SÃO PAULO - A proposta de ação civil pública que pede a paralisação das obras das ciclovias na cidade de São Paulo, inclusive a da Avenida Paulista, foi criticada por ciclistas na tarde desta quinta-feira, 19. Eles sustentam que se a Justiça deferir o pedido, a capital sofrerá um "retrocesso" urbanístico. A promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo responsável pela proposição, Camila Mansour Magalhães da Silveira, ouviu queixas contra a formulação, que foi ajuizada por ela na terça-feira, 17. Os ciclistas dizem que as ciclovias aumentam a sua segurança nas vias e acusam o Ministério Público Estadual (MPE) de não ter ouvido os usuários das faixas exclusivas antes de confeccionar a ação.
Durante a conferência concedida a veículos da imprensa na sede do MPE, no centro, Silveira foi alvo de diversas interpelações a respeito da ação por ciclistas e cicloativistas. A promotora, por sua vez, afirmou que as ciclovias foram feitas de forma "açodada" pela Prefeitura. Adotando uma postura defensiva durante boa parte da entrevista coletiva, em uma ocasião ela chegou a interromper uma pergunta do repórter do Estado dizendo que "já sabia" o que ele perguntaria.
O MPE quer, além da suspensão das obras das ciclovias na cidade, que o governo municipal recomponha, em até 30 dias, o pavimento retirado para a construção das ciclovias, sob pena de multa diária de R$ 100 mil. A promotora informou ainda que há "várias e graves irregularidades" encontradas por técnicos do MPE nas ciclovias já existentes, como desgaste na pintura, a contabilização da sarjeta como área da ciclovia, além de fissuras, buracos e tampas de bueiro. Fotos dessas irregularidades foram anexadas à ação.
"Não sou técnica, não sou engenheira, mas as fotos acabam ilustrando que quem está mais exposto a essas irregularidades é o próprio ciclista", afirmou ela durante a entrevista. A Promotoria ainda alega que a Prefeitura não teria ouvido a população sobre a criação das ciclovias, embora a criação da malha cicloviária seja prevista em lei municipal e tenha sido uma das promessas de campanha do atual prefeito, Fernando Haddad (PT).
O pesquisador Rene Fernandes, de 30 anos, é um dos ciclistas que compareceram ao MPE para questionar a ação. Para ele, a Prefeitura abriu espaço suficiente para a discussão das ciclovias com o público, como nas reuniões do Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT), que ocorrem mensalmente, e na própria audiência pública sobre a construção da ciclovia na Avenida Paulista, realizada em novembro na Câmara Municipal. "Tenho uma expectativa muito grande que o juiz, antes de tomar a decisão, ouça todos os lados e que esse deferimento não ocorrerá num primeiro momento."
Silveira disse ainda que a Prefeitura deixou de fazer uma campanha educativa para informar aos ciclistas medidas de segurança previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), como o uso de capacetes. Entretanto, ao contrário do que disse a promotora, no CTB não existe nenhum dispositivo que preveja o uso de capacetes por ciclistas.
A Promotoria reclama ainda que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) não enviou nenhum projeto básico ou executivo das obras das ciclovias, o que denotaria ausência de um planejamento sistemático desses equipamentos na cidade. A reportagem, no entanto, já teve acesso ao projeto executivo de uma das ciclovias da cidade, a da Avenida Paulista, que está em construção.
A geóloga Carla Moraes, de 31 anos, afirma que começou a andar de bicicleta há poucos meses, graças à expansão das ciclovias pela cidade. Ela mora na Saúde, na zona sul, e trabalha na região da Paulista. Anda de bicicleta cerca de 9 quilômetros por dia. "A Paulista é a melhor opção na região, porque ela é mais plana que as paralelas." Na ação, o MPE argumenta que o material da obra da ciclovia da Paulista, prevista para acabar em junho, "pode ser facilmente utilizado como instrumento vulnerante", ou seja, arremessado. "Gente, qualquer obra é assim. É uma obra que está em execução. Para mim, isso não é argumento. Se a obra parasse, seria um retrocesso."
O diretor de participação da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), Daniel Guth, reclamou da ação. Segundo ele, o documento está pautado por uma visão de quem deseja favorecer o trânsito de carros. "Está claro na sua ação, doutora, que você não questiona somente o método empregado pela Prefeitura, a senhora questiona a política pública em si. A senhora questiona a importância da bicicleta na cidade, a senhora advoga em favor do carro inúmeras vezes, dizendo que é o veículo que mais movimenta a economia."
A promotora disse que é pedestre e usuária de transporte coletivo. "Faço uso de metrô e ônibus. O metrô, por sorte, eu não pego ali a Linha Vermelha no sentido de Itaquera, mas se pegar por volta das seis e quinze da tarde na Estação Anhangabaú ou na Sé, é bastante cheio. A bicicleta não é um transporte público de massa." Ainda de acordo com ela, a rua onde mora não ganhou uma ciclovia nos últimos meses. Na atual gestão, 199,8 km de ciclovia foram construídos na capital paulista, que tem ao todo 258,8 km de ciclovias.
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