Com Cracolândia e mais problemas, como revitalizar o centro de SP?

Atrair mais moradores, explorar potencial para turismo e entretenimento e reduzir percepção de abandono estão entre os desafios para uma das regiões mais importantes da capital paulista

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Foto do author Juliana Domingos de Lima
Por Edison Veiga e Juliana Domingos de Lima
Atualização:

Esta reportagem é parte da Agenda SP, conjunto de temas cruciais para o desenvolvimento da cidade de São Paulo. A Agenda SP estará presente em toda a cobertura do Estadão das eleições: reportagens, mapas explicativos, nos debates Estadão/ FAAP/ Terra, sabatinas com candidatos e no monitoramento semanal de buscas do cidadão paulistano

Coração social e econômico de São Paulo no passado, o centro da cidade reúne dificuldades crônicas. Esses problemas atravessam gestões estaduais e municipais, que implementaram projetos sem conseguir revitalizar a região.

Valorizar potencial histórico do centro é uma das saídas para revitalizar a região Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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Lá fica a maior parte dos moradores de rua - 40% dos 31,9 mil sem-teto estão na área da Subprefeitura da Sé, conforme o último Censo da Prefeitura, de 2021. No centro também está a Cracolândia, cujo fluxo de usuários de drogas tem circulado por ruas da região nos últimos dois anos.

O “centro tornou-se obsoleto”, descreve o arquiteto e urbanista Roberto Aflalo Filho. “Perdeu sua vitalidade. Muitos edifícios ficaram subutilizados ou vazios e houve consequente degradação do ambiente urbano, o que gera, sobretudo, insegurança.”

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Um em cada cinco imóveis residenciais do centro está sem uso — 20% das 283 mil unidades habitacionais dos dez distritos que formam a região, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante disso, como dar nova vida a essa região? A resposta envolve múltiplas estratégias.

Sem-teto

O aumento dos sem-teto ocorreu principalmente na pandemia, com crianças e famílias inteiras nas ruas. Resolver o problema passa por políticas de assistência social, saúde, geração de renda, além de uma diversidade de soluções habitacionais.

“De abrigo emergencial à questão da propriedade. Passando por uma gama de soluções como habitações coletivas e aluguel social”, afirma Valter Caldana, professor de Urbanismo da Universidade Mackenzie.

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Moradores de rua se protegem do frio da região central de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para especialistas, uma das prioridades deve ser a lógica do housing first: o sem-teto recebe primeiro moradia definitiva e, a partir disso, tem acesso a outros direitos básicos, como emprego, alimentação e transporte. Nova York é um dos principais modelos dessa estratégia (leia mais abaixo).

A Prefeitura de São Paulo iniciou em dezembro de 2022 um projeto nesse modelo, o Vila Reencontro, que oferece, por até dois anos, casas modulares de 18 m² para famílias em situação de rua. São 2,6 mil vagas pela cidade. Os moradores recebem refeições, cursos profissionalizantes e atendimento médico e psicológico.

Cracolândia

A Cracolândia, que persiste desde os anos 1990, é um problema que “nem direita nem esquerda conseguiram resolver”, destaca o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da Escola Superior de Propaganda de Marketing (ESPM).

Historicamente, se repetem operações policiais, como as que prendem usuários de drogas e aquelas que resultam de investigações mais amplas - a exemplo da que mirou fornecedores do tráfico e o controle de hotéis na região pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Especialistas defendem a necessidade de aumentar a atenção para as ações de saúde pública e assistência social.

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Fluxo de dependentes químicos da Cracolândia tem alternado endereços ao longo dos dois últimos anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é contrário à internação compulsória e sugere abordagens personalizadas. Para ele, a maioria ali usa o crack como válvula de escape para problemas sociais. “Se der qualidade de vida, o indivíduo não se droga”, diz.

Já o psiquiatra Marcelo Ribeiro defende a internações compulsória para os casos em que o usuário é perigo para si ou os demais, seguindo critérios médicos. “São pessoas gravemente adoecidas, mas não têm consciência de buscar ajuda”, diz o ex-diretor do centro de referência de atendimento do Estado para drogas, o Cratod, de 2013 a 2023.

Segundo Ramirez, também professor da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo, é preciso ainda “oferecer empregos, ressocialização”. Uma ideia, diz, seria colocar usuários como zeladores de espaços públicos.

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Participação da iniciativa privada e da sociedade

A valorização do espaço público no centro deve ser prioridade, pois cria “um ciclo virtuoso, com alteração da quantidade de pessoas e segmentos sociais que usufruem dos espaços, incremento de atividades comerciais, culturais e de serviços”, segundo Caldana.

Isso inclui, por parte do poder público, reforçar a manutenção da infraestrutura e a zeladoria. Também são bem-vindas iniciativas que incentivam o uso de praças, parques e das próprias ruas pelos pedestres, como áreas com redução de velocidade ou restrição a veículos nos fins de semana. Mas é consenso a necessidade de envolver setor privado, instituições e cidadãos nas soluções.

Valorizar o espaço público e aumentar o espaço para pedestres estão entre as estratégias para valorizar o centro, dizem especialistas Foto: Marcos Muller/Estadão

“A participação ativa da sociedade civil em processos de decisão é essencial para garantir que políticas públicas atendam às necessidades da comunidade”, diz Milton Luiz Santos, presidente da Associação Viva o Centro.

Resolver o vazio ocupacional dos imóveis ajuda a dinamizar a região. “A partir do momento em que um grupo passa a habitar certo local, para morar ou trabalhar, surge botequim, lanchonete, vendedor de bolo e café com leite”, segundo o arquiteto e urbanista Henrique de Carvalho, pesquisador na USP.

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Leis de incentivo à requalificação de edifícios pelo poder público - os retrofits - ajudam a atrair a iniciativa privada. Novos empreendimentos que estimulem a vocação para o entretenimento, o turismo e a gastronomia também são apostas.

“O centro é rico em prédios históricos e oferece valorosa combinação de cultura e atrações”, afirma Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo.

Edifício Martinelli, que completou 100 anos em 2024, tem ganhado nova vida com festas e novos projetos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Quais são os bons exemplos no exterior?

Um dos modelos de revitalização em metrópoles é o da região da Estação King’s Cross, em Londres. Antes, a área era um ponto de abandono urbano, com cenas de uso de drogas.

Nos últimos anos, o projeto urbanístico partiu da restauração da estação de trens histórica, do século 19, e reformou 50 prédios, além de criar parques, praças e pontes. A região ganhou um complexo cultural e uma universidade, o que atraiu restaurantes, lojas e escritórios de grandes empresas, incluindo o Google.

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“Ação coordenada por amplo projeto público, com intensa participação privada e governança sólida. Tivemos tentativa de algo semelhante há 15 anos, no Projeto Nova Luz, que por diversos motivos não foi adiante”, diz o arquiteto Lourenço Gimenes, sócio do escritório FGMF. Uma das causas do fracasso em São Paulo, segundo ele, foi a falta de independência em relação a transições de governo.

No atendimento a sem-teto, o housing first, implementado como política pública na cidade de Nova York em 1992, contradiz o status quo das políticas públicas assistenciais, que costumam levar moradores de rua primeiro para albergues. Por essa lógica, só depois dessa fase elas poderiam conseguir trabalho e reinserção social e estariam aptos a seguir por conta própria.

O housing first, por sua vez, prevê a fixação em moradia simultânea ao acesso aos demais direitos. O sucesso do modelo inspirou iniciativas em outras cidades, como Helsinque e Viena.

A capital austríaca também é citada como referência no combate a consumo de drogas em áreas públicas. A região de Karlplatz sofria com isso desde os anos 1980. Mas, em 2010, o poder público ampliou os serviços sociais e a disponibilidade de aconselhamento e abrigos.

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Além de reestruturar o serviço de saúde, foi fortalecida a cooperação entre assistentes sociais e forças de segurança. Após a desmobilização do fluxo de dependentes químicos, a presença de policiais no local evitou que a cracolândia de Viena ressurgisse.

O que os candidatos propõem para revitalizar o centro (em ordem alfabética)

Guilherme Boulos

O candidato pelo PSOL pretende requalificar a região central com ações de zeladoria, limpeza pública, iluminação, mobiliário urbano e inclusão de áreas verdes. E para melhorar a densidade de ocupação da área, Boulos aposta em programas de retrofit de prédios públicos abandonados com destinação de imóveis reformados, através do Programa Meu Primeiro Escritório, com salas comerciais voltadas para que jovens recém-formados e Serviço Social de Moradia. “Vamos incentivar o circuito de compras que promova o turismo comercial nas ruas, com atenção especial para o maior comércio popular da América Latina, composto pelos eixos Brás, Bom Retiro, Rua 25 de Março e Rua Santa Ifigênia”.

Em relação ao atendimento à população em situação de rua, ele pretende qualificar os centros de acolhida, o que inclui aumentar o número de banheiros, resolver problemas estruturais de segurança e melhorar as condições sanitárias. “Todos os equipamentos terão espaço para animais de estimação e carroças utilizadas para reciclagem. Além disso, vamos ampliar as equipes de Consultórios na Rua e as Unidades Odontológicas Móveis, que servem como primeiro contato para a ressocialização das pessoas em situação de rua”, afirma o candidato.

Em relação à Cracolândia, Boulos afirma que primeira medida será criar um gabinete integrado, ligado diretamente ao prefeito com atuação das secretarias de Segurança Urbana, Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos. “Essa inspetoria atuará em conjunto com as forças de segurança estaduais, fortalecendo o combate ao tráfico de drogas e aos ferros-velhos irregulares na região”, explica.

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Na questão da criminalidade, o psolista pretende criar uma força tarefa de enfrentamento à receptação de celulares roubados. “Teremos uma ação permanente de inteligência, com foco no mapeamento e intervenção do poder público nos comércios que revendam celulares roubados e furtados. O objetivo é atuar em conjunto com a Polícia Civil, Receita Federal e Polícia Federal.”

José Luiz Datena

Candidato pelo PSDB, o apresentador de TV afirma que recuperar o centro significa retomá-lo das várias máfias que se apossaram da região. “Em especial, significa impedir que drogas e armas cheguem e circulem nessa região com tanta facilidade”, aponta. E aposta no recrudescimento de ações de segurança. “Vou fortalecer a estrutura da nossa Guarda Civil Metropolitana, com mais homens, armas e treinamento; trabalhar em conjunto com as polícias civil e militar para combater o tráfico e cobrar com firmeza o governo federal sobre a frágil vigilância de nossas fronteiras”.

Segundo Datena, a recuperação do centro inclui o aproveitamento das centenas de prédios hoje desocupados, e transformá-los em moradias populares. “Às famílias em condições de alta vulnerabilidade social e as em situação de rua, serão oferecidas mais e melhores opções de acolhida, com dignidade e foco no fortalecimento do convívio, resgate de laços sociais e na reinserção social e profissional”, diz o candidato, que não apontou propostas para a Cracolândia.

Operação do Ministério Público em agosto mirou fornecedores do tráfico de drogas na Cracolândia Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Marina Helena

Entre as propostas da candidata do Novo, Marina Helena, para revitalizar o centro, estão diminuir a burocracia para quem quer reformar prédios antigos, tombados ou abandonados e flexibilizar a lei Cidade Limpa para que áreas possam abrigar telões luminosos sem limite de tamanho, medida inspirada em exemplos internacionais como o Piccadilly Circus, em Londres, ou a Times Square, em Nova York, que, segundo ela, atraem visitantes, turistas e consumidores.

Conforme a economista, “as pessoas vão para as ruas por quatro motivos: dependência química, quebra de vínculos familiares, problemas psiquiátricos e condições econômicas”. A candidata diz ainda que hoje há uma “verdadeira indústria da miséria”. E acrescenta: “como os albergues conveniados ganham por pessoas que abrigam, não há estrutura para devolver à população de rua uma vida digna. Pelo contrário, para as organizações sociais, quanto mais pessoas estiverem na rua, mais elas lucram”.

Em relação à Cracolândia, Marina afirma que “não há solução mágica se a Justiça não parar de atrapalhar o combate ao crime”. Ela ainda propõe que a melhor solução seria a atividade policial constante para “prender os traficantes que vendem crack a céu aberto, além da pressão do prefeito para que a polícia pare de soltá-los em audiência de custódia”.

Sobre roubos e furtos na região, diz que adotará a política de tolerância zero. “Triplicaremos os investimentos em segurança, dobraremos o efetivo da Guarda Civil Metropolitana, investiremos em treinamento, estrutura, equipamentos e inteligência artificial, integraremos a Guarda e a inteligência da Prefeitura com as Polícias Militar e Civil”.

Valorizar vocação histórica do centro é uma das estratégias para revitalizar a região Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Pablo Marçal

O candidato do PRTB não se posicionou sobre o tema.

Ricardo Nunes

Segundo o candidato do MDB, Ricardo Nunes, a propostas para revitalizar o centro passam pelas ocupações de espaços públicos como o Novo Vale do Anhangabaú, onde são realizadas atividades gratuitas, a entrega da Praça das Artes e a instalação do Parque Augusta. “Outras ações, como a reabertura da Vila Itororó e a concessão do Mercadão e do Terraço do Martinelli, contribuem para completar um roteiro turístico.” E promete, se reeleito, recuperar as escadarias da Avenida Nove de Julho e da Casa das Retortas, revitalizar o Parque Dom Pedro II e inaugurar o futuro Parque do Bixiga.

Para Nunes, o problema dos moradores de rua na região ainda é reflexo do pós-pandemia, com o agravamento da crise econômica. O candidato aposta em serviços de moradia transitória, como o programa Vila Reencontro, para pessoas em situação de rua, e programas assistenciais de repasses financeiros e oferta de vagas de trabalho visando a reinserção no mercado. A administração pública ainda dispõe do Programa Recâmbio, que compra passagens para quem deseja retornar para suas famílias e cidades de origem.

Em relação à Cracolândia, a atual gestão aposta numa abordagem que envolve o tratamento para dependentes químicos e combate ao tráfico. Segundo Nunes, não há espalhamento dos usuários, mas sim movimentação. Ele afirma que a melhor alternativa para questões de segurança é o trabalho multisetorial de abordagem – com policiamento, assistência social e saúde – para conseguir reduzir a criminalidade.

Tabata Amaral

Para a deputada federal e candidata pelo PSB, Tabata Amaral, a primeira medida para revitalizar o centro será garantir que a região esteja segura, iluminada e com os devidos cuidados de zeladoria. “Queremos aprimorar a habitação popular e reduzir o déficit habitacional, destinando imóveis abandonados para a habitação de interesse social”, afirma.

Para o problema dos moradores em situação de rua, pretende criar um programa que busca oferecer atendimento individualizado e integrado às pessoas com tratamento para dependência química, incentivo ao convívio familiar, emprego e renda. “Vamos lançar um “filômetro” para informar em tempo real a disponibilidade de vagas em cada centro de acolhida e ampliar a estratégia de locação social.”

Em relação à Cracolândia, Tabata afirma que é um sistema, não um lugar, que demanda ação integrada de segurança, saúde, assistência social e urbanismo. Na segurança pública, propõe julgar rapidamente os crimes relacionados ao uso de drogas, acelerar processos judiciais, priorizar a reparação de danos e a reintegração social dos usuários.

Para enfrentar a criminalidade no centro, afirma que adotará mecanismos de inteligência e tecnologia e propõe parcerias com operadoras telefônicas para reprimir o roubo de celulares, a partir do rastreamento de aparelhos e bloqueio de novas linhas. “Vamos adotar a experiência exitosa do Piauí, em que a pessoa é alertada e tem a oportunidade de devolver o aparelho roubado em uma unidade da polícia sem que seja responsabilizada. Se não devolver, o celular continua monitorado e a polícia faz a apreensão.”

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