Em menos de um mês, a Prefeitura de São Paulo pretende anunciar a empresa ou o consórcio responsável pelo projeto executivo e a implementação do prolongamento da Marginal do Pinheiros, na zona sul. A obra é estimada em R$ 1,7 bilhão, com 8 quilômetros de extensão, mas há questionamentos sobre a efetividade e os impactos para a cidade. A entrega é prevista em até quatro anos.
Antes prevista, a implementação de um parque linear às margens do rio passou a ser incerta. O espaço de lazer estava no contrato firmado no ano passado (de R$ 6,9 milhões) com a empresa que atualizou o projeto de prolongamento. A gestão Ricardo Nunes (MDB) diz, contudo, que a “solução paisagística” será definida após “arbitragem dos órgãos ambientais e das concessões de uso vigentes para o local”.
Uma mobilização contrária à nova via expressa reúne cerca de 5 mil apoiadores em abaixo-assinado, com o argumento de que a área deveria ser recuperada e transformada em um parque linear. Em dezembro, decreto municipal liberou a desapropriação de imóveis particulares, no distrito Socorro, para a obra.
O abaixo-assinado foi criado pelo arquiteto e urbanista Dimitre Gallego, de 45 anos, morador da região. Ele diz que o projeto atual inviabiliza um parque linear, ainda mais por criar novas pontes e viadutos. Também compara que a extensão é superior à da orla de Santos.
“Ficaria um parque fatiado. A gente quer que aquela área seja preservada 100%”, defende. “A gente sabe muito bem dos problemas de mobilidade daquela região, mas nada justifica destruir aquela área”, completa. A gente quer uma cidade mais saudável, com mais verde. E a solução de marginal não condiz com isso”, completa.
Também há moradores do entorno que apoiam a proposta. Publicações da Prefeitura sobre o projeto atraíram manifestações favoráveis, assim como críticas. “Para quem mora na zona sul e depende da marginal para chegar no extremo sul, será uma melhoria muito grande”, diz um dos comentários. “Quantos km de corredor de ônibus daria pra fazer com uma grana dessa?”, questionou outro.
Segundo a Prefeitura, a decisão sobre o parque linear irá considerar o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), recém-entregue e em análise. Um dos pontos que atribui como possível dificuldade é a presença de torres de alta tensão no entorno. “Representa uma condição de risco iminente que requer restrições ao acesso para atividades de lazer”, disse em nota.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, mudanças no entorno dos Rios Pinheiros e Jurubatuba são necessárias, mas a proposta seria ultrapassada, ainda mais com o agravamento das mudanças climáticas.
Em resposta às críticas, a Prefeitura diz que a obra vai desafogar o trânsito na região. Também justifica que o orçamento de quase R$ 2 bilhões foi elaborado com base em estudos técnicos, diante da complexidade e diversidade de serviços envolvidos.
O resultado da licitação é previsto para 5 de março, com contrato de quatro anos. A obra prevista para a chamada “Nova Marginal Pinheiros” envolve pavimentação, drenagem, construção de novas pontes e viadutos e abertura de viário. O projeto inclui uma ciclovia ao longo de toda a extensão da via, no trecho mais próximo do rio.
O prolongamento envolveria a margem oeste dos Rios Pinheiros e Jurubatuba, do entroncamento da Ponte João Dias com a Avenida Guido Caloi até a Ponte Vitorino Goulart da Silva, nas proximidades do Autódromo de Interlagos. Ao todo, o projeto abrange três novas pistas de rolamento. Entre as novas pontes, estão uma sobre o Rio Guarapiranga e duas (além de um viaduto) junto à Ponte Transamérica, a fim de aumentar as conexões entre as duas margens do Pinheiros.
A proposta também já foi chamada de Via Parque Jurubatuba. Após décadas, voltou a ganhar força a partir da gestão João Doria (então no PSDB), com o Plano de Intervenção Urbana (PIU) Jurubatuba, aprovado no ano passado pelos vereadores — o qual incentiva e indica uma série de transformações urbanas em distritos como Santo Amaro e Vila Andrade.
Além disso, um projeto de lei aprovado em menos de uma semana e promulgado no ano passado já havia facilitado a obra. A lei permite mudar o zoneamento de parte da margem, onde hoje é Zona Ambiental de Proteção Ambiental (Zepam), para uma classificação que permite prédios altos, mediante a implantação de meio de transporte de média ou alta capacidade (como trem, metrô e VLT).
O que especialistas acham do projeto?
O Estadão ouviu especialistas em urbanismo e engenharia de tráfego para comentar o projeto. Os pesquisadores e consultores avaliam que a proposta não resolverá gargalos no trânsito e pode até agravar problemas já enfrentados na região.
Coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas (LPP) e professor na Mackenzie, Valter Caldana diz que o prolongamento da marginal é um “remédio vencido” e com “desenho recauchutado. Isto é, fazia sentido décadas atrás, mas hoje a solução é ultrapassada.
O urbanista argumenta que o entorno precisa de soluções viárias para melhorar o fluxo, mas não de uma via expressa. Isto é, com um tráfego em velocidade menos elevada e mais amigável com outros modos de transporte e com o rio.
“Fazer a ligação a sul é fundamental, mas fazer hoje não é do mesmo jeito da década de 1960. Mata a melhor oportunidade de demonstrar o que viria a ser a marginal do século 21″, resume.
Para ele, o prolongamento será “mais do mesmo” em alguns anos. “Vai criar mais problema? Sim. Um pouco mais os (problemas) ambientais, sobretudo em drenagem. A questão da mobilidade vai piorar, não melhora. Esse erro já se cometeu na marginal três vezes. Basta ver a última grande reforma (em 2010)”, comenta.
Vice-coordenador do Laboratório Verde (Labverde) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Paulo Pellegrino considera o projeto em desacordo com as necessidades atuais, que envolveriam propostas multifuncionais, que aliem transporte coletivo e meios mais sustentáveis, aproximem o contato da população com os rios e tragam soluções para transformar as cidades em “esponjas”.
“Estamos em crise climática e São Paulo não aprendeu nada? Continua a construir do mesmo jeito? Insistindo em emparedar rios em vez de criar ilha de de frescor na beira do rio?”, critica. Assim, avalia que o projeto vai no caminho oposto ao que o Estado sinalizava nos últimos anos: de melhorar a qualidade da água e o contato da população com o Pinheiros.
O governo paulista afirma que a qualidade da água do rio melhorou desde o fim de 2022 após um programa de revitalização, que envolveu ampliação da rede de esgoto e remoção de toneladas de lixo.
Como exemplo, cita cidades que têm feito movimento oposto: de reaproximação com os rios. “Todas as cidades do mundo veem que, para serem competitivas e manter dinâmica econômica, é preciso serem atraentes e agradáveis. São Paulo tinha tudo para ser uma cidade maravilhosa na margem de rios.”
Próxima sede dos Jogos Olímpicos, Paris buscou soluções nas últimas décadas para se reaproximar do Sena, por exemplo. A via expressa junto ao rio foi transformada aos poucos e, há mais de 10 anos, é também uma praia urbana, com espaços de lazer.
Doutor em Engenharia com foco em Mobilidade Urbana, Luiz Vicente Figueira de Mello Filho diz que esse tipo de obra não é suficiente para reduzir congestionamentos. Ele argumenta que diversas outras mudanças viárias buscaram resultado semelhante, mas voltaram a ficar engarrafadas em alguns anos. “A tendência é de melhorar momentaneamente, porque dobra a capacidade do fluxo de veículos, mas, no futuro, acabe ficando muito parecido com o que temos hoje.”
O que diz a Prefeitura sobre a extensão da Marginal do Pinheiros?
A Prefeitura elencou impactos positivos que espera para a região com a obra, como melhoria na fluidez do trânsito, eliminação de alagamentos e redução no tempo de deslocamentos na região. “O projeto implantado trará benefício direto na qualidade de vida dos usuários”, destacou na justificativa do edital.
Segundo a gestão Nunes, a Marginal do Pinheiros recebe um fluxo diário de 500 mil veículos. O edital também prevê medidas de controle, mitigação e compensação de impactos ambientais, porém não há detalhamento divulgado até o momento. A obra abrange, ainda, intervenções de contenção nas margens do canal.
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