SOROCABA – Dois conjuntos ferroviários, incluindo estações do século 19, e 65 locomotivas antigas a vapor e elétricas, além de vagões e equipamentos, passaram a compor o patrimônio cultural do Estado de São Paulo. O Conselho do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) publicou no Diário Oficial desta terça-feira, 10, a resolução de tombamento de 97 bens ferroviários, entre eles 17 locomotivas a vapor, incluindo raridades do século 19. Em outra resolução, foram tombados 55 bens ferroviários, incluindo locomotivas elétricas e as estações de Aguaí, na região norte do Estado, e de Varnhagen, em Iperó, no sudoeste paulista.
É o maior ‘pacote’ de tombamentos de bens do patrimônio ferroviário já registrado em São Paulo. Outros 27 itens estão em estudo para tombamento. O Condephaat considerou que os bens são representativos da memória ferroviária paulista e do País. Os bens estão espalhados pelos remanescentes de antigas ferrovias como Paulista, Mogiana, Central do Brasil, Sorocabana, São Paulo Railway e Santos-Jundiaí. Muitos estão deteriorados ou sofreram vandalismo. A expectativa é de que, com o tombamento, que restringe intervenções ou outra destinação a esses bens, sejam captados recursos para restauro e conservação.
O conjunto da estação ferroviária de Aguaí pertenceu à Companhia Mogiana de Estrada de Ferro que, inaugurada em 1875, em Campinas, foi a primeira ferrovia a atingir a divisa de São Paulo com Minas Gerais, impulsionando a ocupação de terras do norte paulista e do sul mineiro. A estação foi o marco zero do ramal de Caldas, inaugurado em 1886, ligando a Mogiana a Poços de Caldas (MG). Além de escoar a produção de café da região e do sul de Minas para o Porto de Santos, a ferrovia possibilitou a formação de cidades, como o balneário hidromineral de Águas da Prata.
O prédio, que vem sendo conservado pela prefeitura, apresenta tipologia rara entre as erguidas pela companhia, com instalação em ilha e com dois pavimentos. O conjunto tombado inclui o armazém de carga, caixa d’água, casa de turma para os trabalhadores e o triângulo de entroncamento das linhas férreas. Conforme o Condephaat, a estação de Aguaí permanece como um dos poucos conjuntos da Mogiana com uso ferroviário ininterrupto. O edifício já havia sido tombado em 2001 pela prefeitura, que o considerou de valor histórico e cultural para o município.
A estação de Varnhagen atual substituiu a estação original de Ipanema, que foi a ponta da linha tronco da Estrada de Ferro Sorocabana de 1876 a 1880. Após a inauguração da Sorocabana entre São Paulo e Sorocaba, em 1875, o imperador Dom Pedro II autorizou a extensão da linha para atender a Fábrica de Ferro de Ipanema, primeira siderúrgica brasileira. Atualmente a estação fica no município de Iperó, em área adjacente à Floresta Nacional de Ipanema (Flona), administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O tombamento inclui casas de ferroviários e operadores da linha, além de 456 metros de leito ferroviário. Uma das casas resistiu ao tempo mesmo sendo predominantemente de madeira. A proteção atinge ainda a subestação de energia, com três transformadores externos fabricados nos Estados Unidos, bem como o painel de controle da Westinghouse.
A resolução do Condephaat protege 17 locomotivas a vapor que puxaram vagões nos primórdios do modal ferroviário paulista, como a ‘Maria Fumaça’ 200, fabricada em 1891 e adquirida pela Paulista, atualmente exposta em Garça. Outras três locomotivas do século 19 – a 405, de 1892, da Mogiana; a 604, de 1985, que rodou pela Paulista, e a 302, de 1896, também da Mogiana, estão baseadas em Campinas.
O tombamento abrange também o material rodante que marcou o processo de eletrificação ferroviária no Estado. Destacam-se uma locomotiva elétrica centenária fabricada pela General Eletric em 1921 e outra da Metropolitan Vickers, de 1926. Várias ‘Baratinhas’, ‘Lobas’, ‘Mini-Saias’, ‘Pimentinhas’, ‘Pão-de-Forma’ e ‘Baratão’, apelidos dados às locomotivas levando em conta seu formato, estão entre os bens tombados.
De acordo com a diretora da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPHH), Elisabete Mitiko Watanabe, desde 2011 o Condephaat vem reconhecendo a importância do patrimônio ferroviário e atendendo demandas de prefeituras e associações de preservação. “Nesse universo, foram feitos tombamentos do material rodante, que inclui vagões e locomotivas a vapor, e do material eletrificado, configurando então as duas fases da história de implantação da ferrovia em São Paulo”, explicou.
No caso do conjunto de Varnhagen, em Iperó, a subestação se refere à primeira fase da eletrificação da Sorocabana. O prédio da subestação está bem conservado, mas a própria estação sofreu intenso processo de deterioração. “A gente tem conhecimento de problemas de conservação desses bens, mas as estruturas estão preservadas. Durante a instrução do pedido de tombamento, o município de Iperó indicou o interesse de utilizar a área para fins turísticos”, lembrou.
O conjunto é vizinho da Fazenda Ipanema, que preserva remanescentes arquitetônicos, maquinários da antiga Fábrica de Ferro Imperial tombados pelo patrimônio histórico nacional e está aberta à visitação. “Infelizmente, o tombamento não traz consigo os recursos necessários para a recuperação dos bens, mas o reconhecimento de sua importância cultural e da necessidade da sua preservação abre a possibilidade de captação de recursos através das leis de incentivo à cultura e de emendas parlamentares”, disse.
A técnica lembra que os bens tombados são apenas uma amostragem do patrimônio ferroviário paulista, já que tombamento acaba sendo uma seleção, pois não dá para tombar todos os bens. “Esses bens que não são tombados precisam ser protegidos por outras ações, tanto por iniciativa das prefeituras, inclusive em parcerias com a iniciativa privada, como das associações de preservação ferroviária, que vêm fazendo um excelente trabalho no Estado de São Paulo.”
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