Quem quer morar no centro de SP? Novos condomínios têm piscina, área gourmet e até cine rooftop

Apesar dos roubos e do espalhamento dos dependentes químicos, região vê obras e a chegada de mais moradores; custo-benefício e acesso à infraestrutura são atrativos

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

Distante duas quadras da concentração atual de usuários de drogas da Cracolândia, o analista de sistemas Maurício Nogueira, de 44 anos, aproveita o horário de almoço para dar um mergulho na piscina da cobertura do prédio. O condomínio Helbor Urban Resort fica na Praça Julio Mesquita, na esquina das ruas Aurora e Conselheiro Nébias, bem no centro de São Paulo.

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Apesar da recorrência dos roubos e do espalhamento dos dependentes químicos, a região tem visto a chegada de novos condomínios residenciais. A oferta imobiliária com áreas gourmet, academias e espaços pet atraem novos moradores, mas também reforçam contrastes com o entorno. “Comecei a pedir mais comida por entrega, para não ter de sair à rua e correr risco de ser assaltado”, diz Nogueira, que trabalha remotamente.

Uma longa crise econômica agravada pela pandemia é o pano de fundo do aumento dos crimes, da população em situação de rua e da multiplicação das placas de “vende-se” e “aluga-se” nos imóveis da região. Também ficaram mais comuns várias formas de moradia precária, como cortiços e ocupações.

Essa realidade, porém, convive com o avanço do mercado imobiliário. Desde janeiro de 2020, são 8.727 novos apartamentos entre R$ 240 mil e R$ 500 mil, conforme o Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Administração de Imóveis (Secovi). Além dessas, há 7.575 unidades de até R$ 240 mil, na esteira do Minha Casa, Minha Vida, programa federal que facilita o financiamento de imóveis para famílias de baixa renda.

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Nos últimos três anos, a região central foi a que teve a maior alta de lançamentos (40,5%), atrás apenas da oeste (90%), também segundo o Secovi. “Visito meus vizinhos, e eles vêm à minha casa, porque todos saem pouco por causa da insegurança”, conta Nogueira.

A gente quase tropeça – literalmente – nas obras de ao menos 20 prédios em construção na Bela Vista, Cambuci, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé. A oferta é diversificada: estúdios compactos, de 16m², convivem com apartamentos com 1, 2 e até 3 dormitórios nos mesmos empreendimentos. Os mais amplos giram em torno de 117m².

Analista de sistemas Maurício Nogueira aproveita o horário de almoço para dar um mergulho na piscina da cobertura do prédio na Praça Julio Mesquita Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Entre os motivos para escolher a região (embora ela não esteja em sua melhor fase), estão o custo- benefício, o acesso rápido à rede de transporte, ao comércio e a serviços públicos. Outros compradores que aquecem o mercado local são aqueles interessados em ter um imóvel para alugar ou investir.

“Oito minutos a pé eu demoro para chegar (no trabalho)”, diz Bruno de Luna, violinista, que trabalha no Theatro Municipal. “Um dos pontos negativos é que está muito perigoso. Na hora de voltar do ensaio, que termina às 10h da noite, pego carona, carro de aplicativo ou até um ônibus, que são dois pontos até em casa”, continua ele, de 37 anos, que mora na Praça Julio Mesquita.

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“Da porta do prédio para dentro nem parece que estamos no centro de São Paulo”, afirma a fisioterapeuta Carol Soares, de 43 anos. Ela e o marido, o analista de TI Rafael D’Orazio, de 40 anos, são vizinhos do músico.

Apesar da recorrência dos roubos e do espalhamento dos dependentes químicos, a região tem visto a chegada de novos condomínios residenciais Foto: Bruno Nogueirão/Estadão

Já o prédio de número 82 da Avenida Rio Branco, que será entregue pela Mundo Apto em fevereiro de 2025, tem duas torres com 439 apartamentos, com um dormitório (26m²) ou dois quartos (36,7m²) com bicicletário, piscina, espaço camarote e pet care. Cada unidade custa de R$ 220 mil a 300 mil.

Um desses apartamentos já está no nome do contador João Lucas Alves, que vai trocar Cuiabá pela capital paulista em busca de novas oportunidades profissionais. O jovem de 21 anos escolheu o prédio de um dormitório pela proximidade com três estações de metrô (Anhangabaú, República e São Bento). “A região central é uma opção com melhor custo-benefício no momento”.

Bruno de Luna mora perto do trabalho, no Theatro Municipal, mas falta de segurança é empecilho quando volta para casa à noite Foto: Tiago Queiroz/Estadão

‘Foi amor à primeira vista’

Além da localização, as opções de lazer sem sair de casa foram decisivas para que Lucas Soares, de 34 anos, trocasse Barueri (SP) pelo Setin Downtown Nova República, na Praça da República. Cada um dos 330 estúdios, de 19 m² a 43m², sai por cerca de R$ 570 mil. O Estadão encontrou o arquiteto na lavanderia durante a visita que fez ao prédio, em uma quarta-feira de junho.

Foi amor à primeira vista com o imóvel, diz ele. “Eu conhecia um pouco do centro da cidade por ter feito trabalhos anteriores na região. Já sabia dos problemas. Mas foi amor à primeira vista quando vi as fotos e a estrutura do prédio”.

Condomínio Helbor Urban Resort tem academia, piscina, salão de festas, sauna, salão de jogos, brinquedoteca, lavanderia e espaço gourmet, entre outros atrativos Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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Essas características também atraem quem se hospeda no centro, como a empresária Doane Tancredi, de 30 anos, que escolheu o endereço para passar três meses de férias. Ela mora com a família na Suíça.

Esse é um dos oito prédios que a incorporadora Setin lançou no centro desde 2011. O espaço tem áreas “disputadas” pelos moradores, principalmente no verão, como um mirante no 14º andar, que permite contemplar a Praça da República. Segundo Eduardo Pompeo, diretor de Incorporação da Setin, o centro não é mais uma aposta do mercado, mas um nicho imobiliário consolidado. “Mas não existem tantos imóveis para verticalizar”, diz.

A procura por apartamentos maiores motivou a empresa a lançar outro prédio ao lado. Com áreas de até 117m², o edifício tem unidades de cerca de R$ 1,5 milhão. De acordo com o Secovi, a oferta de imóveis desse tipo (com preço superior a R$ 900 mil) também avançou no centro, mas em ritmo menor. Foram lançados 268 apartamentos dessa faixa desde 2020.

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Embora considere positiva a valorização das áreas centrais a partir das ofertas de moradia, Matheus Casimiro, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, destaca que os espaços são pequenos e acomodam solteiros ou um casal. “Isso delimita o público das áreas centrais.”

Também é preciso colocar nesta equação aqueles que compram os imóveis no centro como investimento para locação, por exemplo. Segundo Pompeo, da Setin, boa parte dos compradores da marca (de 60% a 70%) tem esse perfil.

Edifício Setin Downtown República é outro exemplo do avanço imobiliário no centro de São Paulo Foto: Tiago Queiroz

Para o mercado imobiliário, os atrativos são a infraestrutura urbana e também incentivos fiscais. A Prefeitura isenta a cobrança de outorga onerosa (valor pago pelo empreendedor para construir além do permitido) na República e na Sé. Além disso, o limite máximo de aproveitamento dos terrenos pode ser até 6 vezes a área - na cidade, esse limite é de 2 a 4 vezes.

O clima é de otimismo, mesmo que outros planos de revitalizar o centro não tenham surtido o efeito desejado. “As políticas urbanísticas têm incentivado a construção habitacional na região e as novas residências irão contribuir com as mudanças em curso. Mais moradias trarão mais vida e ainda mais comércio”, diz Hubert Carvalho, diretor de Incorporação da Canopus. A empresa pretende inaugurar em 2025 o Today Centro, na Rua Brigadeiro Tobias, que terá até cine rooftop (pequeno cinema aberto) na cobertura.

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Os planos do governo de São Paulo de mudar sua sede são outro fator importante de atração, na opinião de Luiz Armando Fairbanks, CEO da Mundo Apto. “Se o governo realmente começar uma movimentação, o mercado imobiliário vai atrás”, afirma.

O poder estadual solicitou em junho à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) avaliação técnica sobre a viabilidade de uma nova sede administrativa dos serviços estaduais nos Campos Elíseos. A resposta deve sair até o fim do ano.

Professor de Planejamento Urbano da USP, Nabil Bonduki afirma que o avanço de unidades residenciais no centro foi um dos objetivos dos Planos Diretores de 2002 e 2014, dos quais foi relator na Câmara. Ele alerta para a necessidade de mais unidades de habitação de interesse social (para famílias com até seis salários) e de mercado popular.

Segundo o Plano Municipal de Habitação, o déficit habitacional na capital é estimado em 369 mil domicílios. “Os condomínios residenciais não deveriam excluir ou dificultar a oferta de prédios menores para famílias de baixa renda. Eles não podem dominar a região, o que pode elevar o valor da terra”, diz.

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Nesse contexto, a oferta imobiliária para o segmento econômico não é totalmente acessível na visão da arquiteta Paula Santoro, coordenadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da USP. “Mesmo com preços teoricamente acessíveis, não chega para os mais pobres. Quase 90% do déficit habitacional na cidade é de pessoas que ganham de zero a um salário mínimo. Para entrar no financiamento, é preciso comprovar renda de três salários mínimos”, diz.

Isenção de imposto é uma das medidas para incentivar projetos

A Prefeitura diz que o plano para recuperar o centro traz diversas iniciativas que tornam vantajoso o investimento na região. Uma delas é o Programa Requalifica Centro, que propõe incentivos fiscais para quem for reformar imóveis.

Entre eles, estão: remissão dos créditos de IPTU; isenção de IPTU nos três primeiros anos após o certificado de conclusão de obra; alíquotas progressivas para o IPTU por cinco anos; redução para 2% da alíquota de ISS para serviços relativos à obra de requalificação; isenção de ITBI a imóveis alvo de requalificação e isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento por cinco anos.

O Requalifica tem como alvo as edificações construídas até 23 de setembro de 1992 e em um perímetro estimado em 6,4 km² do centro. “A ideia é estimular o uso misto desses imóveis, ou seja, comércio no térreo e habitação nos demais pavimentos, combatendo a ociosidade ainda mais acentuada com a pandemia”, diz a gestão municipal.

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Fluxo de dependentes químicos se movimentou por várias regiões do centro, entre eles a Rua dos Gusmões (foto) Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A Prefeitura diz ainda monitorar 36 prédios ocupados na região. Há uma proposta de intervenção em 10 edifícios para transformá-los em moradia popular via Programa Pode Entrar, que está em estudo. O Edifício Prestes Maia é o primeiro a ser reformado, com mais de R$ 76 milhões previstos para a obra.

Desde 2017, diz a Prefeitura, foram entregues mais de 35 mil moradias, das quais 21 mil diretamente pelo Município, em parceria com Estado e União. Outras 14,3 mil unidades são os Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS), produzidos pela iniciativa privada com incentivo da Prefeitura.

Secretaria diz ter aumentado policiamento e fala em queda de crimes

A Secretaria de Segurança Pública, por sua vez, afirma que o fluxo de usuários de drogas está sendo monitorado pelas forças de segurança. Na terceira semana de junho, diz a pasta, constatou-se redução nos casos de roubo (31%) e furto (4%) em Campos Elísios e Santa Cecília, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Segundo o órgão, a PM reforçou o policiamento diário com mais 120 agentes. “As operações policiais resultaram na prisão em flagrante de 38 infratores envolvidos em furtos, tráfico de drogas, roubo e receptação. Além disso, oito criminosos procurados foram capturados e detidos”, acrescenta.

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