Uma lancha blindada conhecida como “Caveirão do mar”, um navio-patrulha considerado “tecnologia de ponta” na América Latina e até um tanque de guerra já usado durante a expedição brasileira no Haiti (entre 2004 e 2017). Desde que a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi decretada pelo governo federal em novembro, cerca de 400 militares da Marinha e um aparato de guerra foram deslocados para o Porto de Santos com o objetivo de combater o crime organizado.
O porto é visto como a principal via de escoamento usada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) para enviar cocaína para África e Europa. A facção, a maior do País, envia entre 4 e 5 toneladas do entorpecente por ano ao exterior.
A quantidade de drogas apreendidas em casco de navios mais do que triplicou no terminal, o maior do hemisfério sul, na comparação com 2020, com a apreensão de mais de 1,6 tonelada no ano passado, segundo balanço obtido com exclusividade pelo Estadão, que também acompanhou um dia de inspeções.
Usar a parte submersa das embarcações tem sido uma das estratégias do PCC para driblar as autoridades, uma vez que os contêineres passam por scanners e há dificuldades de fazer inspeções submarinas em todas as embarcações – cerca de 30 parte de Santos diariamente.
Tanque de guerra
Para tentar frear o avanço das facções, uma das medidas tomadas pela Marinha foi enviar para Santos um blindado Mowag “Piranha”, tanque de guerra 8x8 que chegou a ser usado durante operações das Forças Armadas no Haiti e no Rio de Janeiro. Fabricado pela suíça Mowag GmbH, ele tem capacidade para até 11 militares e abriga uma metralhadora 5,56 no topo.
Em Santos, serve como uma espécie de base nas averiguações de caminhões em áreas de acesso do porto, que tem 59 terminais. No envio de cargas para Europa e África, a regra é que os contêineres sejam vasculhados por scanners logo na chegada, mas já houve casos em que a droga foi escondida na boleia do veículo.
Navios-patrulha
Santos conta ainda com três navios-patrulha, com destaque para o “Maracanã”, embarcação da classe Macaé que tem canhão de calibre 40mm, duas metralhadoras de 20mm e alça optrônica com imagem térmica, para auxiliar nas fiscalizações em alto mar. O navio, de fabricação nacional, tem capacidade para transportar até 35 pessoas.
“Na América do Sul pode ser considerado um navio de destaque entre os demais do mesmo porte, devido à ampla capacidade de vigilância e integração dos sensores com o armamento”, diz o capitão de Corveta Bernardo Dias, chefe de Estado-Maior do Comando de Grupamento de Patrulha Naval do Sul-Sudeste.
Com a GLO, houve reorganização dos navios-patrulha, para dar mais assistência às ações em Santos. Mas isso, segundo ele, não comprometeu as patrulhas em áreas de outros portos, como o de Paranaguá (PR). “A gente não deixou de atuar nas outras áreas de nossa responsabilidade”, afirma Dias.
‘Caveirão do mar’
Há ainda uma lancha blindada, o “Caveirão do mar”. Da cor preta, a DGS 888 Raptor “Mangangá” é uma embarcação de fabricação nacional com capacidade para transportar até 10 tripulantes e chega a uma velocidade de 30 nós (bem acima de outras embarcações), além de comportar metralhadora 7,62 mm no topo.
Ela é usada na abordagem de embarcações que oferecem risco em potencial às equipes de fiscalização. As investigações apontam que, em geral, os pacotes são levados aos navios de duas formas: por pequenas lanchas, que se movimentam principalmente à noite, ou por mergulhadores, que saem de áreas de mata ou de embarcações mais afastadas.
Durante a GLO, a lancha já foi usada para dar suporte a uma ação da Polícia Civil. No ano passado, a polícia deflagrou as operações “Navegação Segura” e “Pérola do Atlântico” na Baixada Santista com apoio da Marinha. As ações resultaram na prisão de um procurado por tráfico, além de apreensões.
Drones
A Marinha dispõe também de dois drones aéreos. “A ideia é empregá-los para mapear a área do porto. Caso um caminhão mude de rota repentinamente por saber que nossa fiscalização está aqui, isso imediatamente liga um alerta”, descreve o capitão de Mar e Guerra Carlos Eduardo Gonçalves Maia, chefe de Estado-Maior do Grupo Tarefa Santos da GLO.
Além dos equipamentos já em uso, a ideia da Marinha é incorporar em Santos, ainda neste mês, um terceiro drone. Do modelo ScanEagle, ele é considerado mais tecnológico e autônomo, o que expande as possibilidades de fiscalização.
Hoje não só a Marinha, como também a Guarda Portuária tem dois drones para as inspeções. A guarda tem ainda uma rede de 600 câmeras, cujas imagens são compartilhadas em tempo real com a Marinha.
Como mostrou o Estadão, a Autoridade Portuária de Santos (APS) prevê ainda comprar drones subaquáticos para inspecionar movimentações na área de fundeio, onde os navios ficam atracados.
Equipes especializadas
“O Porto de Santos tem volume de tráfego muito intenso, na base de 30 navios entrando e saindo por dia, e realmente a gente tem dificuldades de conseguir estabelecer uma vigilância em todos esses navios”, diz o capitão dos Portos de São Paulo, Marcus André de Souza e Silva. Nesse cenário, o objetivo da Marinha, afirma ele, é focar nas inspeções a algumas embarcações-alvo.
Dos cerca de 30 navios que entram ou saem dos terminais diariamente, aproximadamente 10% são vistoriados de alguma forma pela Marinha. Entre eles, no máximo um recebe vistoria mais minuciosa, com duração de 6 horas. Esse cálculo não leva em conta fiscalizações feitas por outros órgãos que atuam no porto, como Polícia Federal e Receita.
A reportagem acompanhou no último dia 27 uma inspeção da Marinha em um navio de 12 andares que tinha como destino o Porto de Antuérpia, na Bélgica. Cerca de 50 militares participaram da ação, que se estendeu de 8h até as 14h. Ao todo, a fiscalização foi subdividida em sete frentes:
- Mergulhadores: averiguam possíveis pacotes de droga nos cascos do navio, modalidade que cresceu expressivamente no último ano;
- Equipe de defesa NBQR (Nuclear, Biológica, Química e Radiológica): realiza inspeção dos tanques de lastro;
- Equipe de engenharia: utiliza-se de scanners para vistoriar recipientes fechados, como pneus de caminhões;
- Grupo de inspeção a salas de convivência: inspeciona cozinha, refeitório e quartos da tripulação do navio;
- Grupo focado na casa de máquina: vistoria de maquinários e de paióis dos navios;
- Equipe no deque de contêineres: averigua possíveis irregularidades no recipiente;
- Equipe no deque de carga: vistoriam possíveis carregamentos escondidos nas cargas.
“A gente emprega equipes com várias especificidades, como, por exemplo, uma equipe com integrantes cinófilos, que conduzem os cães farejadores”, diz o capitão de Mar e Guerra Carlos Eduardo Gonçalves Maia, chefe de Estado-Maior do Grupo Tarefa Santos da GLO. Segundo ele, as ações são conduzidas especialmente por fuzileiros navais.
Na vistoria acompanhada pelo Estadão, o labrador Maylon foi conduzido por um equipe especializada para vistoriar os quartos de tripulantes do navio. Altamente treinados, os chamados cães de faro auxiliam na identificação de pacotes com droga. Já houve casos em que o cachorro identificou até mesmo quantidades ínfimas de maconha.
A expectativa, agora, é ampliar ainda mais as equipes empregadas no período da GLO. “A gente tem uma equipe especializada do batalhão de combate aéreo, que fica no Rio de Janeiro, que é um batalhão também pertencente ao grupo de fuzileiros navais”, afirma Maia. A ideia, caso a equipe vá para Santos, é usar helicópteros para realizar inspeções na área de fundeio.
É por lá, por exemplo, que costuma ocorrer o içamento de pacotes com droga para integrantes da tripulação cooptados pelo crime organizado, como já indicaram investigações policiais. Não à toa, a Polícia Federal tem como um dos focos as inspeções de navios nesse espaço. Ação conjunta da corporação com Receita e Marinha em 2023, por exemplo, apreendeu cerca de 290 kg de cocaína achados no casco de navio carregado de celulose.
Correções
Diferentemente do publicado na versão original do texto, o tanque de guerra usado em Santos é do modelo 8x8.
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