Uma criança de 4 anos morreu ao ser atingida por uma bala perdida durante um confronto entre a Polícia Militar e suspeitos, na noite de terça-feira, 5, no Morro São Bento, em Santos, no litoral de São Paulo. O menino Ryan da Silva Andrade Santos brincava na rua quando foi atingido por um tiro na barriga. Ele foi levado ao hospital, mas não resistiu. Segundo a PM, o tiro que atingiu a criança pode ter sido disparado por um policial. O pai de Ryan morreu no início deste ano em uma operação policial.
Dois adolescentes também foram atingidos durante a troca de tiros e um deles morreu. Uma jovem de 24 anos também foi vítima de bala perdida, mas foi ferida apenas de raspão.
O confronto com mortos e feridos deixou tenso o clima na Baixada Santista. A PM anunciou o envio da Tropa de Choque para prender os suspeitos de terem causado o conflito. O policiamento será reforçado também com outros batalhões, a exemplo do que aconteceu em operações recentes, como a Operação Escudo e a Operação Verão.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que os policiais reagiram ao serem atacados por um grupo com cerca de 10 suspeitos. Os agentes faziam patrulhamento em uma área de tráfico de drogas quando foram recebidos a tiros. A Polícia Civil abriu inquérito e determinou perícia nas armas apreendidas no local para esclarecer a origem do tiro que matou a criança.
Em coletiva dada no final da manhã, no comando geral da PM em São Paulo, o coronel Emerson Massera, porta-voz da corporação, disse que provavelmente o projétil que matou a criança partiu da arma de um policial. “O projétil ficou alojado no abdômen do menino que infelizmente faleceu. Será feito o confronto balístico para verificar a origem do disparo. Pela dinâmica, pelo cenário da ocorrência, nós entendemos que provavelmente esse disparo partiu de um policial militar. Teremos a certeza depois do laudo da perícia”, disse.
Os sete policiais envolvidos diretamente na ocorrência passarão por acompanhamento e avaliação. As armas deles passarão por perícia.
Secretário da Segurança Pública é questionado na Alesp
O secretário da Segurança Pública do do Estado de SP, Guilherme Derrite, foi questionado sobre a morte do menino ao participar da Comissão de Segurança Pública e Administração Penitenciária da Assembleia Legislativa do Estado de SP, na qual prestou contas sobre sua gestão à frente da pasta.
A deputada Paula Nunes, da Bancada Feminista (Psol), criticou o que chamou de política de extermínio do governo e cobrou solidariedade à mãe da criança, aos familiares das vítimas.
“Hoje é um dia triste na história do estado de SP. Cada vez que uma criança de quatro anos for executada em uma operação policial, a gente não pode dizer que está tudo bem. Infelizmente, a gente vai precisar nomear as coisas como são: e o que tem acontecido por aqui é uma política de execução. E sinto muito por isso, e eu espero, e venho pedir aqui o mínimo de sensibilidade com as famílias.”
Derrite disse lamentar a morte, afirmou que a ocorrência estava sendo investigada e alegou que não usaria o assunto para fazer o que definiu como “palanque político”.
“Não vou fazer palanque político com a morte de uma criança. Primeiro dizer que lamento demais o que aconteceu com o menino. Muito triste o que aconteceu. E tenho certeza absoluta que que nenhum policial envolvido nessa operação, ou em qualquer canto do Estado de SP, está feliz com a morte da criança.”
Em nota pública, entidades como a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Sou da Paz, entre outras, manifestaram repúdio e indignação com as mortes de Gregory e Ryan. “Aparentemente a gestão e os agentes policiais que atuam em locais empobrecidos abandonaram o uso dos protocolos, a construção de uma relação de confiança com a comunidade e até mesmo a sua própria segurança, em nome de resultados operacionais que não desestruturam o crime organizado. Vemos uma Polícia Militar que se sente legitimada para agir com truculência e verbalizando vingança, negligenciando o profissionalismo”, diz o texto.
O confronto
De acordo com a Polícia Civil, a ação policial aconteceu por volta das 22h40, em uma rua do Morro São Bento, próximo do centro da cidade. Policiais de moto patrulhavam o bairro quando viram um grupo de pessoas em atitudes suspeitas que fugiram à chegada das viaturas.
O grupo seguiu para um ponto de tráfico de drogas e os policiais precisaram descer das motos para ter acesso ao local, mas foram recebidos a tiros. Os PMs revidaram e pediram apoio.
O menino Ryan estava brincando na rua quando recebeu o tiro. Familiares e moradores correram para o local e chamaram socorro. A criança foi levada para a Santa Casa de Santos, mas não resistiu.
Na chegada de outra equipe em viaturas, houve novo tiroteio e dois menores, de 15 e 17 anos, foram baleados. De acordo com os policiais, os outros suspeitos conseguiram fugir pela área de mata.
Foram apreendidas três motocicletas, uma delas furtadas, além de armas e um radiocomunicador. Nenhum policial ficou ferido.
A prefeitura de Santos informou que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a Guarda Civil Municipal foram acionadas para atender a ocorrência com a criança, mas o menino já tinha sido levado para a Santa Casa. O Samu fez o atendimento inicial aos dois rapazes baleados.
Os dois foram levados para a Unidade de Pronto Atendimento da Zona Noroeste, onde foi constatado o óbito do jovem de 17 anos. Ele foi identificado como Gregory Ribeiro Vasconcelos e, segundo a polícia, ele teria vínculo com uma facção criminosa. O outro, de 15 anos, foi levado para a Santa Casa de Santos, passou por cirurgia e não corre risco de morrer. Ele está sob custódia.
O caso foi registrado como homicídio, tentativa de homicídio e morte decorrente de intervenção policial pela Central de Polícia Judiciária de Santos.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo lamentou “profundamente o falecimento de uma criança de quatro anos durante um confronto entre criminosos e policiais, na noite de terça-feira (5), no Morro de São Bento, em Santos”.
Diz a nota que a Delegacia Seccional de Santos instaurou inquérito para apurar os fatos e determinou a realização de perícia nas armas apreendidas e no local do confronto para esclarecer a origem do disparo que atingiu a criança.
O prefeito de Santos, Rogério Santos, usou sua rede social para cobrar a apuração. “Como prefeito, eu garanto: vou exigir e acompanhar que tudo seja apurado. Não podemos mais deixar que essas coisas aconteçam. É lamentável”, disse, em vídeo. O prefeito santista é do Republicanos, mesmo partido do governador Tarcísio de Freitas. Em nota, a prefeitura de Santos informou que “o prefeito Rogério Santos está pessoalmente em contato com a Polícia Militar acompanhando o desenrolar dos acontecimentos e a apuração”.
Escalada de tensão
Na coletiva, o comandante da PM na Baixada Santista e Vale do Ribeira, Rogério Nery Machado, disse que “a polícia não vai descansar enquanto não prender os 7 ou 9 criminosos que conseguiram fugir”.
“É questão de honra prender esses criminosos, que há indícios de pertencerem a uma organização criminosa”, afirmou.
Sobre o risco da operação desencadear uma escalada de violência, na região, como aconteceu em operações anteriores, ele disse que o objetivo da operação é identificar e prender os criminosos. “Não descartamos a possibilidade de uma escalada na tensão, mas estamos trabalhando de maneira técnica e pontual”, disse.
O coronel Machado explicou que os agentes que participaram da operação não usavam câmeras corporais, pois os dispositivos ainda não foram destinados ao 6.o Batalhão da PM e Santos, que eles integram. Porém, eles estão sendo tratados como vítimas, porque foram alvos de disparos e atiraram para proteger a própria vida.
Segundo ele, o jovem que foi morto se exibia em redes sociais fazendo disparos de armas de fogo e se apresentava como “surfista 15-3-3″, números que remetem às letras PCC, da facção Primeiro Comando da Capital.
Operações anteriores
Durante a coletiva, foi confirmado que o pai do menino Ryan, Leonel Andrade dos Santos, de 36 anos, foi um dos 56 mortos durante a Operação Verão, que aconteceu entre janeiro e abril deste ano, na Baixada Santista. Segundo a PM, ele teria apontado uma arma para os policiais.
No segundo semestre de 2023, a PM desencadeou a Operação Escudo na Baixada Santista, depois que um policial da Rota foi baleado por criminosos, no Guarujá. Ao menos 28 pessoas morreram baleadas durante as ações policiais.
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