bela Vista destaca que é “um dos poucos bairros paulistanos que ainda guardam inalteradas as características originais do seu traçado urbano e parcelamento do solo”. Ressalta também o “grande número de edificações de inegável valor histórico, arquitetônico, ambiental e afetivo, muitas delas remanescentes da ocupação original do bairro, iniciada no final do século XIX”.
Desde então, o palacete enfrenta problemas de manutenção e degradação. Em 2004, por exemplo, o Jornal da Tarde chegou a chamar o imóvel de “Torre de Pisa da Bela Vista”, cuja reportagem está incluída nos autos da ação judicial movida pelo edifício vizinho. À época, já pendia para o lado do prédio, com relato de abandono, vizinhos temerosos de uma eventual “tragédia” e a indicação de que procurariam a Justiça.
Segundo os autos do processo, o palacete passou a ter uma estrutura de sustentação para evitar o colapso total, em 2006, após uma decisão judicial, porém sem intervenções adicionais para reverter a degradação. Essa medida motivou o apelido de “casarão das muletas”.
Os animais que estavam no local foram retirados por uma ONG na quarta-feira. Segundo a Prefeitura, a demolição deve gerar cerca de 1 mil m³ de entulho, que será descartado em um aterro sanitário em Caieiras, na região metropolitana.
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