A aposentada Marli dos Santos precisou de ajuda para entrar no barco no Rio Sahy, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Quando conseguiu se sentar, a senhora de 68 anos crispou a mão direita na lateral e não soltou mais. Estava com medo. Mas não tinha opção: era pegar o barco até Juquehy, chegar à Grande São Paulo ou perder o voo para a Bahia, que sai nesta quinta-feira, 23.
Diante da tragédia na região da Barra do Sahy, local mais afetado pelas enchentes e deslizamentos de terra causados pelas fortes chuvas dos últimos dias, o transporte rodoviário ficou prejudicado, com interdições totais ou parciais em todos os principais trajetos até a capital paulista. Com isso, muita gente fez como dona Marli e segurou firme na ponta do barco.
A saída foi usar o barco até regiões vizinhas, como Juquehy e Barra do Una. A partir desses locais, o caminho segue sem dificuldades por via terrestre.
A família de Marli sofreu com o drama que vitimou ao menos 50 pessoas. Uma das filhas, Laura, moradora de Cambury, perdeu todos os móveis por conta dos alagamentos. Está tão deprimida que não conseguiu se despedir da mãe, Marli, e do Antonio, de 79 anos. Coube à filha, a auxiliar de saúde bucal Ilmaria Guimarães, cumprir a missão. Eles vieram só passar o carnaval. “Eles queriam ficar com ela, ajudar de alguma forma, mas não podem perder o voo. Ficaram abalados também.”
A situação do estudante Carlos Vicente da Silva é ainda mais dramática. Sua família perdeu a casa, que foi abaixo por causa da enchente no domingo. Mas ele se contenta por não ter registrado vítimas. Cabisbaixo, ele vai pegar o barco para visitar o pai, que está hospitalizado em Caraguatatuba por causa de múltiplas fraturas.
A família só se salvou porque recebeu o telefonema de uma tia informando que o nível da água estava subindo e que eles tinham de sair correndo. Foram salvos pela chamada de celular.
Os barcos que socorrem moradores e turistas são normalmente usados para turismo e lazer. Na alta temporada, como agora, uma viagem de 20 minutos sai por R$ 50. Por causa das dificuldades das enchentes, os barqueiros decidiram fazer um mutirão e não cobram pelo trajeto mais curto. Os barqueiros pedem apenas contribuições para o combustível, mas não é obrigatório.
“Não sei quem teve a ideia, mas sei que todos abraçaram”, conta Flavio Silva Santos, de 25 anos, sócio de uma das embarcações. Morador do bairro Baleia Verde, o barqueiro relata que vários amigos perderam móveis ou as próprias residências. “Agora, todo mundo perdeu alguma coisa ou algum parente ou conhece alguém que perdeu”, lamenta.
A demanda tem sido tão grande que a prefeitura de São Sebastião começou a oferecer transporte da Barra do Sahy até a rodoviária municipal. Sete veículos terrestres atendem moradores e turistas para evacuar as áreas de risco.
Os barcos também são usados para o transporte de doações que chegam com frequência – o Estadão contou seis chegadas em pouco mais de 30 minutos. O mutirão que começou no mar também se estendeu pela terra.
Voluntários descarregam os mantimentos – principalmente produtos de limpeza e higiene pessoal – para veículos de moradores da região. Um deles é o empresário Norival Violano, de 63 anos. No domingo, ele fez doze viagens para a região de Cambury, local que, segundo ele, não vem recebendo tantas doações quanto a Barra do Sahy. “Falta água principalmente. É uma região que sofreu bastante, mas vem sendo pouco atendida”, afirma.
Os barcos têm licença para circular, não se trata de transporte irregular. O problema é o cumprimento (ou não) das normas de segurança. Nos barcos que saíram no início da tarde desta quarta-feira, pouquíssimos passageiros usavam coletes salva-vidas.
Mesmo assim, o movimento era frenético. O Estadão teve de se policiar várias vezes para não atrapalhar a fila dos voluntários que descarregavam as doações, no formato cordão humano, as filas dos passageiros que queriam embarcar ou que estavam chegando. Também existia a fila dos barqueiros. Era o movimento de uma rodoviária na beira do rio.
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