Um dos contos de fada mais conhecidos do mundo, Cinderela estreia no Theatro São Pedro, em São Paulo, uma versão contemporânea, inclusiva e comprometida com a representatividade. A clássica história da órfã humilhada pela madrasta que conquista o príncipe ganha versão em ópera com artistas negros nos papéis de destaque. O espetáculo estreia neste sábado, 12, Dia das Crianças.
A presença de artistas negros como protagonistas é um dos grandes diferenciais da produção. É o segundo ano seguido da montagem no palco da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativa de São Paulo e gerido pela Santa Marcelina Cultura. “A Cinderela pode ser cada uma de nós”, diz a diretora cênica Julianna Santos.
“Quando iniciei minha carreira, era quase impossível pensar que eu pudesse ser protagonista, não tinha referências de outras artistas. Agora isso já é real, mas ainda existe muita luta”, diz a soprano Marly Montoni, um dos destaques da nova geração de cantoras líricas do Brasil e que vive a Cinderela.
O tenor Mar Oliveira, o Príncipe na ópera, destaca a importância da ocupação de espaços culturais e artísticos por artistas negros. “Na vida real e na fantasia, precisamos cada vez mais de homens e mulheres negras em lugares de protagonismo, refletindo, assim, que as estruturas racistas da realidade devem mudar e é possível mudá-las”.
A representatividade vai além do protagonismo negro em cena e pode ser identificada também no enredo. Em um dos momentos mais emocionantes da ópera, Cinderela interpreta a canção Sonhos de Francisca, da compositora Deborah Cecília. A letra fala sobre vozes antes silenciadas que agora voam longe e de sonhos de amor que provam da vida seu sabor.
Efeito simbólico no Dia das Crianças
A montagem procura tornar o espetáculo acessível ao público infanto-juvenil. Além de envolver elementos de magia e romance, a ópera será apresentada em português.
A versão de Cinderela que estreia neste sábado foi composta pela francesa Pauline Viardot (1821-1910), aluna de Franz Liszt, um dos grandes compositores do século XIX. Ela estabeleceu um círculo social com importantes figuras culturais da época, como Frédéric Chopin, Clara Schumann e Johannes Brahms.
“O mais interessante é essa mobilidade que os contos de fadas trazem. Por isso, eles ainda são tão próximos da gente, tão vivos. Ao ler um texto, eu imprimo a visão que tenho hoje do mundo. A Cinderela pode ser cada uma de nós”, diz a diretora.
A ópera traz uma visão que dialoga com as novas plateias, sem perder a essência da obra. A diretora define essa Cinderela como questionadora, com atitudes e vontades, mas que precisa acreditar na sua própria beleza. “A fada madrinha não traz uma solução externa, ela afirma que a Cinderela precisa acreditar e aceitar a própria beleza que já existe nela”.
Outro desafio é adaptar a narrativa universal para o formato operístico, o que implica destacar as emoções e os conflitos de uma maneira que conecte o público contemporâneo, na opinião da diretora musical Fabricia Medeiros. “É um trabalho colaborativo, onde cada elemento – da música à cenografia – é pensado para criar uma experiência nova, emocionante e acessível para diferentes públicos.”
‘É preciso avançar na equidade racial na música erudita’
Oliveira afirma que a música erudita ainda precisa avançar na equidade racial. “Basta olharmos para nossas principais orquestras brasileiras, os protagonistas de óperas nos teatros de maior destaque nacional, os diretores artísticos, maestros, diretor cênico, os gestores, professores... Basta olhar e ver que a representatividade negra é minúscula, em muitos casos, inexistente”, diz o integrante do coletivo Ubuntu, grupo de artistas que promove a equidade racial na música de concerto e na ópera no País.
O Ubuntu nasceu em 2020, fruto da representatividade dos cantores líricos negros do Fórum Brasileiro de Ópera e Música de Concerto. O primeiro desafio na música de concerto e na ópera foi enfrentar o mito da igualdade racial, na opinião de Mere Oliveira, produtora, professora, cantora lírica e ativista e uma das líderes do coletivo.
“Ninguém leva em conta o caminho percorrido pelo povo negro, a anulação, opressão dos nossos ancestrais que se reflete. Também não levam em conta que o preconceito está entranhado na visão artística dos profissionais do setor.”
Nesse contexto, a presença de protagonistas negros em Cinderela se soma a outros espetáculos que promovem a representatividade na ópera e na música concerto. Entre eles estão a montagem da Ópera Gianni Schicchi com artistas negros em 2022, projeto de Mere Oliveira e Flavia Furtado, e da ópera Carmen, com bailarinos negros, no projeto “Ópera de calça jeans”.
*Este conteúdo foi produzido em parceria com o coletivo Ubuntu, grupo de artistas que promove a equidade racial na música de concerto e na ópera no País.
SERVIÇO
Ópera Cinderela
Ingressos: Plateia: R$ 120/ R$ 60 (meia) 1º Balcão: R$ 100 / R$ 50 (meia) 2º Balcão: R$ 80 / R$ 40 (meia) pelo site da fever
Transmissão ao vivo: A récita de 19 de outubro, sábado, às 17h, será transmitida pelo canal de YouTube do Theatro São Pedro
Dias e horários: 12 de outubro (sábado): 17h
13 de outubro (domingo): 11h
19 de outubro (sábado): 17h
20 de outubro (domingo): 17h
Duração: uma hora e quinze minutos (sem intervalo) e dividida em três atos.
Local: Theatro São Pedro
Endereço: R. Barra Funda, 171 - São Paulo/SP
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