Casarão histórico vira ‘oásis’ no centro de SP com jardim de orquídeas e comida peruana; veja vídeo

De 1912, Casa da Don’Anna tem 2 mil metros quadrados e é tombada como patrimônio histórico; imóvel foi projetado pelo mesmo arquiteto que idealizou o Teatro Municipal

PUBLICIDADE

Foto do author João Ker
Atualização:

A violência, a fragmentação da Cracolândia e o aumento da população de rua tornaram o centro de São Paulo em destino evitado por muitos paulistanos nos últimos anos, mas a região também guarda surpresas. Quem percorre o bairro dos Campos Elíseos encontra na esquina da Rua Guaianases com a Alameda Nothmann um pedaço da história da cidade, preservada em um casarão cercado por natureza. Ali fica a Casa da Don’Anna, erguida em 1912 em um terreno de 2 mil m², com um restaurante peruano, jardim e as portas recém-abertas para visitas guiadas.

Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado (Condephaat) em 2013, o imóvel tem hoje como proprietário Luís Eduardo Alves de Lima, de 67 anos. Ele começou a revitalização em 2015, depois de o espaço passar décadas sob o cuidado de um caseiro.

Fachada da Casa da Don'Anna, na esquina daR. Guaianases com a Alameda Nothmann, nos Campos Elíseos Foto: Daniel Teixeira / Estadão

PUBLICIDADE

“É surpresa a todo momento. Só no último mês, tivemos de lidar com cupim no telhado e vazamento de gás na cozinha”, conta Lima. Para manter a Casa da Don’Anna, que recebeu esse nome em homenagem à sua avó, primeira moradora do endereço, ele instalou nos últimos anos um café, restaurante, mesas de coworking no subsolo, vendeu plantas e alugou o espaço para festas.

Nos últimos seis meses, os eventos foram suspensos e o restaurante de culinária peruana Ama.zo, incluído no guia Michelin, passou a ter exclusividade de uso do espaço externo. Segundo ele, nem o espalhamento dos dependentes químicos da Cracolândia, após uma operação policial há pouco mais de um ano, tem impedido que o local acumule filas na porta nos fins de semana.

Publicidade

Hoje, quem caminha pelos Campos Elíseos encontra núcleos menores de usuários nas calçadas da Avenida São João, próxima ao Minhocão, até a Avenida Rio Branco, no outro extremo do bairro. Mas o problema não chegou até a esquina do casarão, afirma Lima.

Histórias de família e de São Paulo

Após ter falido no início do século passado, o bisavô do atual dono, Octaviano Augusto Alves de Lima (que hoje dá nome a uma das avenidas que formam a Marginal do Tietê), se mudou com a mulher, Izabel, para a Argentina, onde abriram o Café Paulista. Enquanto ele atraía clientes na rua, ela passava os grãos brasileiros que, em questão de anos, entraram no cardápio dos vizinhos latinos e substituíram o hábito de tomar chá.

Nas idas e vindas transportando café entre os dois países, o herdeiro do casal, Octaviano Filho, conheceu Anna Silva Teles, com quem mais tarde se casou. O casarão é um presente que Anna ganhou do pai, o político Antonio Carlos da Silva Teles, quando se casou com Octaviano Filho.

A construção do imóvel foi de 1912 a 1914, com o projeto do arquiteto e engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, o mesmo responsável pelo Teatro Municipal e pela Casa das Rosas.

Publicidade

Vitral na Casa da Don'Anna é assinado por Conrado Sorgenicht, o mesmo que criou os da Catedral da Sé Foto: Werther Santana / Estadão

Nos anos 1940, veio a primeira reforma geral, com projeto de Jacques Pilon, modernista responsável também pela Biblioteca Mário de Andrade e pelo Edifício Paissandu. No hall de entrada, uma escada de mármore dá vista para um vitral feito por Conrado Sorgenicht, o mesmo que criou os vitrais da Catedral da Sé.

Da figura de uma deusa da fertilidade no vitral às pastilhas marrons que formam o mosaico no chão do hall, não faltam referências à ligação da família de Luís com o café e com a história da própria cidade.

Todos esses personagens e cenários estão documentados no porão da Casa da Don’Anna, onde Lima construiu uma “parede de memórias” das duas famílias com retratos, recortes de revistas, rótulos de café e mais uma porção de objetos.

Luís Eduardo de Alves de Lima, proprietário da Casa da Don'Anna, conta a história da família e de São Paulo com registros exibidos na 'parede de memórias' Foto: Daniel Teixeira / Estadão

“A gente conseguir compartilhar um pouco dessa memória da casa, junto com a história do bairro e do café”, diz Lima, que frequenta o espaço desde criança e tem suas próprias memórias afetivas impregnadas na casa, como o carinho da avó e o seu gosto por receber visitas. “Era carinhosa e tratava bem as pessoas: uma ‘vozona’ mesmo”.

Publicidade

O interior, afirma, tem a mesma estrutura que conheceu na infância, da cozinha aos sete quartos, cobertos com roupas de batizado, fotos, malas e móveis da sua família. A maior adaptação foi no subsolo, onde antes funcionava uma área para os funcionários e foi transformada em um espaço para eventos, o único ainda aberto para reservas.

Visita com direito a horta e viveiro de pássaros

Além da história e da gastronomia, outro atrativo na Casa da Don’Anna é a possibilidade de escapar do barulho e ritmo acelerado da capital para ter umas horinhas de refúgio em meio à natureza, numa região onde a sua escassez é perceptível. No jardim que funciona o Ama.zo, corredores de jabuticabeiras centenárias conferem sombra, ar limpo e isolamento acústico ao espaço.

No térreo, há um jardim de orquídeas com fonte de pedra na entrada e mais de 200 vasos de vandas cercados por famílias de patos e marrecos, que circulam pelo espaço. O andar de cima tem ainda um viveiro com faisões e canários que se espalham pelas paredes, tetos e se penduram onde podem. Mais uns passos adiante, a horta hidropônica com salsinha, cebolinha, alface e couve.

O inflcuenciador Rafael Pereira acompanha Luis Eduardo Alves de Lima durante visita guiada pelo jardim de orquídeas da Casa da Don'Anna Foto: Daniel Teixeira / Estadão

“É muito interessante o passeio, principalmente porque você percebe como ele preserva o patrimônio da cidade, além de contar a história para quem não sabe”, comenta a advogada Adriana Pen, de 50 anos, após participar do passeio guiado por Lima.

Publicidade

“É como uma volta no tempo. Tem uma conexão com o passado, sem deixar de ser moderno. Sem falar no contato com a natureza bem no centro de São Paulo, algo que todo mundo precisa”, diz o influenciador Rafael “Protein” Ferreira, de 42 anos, que também fez o tour.

A esperança de Lima é que sua paixão pela preservação da história da casa seja compartilhada e continuada pelos três filhos, hoje com 42, 39 e 37 anos. “Acabo brincando que a minha avó, a Don’Anna, está no céu e deve estar me agradecendo. O legado que ela deixou está sendo perpetuado.”

As visitas podem ser agendadas pelo site oficial: https://casadadonanna.com.br/faca-uma-visita)

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.