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Cracolândia: Juíza proíbe Guarda Civil de usar bomba, dar tiro de borracha e agir como polícia

Sentença atende parte dos pedidos feitos em 2021 pela Promotoria dos Direitos Humanos do MP-SP; Prefeitura e GCM afirmaram ainda não terem sido intimadas

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Foto do author Ítalo Lo Re
Foto do author Fabiana Cambricoli
Atualização:

Agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM) não devem usar bombas de gás lacrimigêneo, dar tiros de bala de borracha ou participar de operações policiais na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, determinou nesta segunda-feira, 24, a Justiça paulista.

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A sentença atende parte dos pedidos feitos em 2021 pela Promotoria dos Direitos Humanos do Ministério Público do Estado (MP-SP). Na época, foi ajuizada uma ação civil pública contra a Prefeitura em decorrência do que promotores caracterizaram como uma série de excessos cometidos pela GCM.

O clima tem sido tensão na Cracolândia. Na última semana, como mostrou o Estadão, a Rua dos Protestantes, local com a maior concentração de usuários e traficantes de drogas no centro, passou a ter cavaletes e grades de ferro em parte de sua extensão.

Procuradas pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo e a Guarda Civil Metropolitana afirmaram, por meio da Procuradoria Geral do Município, que ainda não foram intimadas da decisão. “Com a intimação, serão analisadas as providências cabíveis”, afirmaram, em nota.

Rua dos Protestantes, local com a maior concentração de usuários e traficantes de drogas no centro, passou a ter cavaletes e grades de ferro em parte de sua extensão Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 20/06/24

A sentença, assinada pela juíza Gisla Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública, aponta que, “embora a Guarda Municipal seja integrante do Sistema de Segurança Pública, isso não permite afirmar que sua atuação mantém a mesma amplitude conferida às polícias militares estaduais”.

Conforme a decisão, ações policiais são “típicas de polícia repressiva e sob formação militar”. Por conta disso, Secretaria Municipal de Segurança Urbana e sua Guarda Civil Metropolitana não devem realizar ou participar de incursões desse tipo, além não desferir tiros com bala de borracha ou lançar bombas.

“É importante deixar claro que esta demanda tem por objetivo último a tutela das pessoas inseridas no contexto da denominada Cracolândia, assegurando-lhes direitos”, diz a sentença. “A situação na qual estão inseridas denota hipervulnerabilidade, que se revela em carência afetiva, de moradia, de incolumidade física e mental, econômica, política, dentre outras consequências nefastas do uso reiterado de drogas.”

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Além da decisão para que a GCM não participe mais de ações policiais, a Justiça determina que a Prefeitura crie um canal direto de comunicação da população com o Comando da Guarda Civil Metropolitana. A plataforma deve ser apta a receber denúncias instruídas com vídeos.

Também deve ser criado um protocolo para apuração administrativa das responsabilidades de todos os servidores municipais que participem de ações policiais, o que permite instaurar procedimentos administrativos disciplinares para cada ocorrência que for levada ao conhecimento do Comando da GCM.

Por fim, a sentença afirma que a Prefeitura deve apresentar, em até 60 dias, um plano de atuação para impedir a utilização rotineira e injustificada de técnicas de contenção por formação militar, seja por barreira de escudos ou pela utilização indiscriminada de bombas e de tiros de elastômero (também conhecido como bala de borracha).

Conforme a sentença, as determinações visam a assegurar direitos, uma vez que “a população de rua submetida a esta teia de vulnerabilidades é, antes de tudo, integrada por sujeito de direitos”.

MP instaurou inquérito após megaoperação na Cracolândia

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A decisão toma como base apuração do MP que indicou que a GCM realizava “barreira” ao redor da Cracolândia para realizar revista de pertences pessoais em mochilas, bolsas e malas “de maneira truculenta e agressiva nas pessoas que circulavam o local”.

Conforme a Justiça, essas ações, descritas como “abusivas”, estão documentadas por vídeos, gravações, fotografias e depoimentos de testemunhas presenciais de 2017 em diante.

Ao longo do inquérito, foi apurado que alguns comportamentos de agentes da GCM ultrapassaram os limites de atuação regida pela Constituição. O Ministério Público, então, apresentou ação civil pública à Justiça, que cobrou que, na prática, a guarda evite atuar como se fosse a Polícia Militar.

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Os promotores Eduardo Valerio, Arthur Pinto Filho e Anna Trotta Yaryd afirmaram que, inicialmente, o inquérito civil para apurar possível excesso de força utilizado por agentes em uma operação de grandes proporções ocorrida na Cracolândia em maio de 2017.

Como mostrou o Estadão na época, cerca de 900 policiais, entre civis e militares, participaram da ação contra o tráfico de drogas. Foram presos 38 traficantes – entre eles estão bandidos que foram filmados segurando armas no entorno – e apreendidas diversas armas, como fuzis e submetralhadoras, além de uma quantidade de crack. A polícia desmontou as 34 barracas da feira de drogas que funcionava na área.

Posteriormente, o inquérito foi ampliado para abarcar mais denúncias em relação à atuação da guarda na Cracolância. “Ao analisar a prova, a juíza esmiuça e deixa claríssima a violência perpetrada pela GCM naquela região”, disse ao Estadão o promotor Arthur Pinto Filho.

Pinto Filho afirma que, em depoimento, os representantes da GCM alegaram seguir o que determina portaria de como os agentes devem agir na Cracolândia. Ele diz que as oitivas de pessoas da região apontam, porém, que as determinações por vezes não são cumpridas.

Para o promotor, excessos continuam a se repetir na região mesmo após a apresentação da denúncia. “De 2021 para frente mais barbaridades aconteceram, e essas barbaridades foram levadas à juíza”, disse. “Se a municipalidade estiver querendo acertar na região da Cracolândia, ela cumpre imediatamente essa sentença.”

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