A Polícia Militar de São Paulo matou 496 pessoas entre janeiro e setembro, o maior número desde 2020, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública do Estado. Além das estatísticas da letalidade policial crescente, uma sequência de casos no último mês acendeu o alerta sobre a violência em abordagens da corporação.
Entre os casos de repercussão, estão a morte de uma criança de 4 anos na Baixada Santista, de um estudante de Medicina baleado em um hotel da capital, o assassinato de um homem atingido nas costas após tentativa de roubo em um mercado e o flagra de policiais atirando um homem de uma ponte.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) tem afirmado não tolerar desvios de conduta dos agentes e diz apurar todas as mortes por policiais, “com acompanhamento das respectivas corregedorias, Ministério Público e Judiciário”.
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No Instagram, o secretário da Segurança, Guilherme Derrite, prometeu “severa punição” aos envolvidos. “Anos de legado da PM não podem ser manchados por condutas antiprofissionais. Policial não atira pelas costas em um furto sem ameaça à vida e não arremessa ninguém pelo muro.”
A alta de mortes interrompeu a curva de queda de mortes pela PM que havia sido registrada a partir do uso das câmeras corporais nas fardas dos agentes. Em 2022, o total de óbitos do tipo foi o menor da série histórica, iniciada em 2001.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o governo deveria ter fortalecido o programa de câmeras. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a questionar a efetividade dos equipamentos, mas depois disse que manteria o modelo. A gestão também reiterou a continuidade do sistema ao Supremo Tribunal Federal (STF) após ser cobrado - há 10.125 câmeras em funcionamento no Estado.
Analistas defendem preparar melhor a tropa - sobretudo para ocorrências cotidianas, como brigas -, reforçar mecanismos de controle e investir em armas não letais para abordagens em que isso é possível. A letalidade policial maior, continuam, não leva ao combate mais eficaz ao crime organizado e pode criar confrontos ainda mais violentos, com risco para moradores de áreas dominadas pelo tráfico de drogas.
Relembre os casos:
3/11/24 - Homem é morto com tiro nas costas após tentar roubar sabão
Gabriel Renan dos Santos, de 26 anos, foi morto a tiros por um policial militar de folga após tentar furtar pacotes de sabão em um mercado no Jardim Prudência, zona sul de São Paulo. Ele foi alvejado pelas costas ao tentar fugir e escorregar na porta do estabelecimento, mostram imagens da câmera de segurança.
No boletim de ocorrência, o PM Vinicius de Lima Britto afirma que agiu em legítima defesa, versão contestada pela família. Em nota, a SSP diz que o policial foi afastado das atividades operacionais e afirma que o caso está sob investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), com acompanhamento da Polícia Militar.
5/11/24 - Criança de 4 anos morre enquanto brincava na rua
Ryan Andrade, de 4 anos, morreu ao ser atingido por bala perdida durante confronto entre a PM e suspeitos, em Santos, no litoral. O menino brincava na rua quando foi atingido pelo tiro na barriga. Segundo a PM, “provavelmente” o projétil partiu da arma de um policial.
A SSP diz que os policiais reagiram ao serem atacados por um grupo com cerca de 10 suspeitos - o patrulhamento era feito em área dominada pelo tráfico de drogas. O caso é investigado.
Dois adolescentes também foram atingidos durante a troca de tiros e um deles morreu. Uma jovem de 24 anos também foi vítima de bala perdida, mas foi ferida de raspão.
Em fevereiro, o pai de Ryan também havia morrido durante uma operação policial. Conforme a SSP, ele tinha envolvimento com o narcotráfico.
20/11/24 - Aluno de Medicina é assassinado em hotel na Vila Mariana
O estudante Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu baleado por um policial militar em um hotel na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. A polícia afirma ter sido acionada por causa de um desentendimento entre o jovem e a mulher que o acompanhava, uma garota de programa.
Imagens da câmera de segurança mostram o jovem entrar no estabelecimento correndo. O rapaz é seguido por um PM que o puxa pelo braço, empunhando a arma. Um segundo policial aparece, chutando Acosta, que segura seu pé e o faz desequilibrar. Em seguida, um dos PMs disparam na barriga da vítima.
Na versão divulgada pela SSP, o jovem teria golpeado uma viatura e tentado fugir em seguida. Ainda conforme a pasta, ele teria investido contra os policiais ao ser abordado e foi ferido por um disparo. O caso é investigado e os agentes envolvidos na ocorrência foram afastados. O PM responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar).
“A polícia de São Paulo está matando por um retrovisor?”, questionou a médica Silvia Mônica Cardenas, mãe de Acosta.
2/12/24 - Homem é jogado de ponte na zona sul de São Paulo
Vídeo divulgado nas redes sociais flagrou um policial militar jogando um homem do alto de uma ponte da cidade de São Paulo. Segundo a Ouvidoria das Polícias, o caso ocorreu na madrugada de segunda-feira, 2, na zona sul da capital. Ao menos outros três policiais participam do ato.
Pelas imagens, é possível ver três agentes da Polícia Militar sobre a ponte. Um deles levanta uma moto do chão e a encosta na mureta. Outro policial aparece segurando pelas costas um homem usando uma camiseta azul.
O vídeo registra o momento em que o policial levanta o homem pelas pernas e o joga do alto da ponte sobre um córrego. Na sequência, o corpo de um homem aparece boiando nas águas do córrego.
A PM disse ter instalado inquérito policial militar para apurar os fatos. O procurador-geral de Justiça do Estado, Paulo Sergio de Oliveira e Costa, considerou as imagens “estarrecedoras e inadmissíveis”.
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