Apesar de ser um dos primeiros locais do Brasil a receber europeus degredados ainda no século XV, Ilha Comprida é um município relativamente jovem no litoral sul de São Paulo e foi emancipado há pouco mais de 30 anos. Mas, com 100% do seu território declarado como Área de Proteção Ambiental (APA), a cidade se mantém até hoje como um dos pontos mais preservados de todo o litoral da Mata Atlântica, guardando tesouros naturais, históricos e culturais, como vilas caiçaras, as maiores, mais antigas e melhor preservadas dunas de areia do Estado e também a sua faixa mais extensa de praias interligadas e ininterruptas, espalhadas ao longo de 74 quilômetros.
Localizada a 207 quilômetros da capital paulista, em uma área marítima que fica na divisa entre os municípios de Cananéia e Iguape, Ilha Comprida passou séculos sendo acessada apenas por balsas ou pela praia, enquanto seu território era dividido entre as duas cidades. A sua emancipação em 1992, entretanto, ajudou para que oito anos depois fosse inaugurada uma ponte ligando a ilha a Iguape.
Mais de duas décadas depois, pouco mudou na cidade que hoje tem cerca de 11 mil habitantes, segundo o censo mais recente do IBGE. Por mais que a população tenha crescido, algumas ruas tenham sido asfaltadas e parte da infraestrutura turística revitalizada, Ilha Comprida ainda é formada basicamente por casas e não por prédios, mantém forte a tradição pesqueira e orgulha-se de preservar uma beleza natural exuberante, espalhada pelos rios, manguezais, várias espécies de aves, 74 quilômetros de praias com águas raramente impróprias para banho e dunas que chegam a até 10 metros de altura.
No início deste ano, Ilha Comprida reforçou ainda mais as regras de preservação do seu litoral e, além da proibição de carros na areia, também baniu todos os quiosques após uma determinação judicial. Alguns estabelecimentos ainda oferecem cadeiras e barracas ou tendas, mas o local do atendimento foi transferido para o asfalto. Outro ponto positivo é a proibição de som alto na maior parte da orla, uma dádiva para quem busca ouvir o barulho do mar sossegado e fugir das batalhas de playlists em caixas de som portáteis.
Com pinheiros altos e uma variedade incrível de pássaros que podem ser vistos em qualquer ponto das praias, Ilha Comprida pode ter um quê de cenário lynchiano, principalmente nos dias nublados em que a mistura de neblina e maresia deixa o horizonte embaçado, quase invisível. Com o tempo aberto, entretanto, a beleza natural do lugar é ainda mais surpreendente, um lembrete visual da riqueza biológica ainda guardada no litoral da Mata Atlântica. Tanto que, de Ilha Comprida ter seu território declarado como uma APA ainda na década de 1980, a cidade é também um dos pontos da Mata Atlântica listados como Reserva da Biosfera do Planeta pela Unesco.
“Esse é um dos nossos maiores desafios. A gente trabalha na maior parte do ano com uma população que não chega a 13 mil habitantes e, nas altas temporadas, a cidade vira uma loucura e chega a receber 1 milhão de visitantes”, comenta Christine Hudson, diretora de Turismo de Ilha Comprida.
Mas, as campanhas e ações da Prefeitura sobre conscientização e preservação, ela aponta, são ainda mais potencializadas pelas iniciativas dos próprios moradores e comerciantes. “Temos todo esse esforço em conjunto para manter a conservação. Acho que é um diferencial nosso. As pessoas vêm aqui buscar sossego, segurança e praias limpas.”
“É muito difícil construir qualquer coisa aqui. As regras são muito rigorosas e sempre tem fiscalização nas praias para combater pesca ilegal ou carros na areia. Mas, eu concordo, tem de ser assim mesmo. Senão vira bagunça”, diz o paulistano Nilton Roberto, de 70 anos, que trocou a capital paulista por Ilha Comprida assim que se aposentou, em 2021. “Minha vida agora é outra. Isso aqui é muito tranquilo, um paraíso”, comemora.
Um dos últimos municípios no sul de São Paulo e próximo à divisa com o Paraná, Ilha Comprida é um destino igualmente procurado por turistas das capitais e do interior de ambos os Estados, além de ter conquistado também uma parcela de admiradores estrangeiros. Abaixo, confira um roteiro com os principais pontos turísticos da cidade.
Antigo Porto da Balsa
Ponto de desembarque quando o acesso a Ilha Comprida era feito quase que exclusivamente por transporte marítimo, o Antigo Porto da Balsa começou a ser revitalizado em 2019 para se tornar um polo turístico, que ainda está em construção, mas já conta com estrutura para receber visitantes, como o deck de madeira com vista para o Mar Pequeno. Próximo à entrada de quem chega pela ponte de Iguape, a área terá o futuro Museu do Mar, um Centro de Instrução Náutica e um mirante com 8 metros de altura recém-erguido e com previsão de ser inaugurado em novembro.
Quem estiver pela região norte da cidade e quiser um ponto de descanso pós-praia encontra ainda uma lanchonete e restaurante com mesas, cadeiras e poltronas ao ar livre. “Ali é um dos pontos mais bonitos da cidade para ver o pôr-do-sol”, comenta Christine. Aos fins de semana, feriados e, principalmente, na alta temporada, o espaço ainda conta com música ao vivo e abriga também o Festival de Verão, em janeiro.
Dunas do Araçá
No extremo norte de Ilha Comprida, as Dunas do Araçá ficam próximas à praia de mesmo nome e à Ponta da Praia, a 7 km do centro. Apesar de ser menor que as Dunas de Juruvaúva em altura e extensão, o local ainda assim é um bom exemplar desse ecossistema e um dos principais em todo o Estado, guardando uma beleza natural praticamente intocada, com vegetação, pássaros e morros.
O acesso com estacionamento é feito seguindo pela Avenida Beira Mar até uma estrada de terra, onde é possível encontrar inclusive opções de pousadas e camping para hospedagem. Na volta, ainda é possível dar um mergulho na praia de mesmo nome.
Praia do Encanto
Na região central da cidade, a Praia do Encanto é um dos trechos mais frequentados por moradores e turistas, principalmente na alta temporada de verão. Não à toa, é uma ótima opção para quem quer socializar e não abre mão de uma infraestrutura mínima, uma vez que ela conta com uma boa oferta de bares, restaurantes e quiosques próximos.
Nessa parte da Avenida Beira-Mar, é possível encontrar também uma boa oferta de pousadas. Em alguns pontos de acesso à praia, entretanto, é preciso também atravessar um pequeno trecho do Rio Candapuí.
Praia do Viaréggio
Batizada em homenagem à comuna homônima na região da Toscana, na Itália, a Praia do Viaréggio já fica no sul de Ilha Comprida, no balneário de mesmo nome. Ali, a areia começa a ficar mais clara e firme, enquanto o mar aberto mantém o tom avermelhado da outra ponta e a água ainda aparenta ter uma textura mais arenosa. Isso, claro, foi o que o Estadão viu no dia da visita e está sujeito a variações de acordo com a maré, meteorologia e época do ano.
No número 27.780 da Avenida Beira-Mar, a Praia do Viaréggio guarda um dos pontos de encontro, lazer e gastronomia mais tradicionais da orla de Ilha Comprida. Inaugurado por Adauto Batista no mesmo ano em que a cidade foi emancipada, o Adauto’s Bar é um empreendimento familiar que serve comodidade aos clientes e um cardápio com frutos do mar pescados na própria região.
Os desenhos pintados nas paredes do Adauto’s Bar retratam a diversidade da fauna e da flora de Ilha Comprida, com retratos de onças, baleias, tubarões e tucanos. O peixe servido ao molho de camarão, receita original de Maria do Rosário, mulher de Adauto, é o carro-chefe da cozinha e vem com arroz, feijão e salada de acompanhamento, em quantidade suficiente para servir três pessoas.
Hoje com 64 anos, Adauto divide o comando do estabelecimento com o filho, Adauto Jr. “Esse aqui é o negócio da vida do meu pai, da nossa família. Quem vier, encontra um restaurante de tradição, com comida boa e cerveja gelada”, avisa o rapaz de 24 anos.
Na calçada em frente ao restaurante, Adauto construiu uma espécie de deck e lounge à beira do rio, decorado com telhado de palha, bancos, passarela e a ossada de um crânio de baleia (sim, isso mesmo que você leu), que aumentam o charme do lugar. Quem estiver sofrendo com a falta de sinal telefônico naquela parte de Ilha Comprida ainda pode retomar a conexão com a vida lá fora pelo wi-fi do local.
Aos fins de semana, feriados e dias de alta temporada, o Adauto’s Bar ainda oferece algumas mordomias extras para os viajantes menos preparados, colocando tendas e cadeiras na faixa de areia. Os clientes que assim escolherem, podem ser servidos diretamente de lá.
Vila das Pedrinhas
A Vila das Pedrinhas é o principal reduto caiçara de Ilha Comprida e está localizada no seu extremo sul, já no final da Avenida Beira-Mar, que a essa altura não é mais asfaltada. Apesar de ser um dos pontos mais distantes para quem chega de São Paulo, a vila tem um dos cenários mais bonitos e preservados da cidade, formado por manguezais e banhado pelo Mar Pequeno.
Dali, é possível fazer passeios e excursões de balsa pelo litoral de Ilha Comprida e ainda visitar o Ninhal dos Guarás, espécie rara de pássaro com a plumagem avermelhada que é uma das riquezas biológicas da cidade. Quem quiser apenas conhecer o local, encontra bares, lanchonetes e restaurantes com pratos à base de frutos do mar e preços justos. Apesar de o mergulho no Mar Pequeno não ser recomendado, alguns dos estabelecimentos têm mangueiras e chuveiros para quem quiser se refrescar.
Outro atrativo da vila é a chance de apreciar o artesanato produzido pelos caiçaras locais e exibido em um ateliê/loja na pracinha central, onde é possível encontrar ótimas opções de souvenirs da cidade. Quem estiver por lá ainda pode conferir a mais nova atração da região: o Café Caiçara, servido sempre às terças-feiras e aos sábados.
Dunas de Juruvaúva
Talvez o cenário mais singular de Ilha Comprida, as Dunas de Juruvaúva se espalham por toda a cidade, mas atingem seu ápice no extremo sul do município, onde guardam a praia de mesmo nome e formam morros de areia que chegam a 10 metros de altura. Apesar de não ser o único, este é o maior, mais antigo e melhor preservado exemplar desse ecossistema em todo o Estado de São Paulo, além de ser o único ainda intocado.
Para chegar às Dunas de Juruvaúva, entretanto, é preciso ter cuidado e disposição. Apesar de possível, a caminhada a pé é longa, cansativa e dificultada exatamente pelo acidente geográfico que caracteriza o local. O acesso de carro é feito pela Praia das Pedrinhas, mas só é recomendado em dias de maré baixa e sem grandes fenômenos climáticos, uma vez que o veículo precisa passar pela areia, rente ao mar, e pode ficar encalhado.
Praia das Pedrinhas
Seguindo pela Avenida Beira-Mar, a Praia das Pedrinhas fica na mesma altura da vila homônima, mas do lado oposto. É no início dela que está o acesso às Dunas de Juruvaúva e a passagem utilizada para quem quer ir direto de carro até Cananéia, sem ter que voltar pela ponte (o trajeto, entretanto, também depende das condições meteorológicas e da maré).
Por ser mais afastada do centro, a praia tem água e areia mais claras que as da parte norte, mas ao mesmo tempo menos infraestrutura e estabelecimentos nas proximidades. O trecho é ótimo para quem quiser curtir um dia de sol com mais privacidade e ficar longe de muvucas, mas para fazer isso em dias de semana ou fora da alta temporada recomendamos chegar bem preparado e levar de casa seus próprios mantimentos, como água, comida e sombrinha.
Serviço
- Antigo Porto da Balsa
Endereço: Av. 27 de Outubro, 1000 - Balneário Britânia
- Adauto’s Bar
Endereço: Av. Beira-Mar, 27780, Ilha Comprida - SP, 11925-000
Mais informações: https://www.facebook.com/adautosbar/
- Vila das Pedrinhas
Endereço: Ilha Comprida/SP | CEP: 11925-000
- Dunas do Araçá
Endereço: Av. Beira-Mar, 46, Ilha Comprida - SP, 11925-000
- Dunas de Juruvaúva
Endereço: Ilha Comprida - SP, 11925-000
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