Morar na região central significa conviver com pedidos de ajuda e comida de famílias que moram nas ruas, dependentes químicos ou desempregados. A aposentada Maria Ana Rodrigues diz que esses pedidos só aumentaram ao longo dos 50 anos que vive na Rua Conselheiro Nébias, sempre no mesmo endereço. Sim, Conselheiro Nébias é uma das principais concentrações de usuários de drogas, ao lado da Rua Gusmões, depois que o “fluxo” se espalhou após as operações policiais.
“Se eu compro cinco pães na padaria, eu sei que vou chegar em casa com apenas dois. Sempre compro um pouco a mais porque sei que as pessoas pedem”, diz a aposentada. A disposição para ajudar convive com o medo e a insegurança. “Na maioria das vezes, as pessoas ameaçam e dão a entender que estão armadas”, afirma.
Basta fazer as contas para perceber que ela viveu a infância no centrão. Conta que andou de bicicleta na Praça Princesa Isabel – local que chegou a ser ocupado pela Cracolândia, afugentada após uma megaoperação. É uma lembrança gostosa, a memória dá um giro e volta ao ponto de partida. “Voltei a frequentar um lugar onde ia quando criança. Não ando mais de bicicleta, mas caminho e faço exercício”, diz.
Na adolescência, ela comia no restaurante O Gato que Ri, que ainda ocupa o mesmo endereço no Largo do Arouche há 70 anos. Mas ela não tem mais coragem para sair sozinha depois das 18 horas.
E sente saudade da época em que as pessoas saíam para passear no centro, especialmente na Praça da Luz, outro endereço de sua memória – para lá, ela ainda não se arriscou a voltar. “O centro ficou mais vazio, com lojas fechadas e prédios abandonados. É triste ver como era e como está hoje.”
Dos amigos da época da bicicleta, restaram apenas um ou dois no mesmo endereço; os outros já se mudaram. Maria Ana conta que já pensou em se mudar, mas os imóveis da região perderam o valor.
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