BRASÍLIA - "Andamos com medo na rua. Antigamente nós tínhamos medo de bandidos e assaltos. Hoje, temos medo dos policiais". A frase é de Andreza, tia do adolescente Guilherme Silva Guedes, de 15 anos, sequestrado e assassinado com dois tiros na cabeça na madrugada do dia 14 de junho, na Vila Clara, zona sul de São Paulo. Um dos suspeitos é sargento da Polícia Militar e o outro foi expulso da corporação após fugir da prisão em 2015 por outro crime.
A tia da Guilherme, que também é mãe de um adolescente, relata a apreensão que sente quando o filho avisa que vai acompanhar a namorada até em casa ou que vai visitar amigos. No Brasil, mais de 75% das vítimas pelas polícias são negras. "Eu morro de medo porque, quando ele sai, eu não sei se vai voltar", contou Andreza ao Estadão.
Guilherme foi levado por dois homens enquanto conversava com outro rapaz perto da casa da avó, onde morava. O corpo foi encontrado a cerca de seis quilômetros de distância, em Diadema, no dia seguinte. No local do crime, foi encontrada uma tarjeta com a identificação de um soldado da PM. O laudo necroscópico indica que o adolescente levou um tiro na nuca e, ao cair no chão, foi alvo de mais um disparo no rosto.
O delegado responsável pelo caso, Fabio Caipira, afirma que não há dúvidas de que Guilherme foi executado. De acordo com ele, a investigação está "praticamente elucidada". Um dos policiais suspeitos, o sargento Adriano Fernandes de Campos, identificado por câmeras de segurança no momento do sequestro, está preso. O outro, Gilberto Eric Rodrigues, segue foragido - ele é procurado desde 2015 depois de fugir da prisão, acusado de envolvimento em uma chacina que vitimou sete pessoas dois anos antes.
"Foi execução, pois o menino estava desarmado. (Ele) foi pego em um local e levado para outro bem distante, mais ou menos a seis quilômetros de onde ele foi pego. E levou um tiro na nuca e outro no rosto. O tiro que ele levou na nuca transfixou as costas da mão dele, dando a entender que ele estava com a mão na nuca quando levou o tiro", afirmou o delegado.
Para a psicóloga Marisa Feffermann, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, há diversos elementos de que houve uma "tortura muito grande" contra Guilherme e que evidenciam a frieza, a crueldade e o desrespeito do crime. Durante a pandemia do novo coronavírus, a Rede criou a campanha "Fala Quebrada" para ampliar o canal que reúne denúncias de violações de direitos humanos nas periferias.
Na visão de Marisa, o assassinato de Guilherme ganhou mais visibilidade do que outros por ter ocorrido em meio aos protestos antirracistas nos Estados Unidos e no Brasil. Além disso, ela avalia que pesou o fato de o policial ter deixado cair no local a sua identificação.
"Se não tivesse a identificação da polícia, esse caso seria só mais outro caso de execução indeterminada", afirmou Marisa. "Esse caso só teve um outro desfecho porque caiu a identificação (do policial), porque temos vários outros casos semelhantes em que vemos pessoas encapuzadas e não são solucionados."
Dois meses antes, Marisa relembra que outro adolescente foi morto baleado pela Polícia Militar. Igor Rocha Ramos, de 16 anos, foi morto por um tiro que o atingiu pelas costas ao sair de uma padaria no Jardim São Savério.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informa que os casos estão sob investigação, em inquérito sob sigilo. A SSP-SP diz que a Corregedoria da Polícia Militar acompanha a apuração dos fatos. Ainda de acordo com a secretaria, um dos suspeitos pela morte de Guilherme, Gilberto Eric Rodrigues, foi expulso da PM e "as diligências prosseguem para localizá-lo e prendê-lo".
Após a prisão, a defesa de Adriano Fernandes de Campos alegou que ele é inocente. O ex-policial militar Gilberto Eric Rodrigues ainda não tem defesa constituída.
Letalidade policial tem aumentado na quarentena e casos ganham repercussão
Com mais de dois casos registrados por dia, o número de pessoas mortas em ações da Polícia Militar subiu mais uma vez no mês de maio, durante a quarentena contra o coronavírus em São Paulo. Na contramão de todos indicadores de produtividade policial, em queda no período, os aumentos consecutivos da letalidade têm preocupado a gestão João Doria (PSDB) e motivado críticas até de entidades de classe.
Essa classificação deve ser usada para ocasiões em que há pressuposto de legitimidade na ação policial - durante um tiroteio com assaltantes, por exemplo. Também foram registrados mais oito casos de homicídio doloso (quando há intenção de matar) praticados por PMs - estes sim, considerados crimes, como o caso da Vila Clara.
Denúncias de violência policial têm acontecido com frequência, principalmente através das redes sociais. Entre os episódios mais recentes, está a suspeita de participação de PMs em um atentado a bomba contra a casa da presidente municipal do PT em Nuporanga, no interior, e o caso de um jovem que desmaiou após ser estrangulado em Carapicuíba, na Grande São Paulo.
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