Era por volta de 17h quando a aposentada Leni Colaferri, de 71 anos, se acomodou em uma mesa de calçada da confeitaria Cristallo, quase na esquina da Rua Oscar Freire com a Rua Bela Cintra, na zona oeste de São Paulo. Na cadeira ao lado, colocou com cuidado a cachorrinha Lolla Bani, companhia inseparável das caminhadas de fim de tarde. ”Sempre que saio com ela viemos aqui”, disse.
Neste domingo, 7, foi a última vez que a dupla seguiu esse roteiro. A unidade da Cristallo da Oscar Freire, aberta por ali há 46 anos, viveu seu dia de despedida do número 914 de uma das ruas mais famosas da capital paulista, em tarde marcada por comoção entre funcionários e frequentadores assíduos.
A confeitaria, assim como outros estabelecimentos vizinhos, será demolida para a construção de um residencial de alto padrão. Por ora, não há previsão de uma nova unidade da Cristallo na região – permanece aberta apenas a do Shopping Pátio Higienópolis, na região central. “O charme da Oscar Freire está nas pequenas lojas, é uma pena isso estar se perdendo”, lamentou Leni.
Ao longo das quase cinco décadas em que esteve aberta na Oscar Freire, a confeitaria virou um ponto de encontro de diferentes gerações. Muitos dos frequentadores ouvidos pela reportagem disseram que não era preciso sequer combinar com os amigos para encontrá-los por lá.
“Esse lugar marcou minha infância, saber que vai fechar dá um aperto no coração”, disse a estudante Ava Lopes, de 16 anos. Quando ficou sabendo da notícia pelas redes sociais, ela fez questão de ir com a mãe até o local para se despedir. Pediu o de sempre: uma empada de frango e um suco de frutas vermelhas.
”Não tem outro lugar como esse por aqui na Oscar Freire”, disse o economista Julius Serruya, de 42 anos. Natural do Pará, ele afirma que um dos pontos positivos da confeitaria é a informalidade que se vê por ali. “Vinha com meus pais na infância, agora encontro diariamente com os amigos por aqui.”
Morador da Rua Bela Cintra, Julius aproveitou o último dia da confeitaria com o administrador de empresas Rogério Joaquim de Carvalho, de 70 anos, em uma mesa de calçada – as acomodações são as únicas onde se pode ficar com pets. “É um local para tomar desde um café até uma taça vinho”, disse o amigo.
Pouco depois, juntou-se aos dois o músico e advogado Austin Robert, 85 anos, que passeava com o cachorro Tyson. “Esse lugar é um marco da cidade”, disse ele, que é morador da Rua Haddock Lobo. “Sempre foi nosso ponto de encontro, não tem outro local como esse.”
Além da unidade da Cristallo, ao menos cinco lojas na Oscar Freire – entre elas, uma unidade da Kopenhagen – devem ser demolidas para a construção de um empreendimento de luxo nomeado Oscar 900. O projeto, que terá uma unidade de até 514 metros quadrados, é encabeçado pela incorporadora RKG e pela construtora RFM.
Como mostrou o Estadão, uma transformação que vai além da troca de uma grife por outra chama a atenção na Rua Oscar Freire. Novas lojas, sorveterias e restaurantes atraem um público curioso por experiências gastronômicas e de compras com milhares de visualizações em redes sociais, como o TikTok. Ao mesmo tempo, a construção de prédios altos altera a paisagem em trechos de uma das mais famosas vias de São Paulo.
Na parte da via mais próxima de Pinheiros, na zona oeste, oito empreendimentos de apartamentos de alto padrão foram recém-entregues ou estão em obras onde antes havia casas, sobrados e predinhos. Do outro lado, ao menos 16 comércios foram abertos desde 2022.
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